‘Os Candidatos e as Cheias’: confira as promessas de Maria do Rosário para evitar novas inundações em Porto Alegre
A petista é a segunda entrevistada de série especial do Correio do Povo; Juliana Brizola (PDT) e Felipe Camozzato (Novo) serão os próximos; Sebastião Melo (MDB) abriu a série
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Por Flavia Bemfica e Mauren Xavier
O Correio do Povo traz nesta quarta-feira a segunda entrevista com os quatro candidatos à prefeitura de Porto Alegre de partidos com representação na Câmara dos Deputados. Ao longo de uma hora, a candidata do PT, Maria do Rosário, apresentou propostas para que a cidade não alague novamente, como na tragédia climática de maio. Também fala sobre o sistema de proteção de cheias, a manutenção do Dmae e outras intervenções em áreas não protegidas da cidade.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que a senhora pretende fazer a partir de 1º de janeiro para que a cidade não volte a alagar?
Estamos diante de uma tragédia com determinantes ambientais, mas que, sob vários aspectos, poderia ter sido evitada, porque Porto Alegre tem um sistema robusto de prevenção às cheias. O diagnóstico que os especialistas fazem é de que este sistema não recebeu a manutenção devida. A primeira questão é a avaliação de todo o sistema, com manutenção imediata do que for possível, reconstruir o padrão e ampliar. Para isto são necessários projetos, construídos pela prefeitura e por estruturas com conhecimento técnico. O básico é limpeza das bocas de lobo, hidrojateamento de toda a rede pluvial e garantia de funcionamento das casas de bombas, com a eletrificação necessária. Se não tivermos garantia de que elas funcionarão com eletrificação vinda da rede da Equatorial, vamos contratar de imediato geradores.
O que a senhora vai fazer sobre alagamentos nas casas de bombas? Como garantir eletrificação se estiverem inundadas?
Precisamos ter conhecimento instalado na prefeitura. Minha proposta é recuperar um DEP (Departamento de Esgotos Pluviais), ou estrutura análoga, para fazer a gestão das águas pluviais. Fazendo análise de risco e antecipando. Já sei que é possível erguer as casas de bombas para que não sejam alagadas. E trabalhar para que as comportas internas sejam vedadas adequadamente. A água entrou porque não houve o trabalho preventivo. Sobre as bocas de lobo: recebi informações, de técnicos também, que a limpeza precisa ser feita anualmente, de forma preventiva. O custo para limpar uma boca de lobo preventivamente é de R$ 50.
A senhora pretende privatizar o Dmae (o Departamento Municipal de Água e Esgotos)? E sobre o DEP. Recriaria da mesma forma, ou seria outro órgão?
Junto ao gabinete da prefeita (o DEP). Porque quero olhar com muita atenção a recuperação do sistema de proteção da cidade. Se precisarmos colocar mais uma casa de bombas, ou duas, em determinadas regiões, vamos colocar. Há recursos para este plano integrado. Além de novas casas de bombas, a região sul da cidade não tem hoje um sistema próprio de proteção. Também precisamos considerar os arroios internos. Arroios transbordaram e levaram as casas das pessoas. Precisaremos de uma normativa sobre ação sistemática de limpeza dos arroios. Além disso, integrar enchentes e prevenção ao DMLU (o Departamento Municipal de Limpeza Urbana). Porque é preciso trabalhar resíduos, transformando as unidades de triagem em centros de educação ambiental, ampliando o que é reciclado. Os recursos federais serão a base para a reconstrução. Mas temos que criar uma sustentabilidade de recursos, que a cidade gerencie e possa investir.
E o Dmae?
O Dmae, não vou privatizar de jeito nenhum. Vou fazer concurso público, inclusive.
Não vai haver PPP (parceria público-privada)? Vai ficar como é hoje?
Não tenho intenção de trabalhar a partir de uma lógica fechada, de que farei isso ou aquilo. Mas tenho a intenção de fortalecer a dimensão pública do Dmae. O Dmae já teve mais de três mil servidores. Hoje tem mil. Realmente, foi para privatizar que fizeram. E eu não gosto de privatizações.
Para recriar o DEP, ou estrutura análoga, a senhora, se eleita, enviaria um projeto para a Câmara ainda neste ano? Qual seria a estrutura?
Tem projeto de lei para recriar como secretaria. Agora, um departamento, pode ter inclusive mais agilidade. Porque há áreas que Dmae, DMLU e DEP precisam trabalhar de forma integrada. Outro aspecto é que vamos ter realmente que trabalhar em dimensão metropolitana. Isto significa fortalecer o comitê da Bacia do Guaíba e criar uma estrutura consorciada entre prefeituras.
A senhora assume e começa por onde? Com que dinheiro? Limpa boca de lobo? Reforma casas de bombas? Faz avaliação? Faz projeto? Usa projeto que já tem? Os estudos que já existem são adequados ou são necessários novos? Quais prazos a senhora estima para a arrancada?
Teremos um período de transição. Então vou começar a trabalhar no dia seguinte da eleição. Não posso esperar 1º de janeiro. Se a chuva cair hoje, a cidade está desprotegida. Não podemos chegar em janeiro na mesma condição. As casas de bombas não estão com autonomia para funcionar até agora. E não é falta de dinheiro. Porque os mais de R$ 400 milhões que estão na conta do Dmae não foram utilizados para o que deveriam, que era a prevenção.
A senhora vai usar este dinheiro a partir de 1º de janeiro?
Vou utilizar. Primeira fase: limpeza e desassoreamento, garantindo o funcionamento das comportas internas e das casas de bombas. Recurso público federal tem. Recurso municipal tem. Então, o que falta? Gestão e projeto. Vou assumir a responsabilidade do cuidado com a cidade. Desde o primeiro momento, com a limpeza, mas vamos fazer as grandes obras também.
As primeiras ações são na rede?
Aquelas borrachas nas comportas do Muro da Mauá. Vamos ter que colocar. Mas não fixas (as comportas). Isto é um absurdo.
A avaliação do sistema, inclusive das comportas, é possível fazer em quanto tempo?
Se o prefeito atual já tiver feito uma parte do serviço, é possível ter menos necessidades. O sistema tem que voltar a funcionar naquilo que ele tem. E, ao mesmo tempo, as obras.
O Muro da Mauá fica ou sai? O sistema de proteção contra enchentes é adequado?
Era adequado antes de acabarem com ele. Tem que ser recuperado, nos padrões que possuía antes, e aumentado. Devemos estendê-lo para regiões em que ele não existe. Cito a zona sul, onde nunca teve um sistema de proteção como o que há na zona norte.
O Muro da Mauá fica?
Fica, claro. Qualificado.
Em relação às comportas, a senhora é contra transformar parte delas em definitivas?
Sou.
Qual é a alternativa?
Na década de 70 já criaram um sistema que abria e fechava com segurança. Por que, em 2024, alguém está pensando em transformar um sistema que abre e fecha em um muro? Tecnicamente, não é necessário. A cidade perderia conexão com o Guaíba. Na região de Navegantes, há entidades que fazem canoagem. Existem trabalhos sociais com as regiões das vilas Farrapos, Navegantes, Humaitá. Nós temos que pactuar com o Guaíba. Nosso problema não é o Guaíba. É a falta de cuidado com ele, com as águas.
Então, mantém as comportas com o sistema atual?
Com o atual e, se houver uma proposta técnica que melhore o sistema, garantindo que elas abram e fechem, sem problema.
Sobre os arroios, a senhora falou em fazer desassoreamento. É algo para início de governo? Por vezes envolve outras cidades. Como pretende encaminhar isso?
A dragagem dos pequenos arroios, com cuidado para não desfazer as margens, é importante e tem que ser analisada. Vamos ter que trabalhar com recuperação das margens, vegetação, afastamento das casas. São áreas de risco. No período do Tarso (Genro) foi criado um programa, o ‘Arroio não é Valão’. Quero recuperar esse programa.
São 27 arroios. A senhora vai fazer uma avaliação?
Eu não sou prometedora. Quero fazer estudo sobre a balneabilidade dos arroios da cidade.
Balneabilidade e desassoreamento?
Desassoreamento é básico. Estudo e trabalho permanente de limpeza, desassoreamento, e um programa de educação ambiental. E um que amplie o tratamento de esgotos cloacais é fundamental.
Qual é o custo disso?
É para o próximo período, já está no PAC.
No Novo PAC há dois projetos que abrangem mais de uma cidade da região Metropolitana, totalizam quase R$ 3 bilhões, e ainda não têm proponentes definidos. Há uma negociação sobre quem deve gerenciar as obras e responder pelo funcionamento do sistema. A senhora defende que isto fique com o governo do Estado, consórcio de cidades ou uma PPP?
Defendo que as prefeituras sejam as gestoras do sistema metropolitano. Faz um consórcio. Defendo que a Capital lidere as prefeituras da região para a organização do sistema. Cada uma no âmbito do seu território e gerenciando as obras. Mas de forma integrada em termos de planejamento, prestação de contas e diálogo direto com o governo federal. A federação brasileira, de acordo com a Constituição, não é em escala. Vamos agilizar muito a relação federativa entre municípios e União. Vamos cobrar do governador recursos.
E depois, esse consórcio, em caso de alagamentos, será o responsável?
Vai ser. Mas, em cada cidade, a prefeita ou o prefeito. Em Porto Alegre serei eu. Não gosto desse negócio de transferir responsabilidade.
De quem é a responsabilidade pela drenagem pluvial urbana?
É óbvio que quem trata de drenagem e saneamento básico é o município. O marco do saneamento deixa muito nítido isso. De toda forma, nunca foi dito que a União era responsável. Agora inventaram essa questão. Não há um prefeito municipal chamado presidente Lula. Há um presidente da República cumprindo a sua obrigação de fazer o financiamento. Mas a obra é coisa do município. Manutenção é coisa do município.
Qual sua proposta para sistemas de alerta?
O município deve ter uma Defesa Civil melhor. Articulada às esferas estadual e federal. Um sistema de alerta tanto para ver quando a água vem chegando, a prevenção para que ela não tome a cidade, quanto que tenhamos plano de contingência. O Ministério da Integração Nacional está trabalhando com avisos por SMS. WhatsApp, as rádios. Mas, enfim, órgão oficial. Carimbo de oficialidade. E Defesa Civil municipal.
Sai de casa e vai para onde?
Todo mundo vai ter que saber para onde ir. Nós vamos ter um plano realmente.
O poder público vai disponibilizar locais?
Claro. E precisaremos ter, no planejamento, a escala em que o fenômeno climático está acontecendo. Inclusive treinamento da população. Para onde vai, quais são as vias, ruas que sejam menos alagáveis, este é o caminho.
O plano de contingência e os alertas, a senhora espera ter prontos quando?
Já solicitei estudos. Tenho um projeto de lei com o objetivo de que esses planos sejam implementados no Brasil. Agora não posso dizer em quanto tempo. Mas teremos um plano bairro a bairro.
A senhora pretende apresentar para a população seu planejamento nos primeiros seis meses, nos primeiros três?
Pretendo apresentar um plano de trabalho antes mesmo de assumir.
Qual seu plano para as ilhas?
As ilhas precisam de um plano específico, e ele é socioambiental. Pretendo, com diálogo, verificar as regiões mais seguras, melhorar as moradias, para estabelecer a possibilidade de continuidade dos que queiram permanecer. Assegurar para os que queiram sair, a nova moradia. E garantir serviços essenciais. Há dificuldade nas ilhas com a questão do saneamento porque tem a dimensão ambiental. Talvez aqui precisemos modificar alguns aspectos da norma legal. Deve ser estudado. Mas uma questão é certa: não pretendo estabelecer nenhum ato de retirada à força da população.
O que a senhora prevê para o novo plano diretor?
A cidade cresceu de forma desordenada e desorganizada, e em áreas de risco. Ao invés de pensar só na construção de novos prédios, devemos pensar em otimizar a economia para que a cidade seja ocupada devidamente. Muitas vezes as obras novas podem trazer problemas de outra ordem. Temos que ter um plano diretor coerente entre as regiões.