Como idas e vindas de Leite afetam a disputa no RS

Como idas e vindas de Leite afetam a disputa no RS

Novos movimentos do ex-governador atrasam definições e geram reposicionamentos no jogo eleitoral

Flavia Bemfica

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As idas e vindas do ex-governador Eduardo Leite (PSDB) estão causando um adiamento na definição das campanhas para a disputa eleitoral no RS e têm potencial para fazer com que parte dos ‘players’ se reposicione. Apesar dos afagos públicos aos pré-candidatos do MDB e do PSDB ao Palácio Piratini, o deputado Gabriel Souza e o atual governador, Ranolfo Vieira Júnior (PSDB), respectivamente, Leite, asseguram interlocutores muito próximos, é “candidatíssimo” ao cargo e já está em campanha. O Senado, possibilidade aventada por parte dos aliados, seria uma opção apenas “se todo o resto der errado”.

A nova mudança de planos do tucano impacta mais diretamente as pré-candidaturas do MDB e do PSDB, mas, avaliam cientistas e especialistas em marketing político, vai mexer também no tabuleiro de modo geral. Isto porque se caracteriza como uma alteração em um cenário no qual, até agora, pesa muito o alinhamento com a polarização que ocorre nacionalmente entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula. Diferentes sondagens realizadas por partidos políticos e entidades vêm mostrando preferências bem marcadas pelas candidaturas de Onyx Lorenzoni (PL) e Luis Carlos Heinze (PP) como representantes do bolsonarismo, e de Edegar Pretto (PT) e Beto Albuquerque (PSB) como vinculadas a Lula, quando o tucano fica de fora. Mas ele pontua bem quando seu nome é incluído.

“Estamos vivendo um momento ímpar do ponto de vista dos processos eleitorais no RS. Primeiro, todo o movimento do ex-governador em não disputar a reeleição e, depois, em tentar a candidatura presidencial, tirou da agenda política o debate da continuidade. Sem a continuidade, houve uma substituição pela agenda da polarização política nacional, com um alinhamento que não surge a partir de estratégias de marketing, ele vem do eleitor. Hoje não é possível ir para a rua com um disco de pesquisa sem ter o partido do candidato. Reverter isto vai dar bastante trabalho”, projeta a cientista social e política Elis Radmann, diretora do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO). O cientista político e consultor Juliano Corbellini faz avaliação semelhante. “Se o Leite for candidato ao governo de novo, reorganiza todo o jogo de maneira bem significativa. Mas, claro, o mais prejudicado com o seu movimento é o MDB. E, para ele mesmo, Leite, também há um desgaste, ainda a ser medido, porque renunciou, abriu mão e depois volta. Para a cabeça do eleitor é algo bem confuso”, elenca.

O staff do ex-governador tem pronto o discurso para contrapor os argumentos de que a disputa no RS vai funcionar como uma espécie de “prêmio de consolação”, após ele não conseguir os índices de desempenho que imaginava poder alcançar inicialmente na corrida nacional, de forma a poder se colocar como pré-candidato. Ele vai insistir em que cedeu aos apelos dos aliados por ser o único nome capaz de unir o ‘centro’ e, ainda, que o fato de ter renunciado mostraria seu desinteresse em usar a máquina pública para se favorecer. Mas a estratégia já levanta questionamentos e será alvo de ‘‘bombardeios’ múltiplos na campanha. “Primeiro, é preciso que se diga, que o Eduardo Leite ficar fora da eleição significa que ele, Leite, perde espaço nacional. Isso não é uma questão de desprendimento. Segundo, porque a melhor possibilidade de manter vivo o projeto de governo em andamento é ele ir para o Senado. Só que Leite, sem dúvida, é muito mais candidato ao governo do que ao Senado, e tudo isso terá uma série de consequências na relação com os que foram seus aliados até aqui”, emenda o especialista em análise política José Fuscaldo.

Retorno impacta principalmente candidatura do MDB

A movimentação do ex-governador Eduardo Leite (PSDB) em sua tentativa de retorno ao Piratini incluiu pelo menos três lances em um espaço de oito dias, em uma demonstração de celeridade que surpreendeu até parte dos interlocutores. Na sexta, 22 de abril, Leite divulgou carta endossando o resultado das prévias do PSDB, que perdeu para o ex-governador de São Paulo, João Doria, e abrindo mão de continuar em busca de se viabilizar como candidato à presidência da República. Na terça, 26, a notícia de que deseja voltar a comandar o RS, após ter renunciado ao cargo em março, foi veiculada no blog do jornalista Gerson Camarotti, no G1. Na quinta, 28, a imprensa começou a receber o roteiro de suas atividades. São duas as situações nas quais políticos divulgam suas agendas: quando estão no exercício de mandatos executivos ou quando estão em campanha.

Nos comandos de diferentes pré-campanhas, o retorno de Leite ao jogo é visto como um ato que aumenta os riscos mas, ao mesmo tempo, também as chances de cada um, porque pode fazer com que os índices de intenção de votos se dividam mais igualmente. Em resumo, à esquerda e à direita, os pré-candidatos vão “dobrar a aposta”. No chamado centro a situação é mais complicada. Não no PSDB, onde Leite não deve encontrar resistência da parte de Ranolfo, e as condições para a manutenção do apoio do União Brasil já estão em tratativas.

Mas sim no MDB. Internamente, alas do partido se dizem “traídas” pelo ex-governador que, em diferentes ocasiões, externou sua preferência pelo nome do deputado Gabriel Souza para sua sucessão. Gabriel foi escolhido pré-candidato do MDB ao governo em um processo desgastante no qual já haviam se acumulado acusações sobre a interferência do tucano. Na semana que passou, tão logo a notícia de que Leite voltaria a disputar o cargo, passaram a circular comentários de que Gabriel poderia integrar a chapa como vice. A especulação gerou tumulto nos bastidores emedebistas. Neles, uma fatia das lideranças assegura que Leite conseguiu dividir o MDB em três partes que seguem separadas, enfraquecendo uma das maiores siglas do Estado com o objetivo de se fortalecer como alternativa ao centro, repetindo estratégia que teria utilizado quando era prefeito de Pelotas. A referência usada pelos emedebistas é a que envolveu Leite e o também ex-prefeito de Pelotas, Adolfo Fetter Júnior, do PP.

O que dizem os especialistas

“Houve muita postergação porque se apostava que Eduardo Leite se firmaria nacionalmente. Aqui, ele não preparou candidato natural, deixou uma lacuna, e este espaço foi ocupado por um debate mais forte. Isto, e o fato de que esta não é uma eleição do marketing, campo que ele domina, vão exigir muito mais dele. É uma eleição ideológica e programática. Se ele concorrer, será mais fácil ativar a agenda da continuidade do que se apresentar um sucessor. Mas é preciso construir a pauta da continuidade, disputar com a pauta da polarização e fazer o jogador se apresentar. Estão perdendo todos os tempos” Elis Radmann, diretora do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO).

“Na aproximação do governo com o MDB, foi dado destaque a uma narrativa, exitosa, de continuidade entre as administrações de José Sartori (MDB), Eduardo Leite (PSDB), e um próximo governo emedebista. Para manter o projeto de governo em andamento vivo, há outra possibilidade para além daquela de Leite concorrer ao Senado. É Sartori assumir uma candidatura ao governo que é unanimidade dentro do MDB. Ele (Sartori) descarta de todas as formas esta hipótese, mas é fato que a pressão interna sobre ele se mantém muito forte.” José Fuscaldo, especialista em análise política.

“Esta é uma eleição sem favorito para o governo do RS. Todo mundo tem chance e todo mundo vai. É mais arriscado para todo mundo? É. Mas também é mais oportunidade. Tem espaço. Não acredito em uma solução política viável nacionalmente na terceira via porque é difícil para qualquer outro candidato se igualar aos dois líderes populares que estão aí. Eles são muito grandes, galvanizam o amor e o ódio. Isto, no RS, atrapalha candidatos que queiram se colocar como representantes de um bolsonarismo soft, como aconteceu em 2018.” Juliano Corbellini, cientista político e consultor.


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