Constituição de 1988 acentuou crise fiscal dos municípios

Constituição de 1988 acentuou crise fiscal dos municípios

Levantamento recente da CNM apontou aumento no endividamento das prefeituras brasileiras nos últimos anos

Correio do Povo

Cidades apresentaram um aumento de 21,2% em despesas

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Promulgada há 35 anos, a Constituição de 1988 deu novos contornos para o conceito de municipalidade. Em um país com um território de extensão continental, as 5,5 mil cidades conquistaram mais autonomia, direitos e deveres com o texto de 88. A medida foi um avanço para a federação, mas acentuou os obstáculos enfrentados pelos gestores municipais. Saúde e educação se tornaram um sistema tripartite, dando aos municípios deveres de base. Ou seja, as prefeituras são responsáveis pelo ensino fundamental e as unidades básicas de saúde. Essas e demais atribuições, como a questão do transporte público urbano, por exemplo, representam uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que validam as cidades enquanto entes federativos, representam também custos. E gastos requerem receitas, que nem sempre existem. 

Além de repasses oriundos da União e dos estados, as cidades contam com três fontes de arrecadação: o IPTU, o ITBI e o ISS. Todos são tributos cujos valores recebidos ficam nas mãos dos prefeitos. O problema, contudo, é o montante final. O último relatório da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostrou que das 4.616 cidades que responderam dados à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), 51% tiveram déficit. Em 2022, esse percentual era de 7%. 

Mais de um fator motiva a escalada da crise financeira nas cidades, cujo resultado foi um aumento de 21,2% nas despesas dos municípios; ainda que as raízes da problemática sejam mais profundas e encontrem respaldo nas linhas constitucionais. “Uma luta histórica municipalista em âmbito nacional e mundial sempre foi a descentralização dos direitos e deveres que necessitam de recursos”, destaca Vanessa Marx, coordenadora do Núcleo de Porto Alegre do Observatório das Metrópoles e professora do Departamento de Sociologia da UFRGS.

“Os recursos da União ganham proeminência no total de receitas. Isso acontece porque os impostos e as contribuições que a União arrecada se mostraram menos sensíveis às atividades econômicas, ao passo que o ICMS e o IPTU não cresceram tanto, não acompanharam a atividade econômica”, explica Gustavo de Moraes, professor de economia da PUC-RS, ao salientar os prejuízos da centralização de recursos por parte do governo federal. 

Nessa seara, onde o aumento das receitas não alcança o crescimento de despesas, a União tem sua parcela de responsabilidade, segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. A criação de mais de 240 programas por ato administrativo é uma dessas causas, uma vez que, quando criados, demandam competências para serem cumpridas que, muitas vezes, não são devidamente subsidiados pelo governo federal. “O problema não é o prédio, é o custo da (permanência da) criança na creche.”

Se carece de recursos, também carece de fiscalização

Apesar de insuficientes, segundo avaliação de parte dos prefeitos, os repasses da União e estados aos municípios ocorrem. E regularmente. Entretanto, os valores arrecadados carecem de maiores mecanismos de fiscalização, segundo Vanessa Marx. “É importante para ordem democrática ter acesso ao orçamento, avançar, poder ver o quanto foi transferido e ter controle social sobre o que o município arrecada, gasta e isenta. Tem vários planos que dão isenção de IPTU, por exemplo. Deveríamos ter um controle social. Às vezes, escutamos muitos ‘não tem dinheiro’, mas precisamos olhar para onde está esse dinheiro”, defende. 

O caminho para o avanço, nesse sentido, é a participação popular, defende Vanessa. Segundo ela, a adoção do orçamento participativo – que teve início em Porto Alegre – é um caso. “É uma questão de política de transparência do orçamento que alguns municípios têm ou outros não. Mas é muito importante para ver o que ele (município) arrecada e gasta. Ter transparência das contas públicas, controle social, saber qual a capacidade que ele tem de pedir recursos para o exterior”, explica. 

A CNM identificou algumas das pautas prioritárias no Congresso:

  • A proposta de emenda à Constituição (PEC) 25/2022, que estabelece o repasse adicional de 1,5% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para o mês de março. A matéria aguarda análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara.
  • A PEC 253/2016, que permite a entidade de município propor ação direta de inconstitucional no STF; e o projeto de lei complementar (PLP) 98/2023, que tira terceirizados do limite das despesas com pessoal.
  • A PEC 38/2023, que amplia a reforma da previdência aos municípios.
  • No Senado, há cinco prioridades: o PLP 334/2023, que reduz a alíquota do INSS; a PEC 40/2023, que prevê um adicional mensal no FPM por dois anos; a PEC 14/2023, que atualiza os programas federais; a PEC 45/2019, que promove a reforma tributária no país; e o PL 136/2023, que compensa perdas do ICMS e recompõe o FPM.


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