‘Os Candidatos e as Cheias’: confira as promessas de Juliana Brizola para evitar novas inundações em Porto Alegre
A trabalhista é a terceira entrevistada de série especial do Correio do Povo; Felipe Camozzato (Novo) será o último; Sebastião Melo (MDB) abriu a série, seguido de Maria do Rosário (PT)
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Por Flavia Bemfica e Mauren Xavier
O Correio do Povo traz nesta quinta-feira a terceira entrevista com os quatro candidatos à prefeitura de Porto Alegre de partidos com representação na Câmara dos Deputados. Ao longo de uma hora, a candidata do PDT, Juliana Brizola, apresentou o seu plano de ação para que a cidade não volte a enfrentar um novo alagamento, como na tragédia climática de maio. Também abordou projetos para drenagem urbana e fortalecimento do corpo técnico da prefeitura.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que a senhora vai fazer para que a cidade não volte a alagar?
Eu identifico quatro eixos importantes. Vamos enfrentar a questão da Região Metropolitana, pelo Guaíba ser um estuário. Vamos tratar do sistema de proteção: comportas, casas de bombas, limpeza da cidade, dos bueiros, do lixo. Temos também que criar em Porto Alegre um sistema de monitoramento e alerta. E temos que tratar do Plano Diretor de Drenagem Urbana, com transição para um plano sustentável. Precisa de muito dinheiro, e o combate à corrupção será um dos pontos centrais para isto. Além de muita fiscalização; um bom corpo técnico para elaborar bons projetos, trazer recursos e financiamentos; e diálogo com os governos federal e estadual.
A senhora pensa em recriar o DEP (o antigo Departamento de Esgotos Pluviais) ou alguma estrutura semelhante? E o que vai fazer com o Dmae (o Departamento Municipal de Água e Esgotos)?
O DEP talvez tivesse ajudado se ainda existisse. Por conta do seu corpo técnico, que foi realocado no Dmae, mas não funcionou lá dentro. Tudo vai acabar sendo feito pelo Dmae. E nós precisamos dos corpos técnicos. Existe muita gente boa, que estuda a cidade e esta questão. O Departamento de Geologia do Brasil, o IPH (o Instituto de Pesquisas Hidráulicas), da Ufrgs...
A senhora vai fazer novos concursos? Ou pode avaliar o corpo técnico disponível e montar uma nova estrutura?
Temos técnicos qualificados, mas precisamos de mais. O ideal é um concurso público, que às vezes demora. Então, podemos ter um prazo para o concurso público, e, até lá, incluir técnicos com outra estrutura. É necessário que saibamos exatamente o que precisamos dentro do Dmae.
Precisa uma nova estrutura?
Não vejo assim. Tudo pode ficar dentro do Dmae, já que o DEP foi extinto. Não queremos voltar, mas precisamos fortalecer o corpo técnico que veio do DEP.
Como a senhora trata a possibilidade de privatização ou de uma PPP (parceria público-privada) no Dmae?
Não sou contra privatização. Sou contra serviço ruim. Sem qualidade, com tarifa alta, e o não investimento. Independente de ser público ou privado, o que importa é o serviço ter qualidade. Se, para ter qualidade, precisar privatizar, ok. Mas o que vemos, na maioria dos casos, são privatizações malfeitas, vendendo baixo, sucateando bem público para depois vender. Casos em que o serviço piorou, a tarifa não baixou e não houve investimentos. Temos exemplos da água, da energia. Se o serviço do Dmae está bom, se a população está sendo bem atendida, por que privatizar? A iniciativa privada, na maior parte das vezes, mira o lucro, e não o bem comum.
A senhora eleita, a privatização do Dmae será avaliada?
Não. Não vou privatizar o Dmae. Não vejo hoje necessidade de privatização do Dmae.
Já existem estudos suficientes para saber como tratar o problema das cheias ou é preciso contratar novos?
Acredito que temos tudo aqui. O IPH tem todos os dados. Temos técnicos bastante selecionados. Isso não quer dizer que a gente não possa fazer consultas internacionais, trazer exemplos de fora, tudo isso é válido. Mas, para o enfrentamento... Tivemos vários avisos: do Dmae, da Ufrgs. Eles não foram escutados.
Como a senhora pretende ouvir os técnicos?
Com governança colaborativa com os governos federal e estadual. O governo estadual criou um Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática. Nossa proposta é colocar no Comitê 17 representantes da Granpal (a Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre). Para que dali saiam os grandes projetos. Eu me comprometo a escutar os técnicos e proporcionar que as soluções não fiquem só no papel.
A senhora vai começar as ações por onde?
Pelo fechamento das comportas das casas de bombas. O Dmae está com R$ 400 milhões. Esse dinheiro pode imediatamente ser utilizado para vedar as comportas dentro das casas de bombas e para rever a posição dos painéis de controle que, quando a água sobe, molham e não funcionam mais. Dá para iniciar o processo de colocação de geradores também. Já deveria ter sido feito. Os R$ 400 milhões estavam ali, tinha avisos de que era preciso fechar aquelas comportas. Sobretudo nas casas de bombas do Centro. Outras coisas também deveriam ter sido feitas. Atribuições diretas da prefeitura, como a limpeza de bueiros. Óbvio que os R$ 400 milhões não vão dar para fazer tudo. E nem o orçamento da prefeitura. Aí entra a questão do governo federal, e também BNDES, Banco Mundial, Caixa Econômica Federal, projetos internacionais.
Qual sua proposta para a limpeza da cidade?
Tem que se transformar em um serviço essencial. A limpeza de arroios e valas também. Historicamente, Porto Alegre enfrenta uma questão bem difícil em relação à limpeza dos bueiros e ao próprio lixo. Não tem mais como ficar desse jeito. Vou ampliar as equipes de limpeza, porque Porto Alegre é uma cidade suja, onde a problemática do lixo já vem de bastante tempo. E quando vem uma chuva a gente vê o quanto isso atrapalha. Se preciso, vamos contratar equipes, podem ser terceirizadas, não há problema nenhum. Não vejo problema com terceirização, vejo problema é com a falta de fiscalização.
A cidade foi alagada pelo Guaíba e pelo esgoto. No seu entendimento, algum destes alagamentos poderia ter sido evitado?
Sim, com certeza. O Guaíba, todos sabemos que foi muita água que veio. Mas vimos as comportas, faltou borracha. E quando o Guaíba começou a baixar, havia um sistema de esgoto todo comprometido, era bueiro voando água. Quando a chuva parou um pouco, houve orientação errada da prefeitura sobre os lixos, que não eram lixos, eram as memórias das pessoas. Uma incompetência do início ao fim. Não teremos prevenção contra enchente ou qualquer catástrofe natural se não enxergarmos a natureza e o meio ambiente com outros olhos.
Porto Alegre está tratando do Plano Diretor, uma questão que vai ficar com o próximo prefeito. E a senhora fala de um Plano Diretor de Drenagem Urbana sustentável? O que ele inclui?
É necessária uma atualização do Plano Diretor de Drenagem Urbana, considerando as mudanças climáticas. Há lugares onde as pessoas não podem mais habitar. Mas deve ser uma construção. Não basta retirá-las. Veja a problemática das ilhas: é independente desta enchente. Qualquer chuva alaga. E o que fazer? As pessoas têm suas características locais, de pertencimento, precisamos respeitar. Hoje, não querem sair, e há uma questão climática ali praticamente impossível de ser resolvida quando vem a água. Mas não podemos jogá-las lá no fim da zona norte. Então, revisão e atualização, estudos, muitas conversas, muitas audiências públicas, para construirmos uma saída. Traremos algumas soluções sustentáveis (para a cidade). Jardins de chuvas, parques lineares ao longo das orlas, biovaletas, diretrizes para pavimentos permeáveis, técnicas de modelagem hidrológica. Incentivos para telhados verdes e cisternas, com descontos no IPTU, podem ser uma alternativa. Aprender a separar o lixo. Engajar a população. Tudo ajuda muito, lá no final, a não subir a água. Pensamos também em formar um comitê consultivo para debater o plano diretor. E escutar as regiões. Às vezes, comunidades inteiras se manifestam contra a criação de um empreendimento imobiliário. Às vezes, a comunidade é completamente desconsiderada. A especulação imobiliária não pensa no meio ambiente.
Como tratar da relação entre expansão imobiliária, redimensionamento de redes e preservação do meio ambiente?
Não se pode mais passar por cima da questão ambiental. Temos que alinhar o Plano de Drenagem com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano.
Isso pode ser feito no primeiro ano de governo?
Iniciando tudo no primeiro ano. Algumas coisas haverá prazo mais esticado, mas outras podem ser feitas imediatamente. Todos queremos uma cidade inovadora, mas andando lado a lado com o respeito ao meio ambiente. Dá para viver em parceria. Não só sugando. Não temos problemas em construir grandes complexos e prédios, mas respeitando o meio ambiente. Muitas vezes, a contrapartida não tem nada a ver com o meio ambiente. Constrói na orla do Guaíba, e coloca uma creche lá na zona sul. Isso é contrapartida? Não. A contrapartida deve ser na questão ambiental. Precisamos ter limites em relação a prejudicar o meio ambiente. Há coisas que não podem ser aceitas, porque vamos pagar um preço caro ali na frente.
A senhora pretende discutir ou revisar a legislação ambiental em Porto Alegre?
O comitê criado pelo governo do Estado, que entendo que precisamos integrar, tem corpo técnico que pode avaliar exatamente isto. Dizer: ‘aqui Porto Alegre tem que ser mais dura, não há como deixar flexibilizado’. Ou então: ‘esta situação aqui pode permanecer, porque o impacto ambiental não é grande, podemos conviver’. Basta ter bom senso e não entregar tudo para o lucro. Podemos preservar o meio ambiente e ter progresso. Por uma questão, inclusive, de saúde pública. Muitas doenças podemos prevenir trabalhando a questão ambiental.
Em que consiste o monitoramento e sistema de alerta que a senhora propõe?
Temos que expandir a rede de monitoramento. Nossa proposta é implantar sensores inteligentes nos 46 bairros identificados como vulneráveis durante a inundação. Integrar os dados do ObservaPoa ao Sistema de Monitoramento e Alerta do Estado, ao Inmet (o Instituto Nacional de Meteorologia) e a outros órgãos relevantes que possam ajudar. O ideal é termos uma plataforma que integre dados, em tempo real, sobre níveis de água, precipitação e áreas de risco. E desenvolvermos um sistema de alerta multicanal: via SMS, aplicativo móvel e sirenes locais, por níveis.
As pessoas que precisam sair de casa vão para onde?
O governo do Estado criou um centro. Vamos ter que pensar...
O Centro Vida, na zona norte?
Isso. É um centro só, claro que isto não é adequado. O ideal é não deixar a cidade encher de novo. Isso é possível. Dá para melhorar muito só na questão das comportas e casas de bombas.
O que a senhora vai fazer com o Muro da Mauá?
Claro que o Muro fica gente. O Muro funcionou. O que não teve foi manutenção nas borrachas das comportas. Por isso que vazou água. Mas o Muro comprovadamente prestou o papel. Ficou claro para toda a Porto Alegre o quão é importante o Muro da Mauá e todo o sistema de segurança. Se ele (o sistema) estivesse funcionando, as coisas teriam sido bem diferentes. Quero voltar ao monitoramento e alerta. Precisaremos estabelecer protocolos de ação baseados em diferentes níveis de alerta, colaborar com a Defesa Civil, órgãos municipais e estaduais. Também é importante a capacitação comunitária. As pessoas precisam saber o que fazer em um momento de crise, de tragédia, pânico.
Como bancar isso?
A parte de alerta e monitoramento nem é a mais cara. Mas volto a dizer: buscar parcerias com os governos federal e estadual. O governo estadual tem um plano de investimento anunciado de R$ 2,6 milhões por ano para sistemas de medição e alerta de riscos. Porto Alegre precisa buscar este recurso. Também neste ponto, acredito que o próprio caixa da prefeitura já pode iniciar em 1º de janeiro. Outra questão sobre alertas é a geolocalização da Anatel, que já está sendo disponibilizada. A tecnologia pode nos ajudar muito.
* Apoio: Rafael Renkovski