Embaixador do Brasil nos EUA orientou governo a não reconhecer vitória de Biden, diz jornal

Embaixador do Brasil nos EUA orientou governo a não reconhecer vitória de Biden, diz jornal

Em telegramas enviados à Brasília, Nestor Foster compartilhou informações falsas e nutriu esperanças de virada jurídica no pleito

AE

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O Brasil foi o último dos países que compõem o G-20 a reconhecer a vitória de Joe Biden nas eleições dos Estados Unidos. A formalização veio apenas na terça-feira, 38 dias depois do pleito de 3 de novembro, e apenas após a confirmação do triunfo do democrata pelo colégio eleitoral. Conforme telegramas aos quais o jornal Estadão teve acesso, o comportamento do País foi influenciado pelo embaixador Nestor Forster, que enviou a Brasília, ao longo da contagem dos votos, descrições baseadas em análises e notícias falsas que questionavam a lisura da disputa vencida.

O embaixador escreveu uma série de cinco telegramas obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), os quais revelam sua atuação de orientar o governo. Nelas, o diplomata repassou, num primeiro momento, análises que enfatizavam a desconfiança no processo eleitoral e, depois, com a confirmação do resultado favorável ao democrata, relatos que apostavam numa virada de mesa nos tribunais.

As mensagens enviadas entre 5 e 12 de novembro pelo embaixador, num total de 22 páginas, destacaram comentários e expectativas de aliados do candidato republicano. A reportagem teve acesso ainda, via LAI, a outros dez telegramas, 54 páginas, enviados em julho e agosto, meses das convenções partidárias. Procurado, o embaixador disse que não comentaria o conteúdo dos seus textos.

Denúncias de fraude

Na noite de 6 de novembro, horas antes do anúncio da vitória de Biden, Forster informou a Brasília que “estreitas margens tornam quase certos processos de recontagens e ações judiciais adicionais”. “A campanha do presidente Donald Trump já robustece sua assessoria legal para promover a recontagem nos Estados-chave e ações judiciais relativas a percebidas irregularidades e denúncias de fraude na apuração de votos”, comunicou Forster. No dia seguinte, um sábado, o democrata era declarado vencedor e analistas políticos consideravam improvável uma mudança do resultado.

Foster Junior ignorava até mesmo as posições dos corpos diplomáticos em Washington. Nos telegramas, só relatou em 12 de novembro que o Reino Unido, a Alemanha e a França tinham reconhecido a vitória de Biden, o que foi feito ainda no dia 7. As mensagens não sinalizaram recomendações para Bolsonaro fazer o mesmo.

Ainda no dia 6 de novembro, o dilplomata alertou em relação a “diversos relatos” de fraudes em Michigan, Pensilvânia, Arizona e Nevada. Comentaristas políticos dos Estados Unidos acusavam Trump de divulgar fake news e enfatizavam que as ações dele na Justiça seriam derrotadas. Naqueles dias, emissoras de TV chegaram a interromper entrevistas do presidente na Casa Branca para alertar sobre mentiras ditas ao vivo.

Nas mensagens a Brasília, Forster atribuiu as acusações de fraudes sempre a “relatos” que disse ter ouvido. Sem citar fontes, ele registrou, no mesmo dia 6, “tráficos de cédulas eleitorais em pequena escala”, “intimidação e restrição de acesso de observadores eleitorais a locais de contagem de votos” e critérios de segurança “insuficientes” para verificação de assinaturas de eleitores em envelopes com cédulas enviados pelo correio. O diplomata relatou ainda ter ocorrido a “correção de cédulas preenchidas incorretamente por eleitores, de modo indevido, por mesários”.

Informações falsas

O embaixador brasileiro informou a Brasília, no dia 10, que Trump permanecia firme no propósito de rejeitar o resultado das urnas, ignorando mais uma vez que os analistas davam como certo um fracasso do republicano em levar o caso à Justiça. “Na tarde de hoje (10/11), o secretário de Estado Mike Pompeo afirmou, em resposta a pergunta de jornalista, que o Departamento de Estado estaria preparado para uma “suave transição para uma segunda administração Trump”. 

Ao citar o advogado pessoal de Trump, o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, o embaixador brasileiro afirmou, em outro telegrama, que a primeira ação judicial de “escopo abrangente” havia sido protocolada junto à corte federal na Pensilvânia. “Na ação, os advogados do presidente argumentam que o sistema eleitoral do Estado criara um ‘sistema de dois trilhos de votação’, em que eleitores foram tratados de maneira distinta: os votos depositados pessoalmente teriam sido submetidos a critérios de transparência e verificação, ao passo que ‘a massa de votos’ enviada pelo correio estaria ‘envolta em obscuridade’”, destacou.

Segundo Forster, os “votos presenciais” teriam sido submetidos à rigorosa verificação de assinaturas e observação eleitoral, o que não teria ocorrido no caso de votos recebidos pelos correios. “Entre as irregularidades, é mencionado o acesso insuficiente de observadores eleitorais ao processo de verificação, legitimação e contagem dos votos pelo correio. Tais falhas teriam, segundo os autores, violado a ‘cláusula constitucional de proteção igualitária’”.

O telegrama reforça que o advogado de Trump solicitou ao juiz federal, “à luz das alegadas irregularidades”, liminar para impedir que Biden fosse considerado vencedor das eleições no Estado e a desconsideração de votos pelo correio enviados pelos condados da Filadélfia e de Allegheny. “Ambos os condados, de esmagadora maioria democrata, teriam processado mais de 600 mil votos recebidos pelo correio”.

Sobre a falta de provas sobre as supostas irregularidades, o embaixador disse que elas não foram apresentadas, pelos advogados de Trump, “nesse primeiro momento”. “Mas foram levadas ao conhecimento de um juiz notícias veiculadas na imprensa e declarações de observadores eleitorais republicanos. Se o juiz do caso acatar o pedido de liminar republicano, será o indício de abertura do juízo para análise mais detida de provas e do eventual êxito do processo”.


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