Conselheiros de direitos da infância criticam proposta de redução da idade penal no ECA

Conselheiros de direitos da infância criticam proposta de redução da idade penal no ECA

Comissão da Câmara debateu projeto de lei que também prevê aumento no tempo de internação

Agência Brasil

Comissão da Câmara debateu projeto de lei que também prevê aumento no tempo de internação

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Conselheiros de defesa dos direitos da infância e da adolescência debateram com deputados, nesta terça-feira, propostas de mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em audiência pública realizada pela comissão especial da Câmara que discute o projeto de Lei (PL) 7.191/2002, representantes de conselhos de direitos humanos criticaram os textos que tramitam na Casa e propõem reduzir a idade penal ou aumentar o tempo de internação dos adolescentes.

O projeto de lei em debate estabelece que as medidas socioeducativas previstas no ECA possam ser aplicadas a jovens que já atingiram a maioridade penal. Mais 52 projetos em trâmite na Câmara propõem alterações no ECA e estão apensados ao PL 7.191. O teor de algumas das propostas prevê a ampliação do tempo máximo de internação de três para dez anos. O endurecimento da pena para os jovens é apoiado pelo relator da chamada Reforma do ECA na Câmara, Aliel Machado (Rede-PR), em casos de crimes considerados mais graves. O deputado, no entanto, disse que só vai fechar seu parecer depois de ouvir os atores envolvidos no assunto.

Romero José da Silva, integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), afirmou que a entidade mantém posição contrária à redução da idade penal e ao aumento do tempo de internação. Silva considera retrocesso qualquer tentativa de eliminar os direitos garantidos pelo ECA. “O Conanda não volta atrás e não faz nenhuma discussão em favor da redução da maioridade penal, nem no aumento do tempo de detenção”, declarou.

Silva chamou a atenção para a responsabilidade da comissão especial no tratamento da temática, principalmente como mediadora entre os desejos da sociedade e os defensores do sistema de garantia de direitos. E fez um apelo para que os deputados não cedam à pressão para reduzir a maioridade penal ou aumentar a reclusão.

Segundo Silva, o Brasil tem hoje pouco mais de 22 mil adolescentes e jovens cumprindo medida de internação a um custo total de R$ 5 bilhões. “Estamos falando de uma média de cada adolescente internado custando em torno de R$ 13 mil, estamos falando de um custo caro, que vai de encontro à pauta do governo de corte de gastos”, argumentou.

O representante do Conanda salientou, ainda, que o sistema socioeducativo brasileiro apresenta problemas como a institucionalização da prática da tortura e a negação de vários direitos fundamentais. De acordo com o conselheiro, essa realidade não garante a ressocialização dos adolescentes, estimula a reincidência e, por isso, inviabiliza o aumento de detentos nas unidades e do seu tempo de permanência dentro delas. “É preciso falar sobre um sistema que mantém os meninos confinados e não garante ressocialização, pelo contrário, há um processo de despersonalização humana”, argumentou.

Para o conselheiro e assistente social do Distrito Federal Fábio Félix, as propostas atuais já vigoraram em códigos anteriores ao ECA e não surtiram o efeito desejado de redução da criminalidade e melhoria na segurança pública. “O ECA surge como ruptura ao modelo anterior. Quem defende redução da maioridade ou aumento da internação defende uma legislação que já existiu. Não é proposta criativa nem inovadora, isso já foi aplicado e não funcionou”, analisou Félix. Para o assistente social, a discussão deveria girar em torno de propostas que garantissem a contratação de mais profissionais, melhorias nas estruturas e na forma de tratamento, além de investimento em medidas educativas no meio aberto.

Já para Telma Melo, integrante do Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Distrito Federal, é necessário também refletir sobre o perfil dos adolescentes em conflito com a lei que, em sua maioria, são negros e pobres. “O sistema socioeducativo brasileiro é bisneto da senzala, porque ele tem cor e classe social.” Telma ressaltou que recebe várias denúncias de violação de direitos humanos ocorridas dentro das unidades de internação e que os casos não são devidamente apurados. “Só vemos os crimes cometidos pelos adolescentes. Mas eles são tutelados pelo Estado, que tem que garantir a proteção física e a vida destes adolescentes. É preciso repensar essa lógica, porque senão vamos continuar fazendo vítimas.”

A conselheira propôs também que os deputados ouçam adolescentes que fazem parte do sistema ou que já cumpriram alguma medida socioeducativa, e o relator Aliel Machado disse que já ouviu adolescentes em algumas unidades de internação do país. Ele informou que, na próxima semana, continuará com a série de visitas aos centros de internação.

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