Empresas de tecnologia pedem que projeto de lei sobre regulação das mídias digitais seja adiado

Empresas de tecnologia pedem que projeto de lei sobre regulação das mídias digitais seja adiado

Entidades representativas das big techs solicitaram, em carta, que parlamentares criem comissão especial para discutir texto

R7

A legislação pode forçar uma revisão das práticas comerciais de Google, Apple, Amazon e Facebook

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Três entidades representativas de empresas de tecnologia pediram nesta quarta-feira, 19, que a votação do projeto de lei sobre a regulação das mídias digitais (PL 2.630/2020), conhecido como PL das fake news, seja adiada. Em carta divulgada, as associações sugerem, ainda, a criação de uma comissão especial para debater o texto, que tramita no Congresso Nacional há cerca de três anos.

O manifesto é assinado pela Associação Latino-Americana de Internet (Alai), Câmara Brasileira da Economia Digital (Camara-e.net) e Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro). Entre os integrantes, estão Meta (proprietária de Facebook, Instagram e WhatsApp), Google, Twitter, TikTok, Kwai, Zoom, Amazon, Rappi, Mercado Livre, IFood, Nubank, OLX, Shein, Uber e Yahoo.

A Camara-e.net reúne também instituições públicas do Brasil, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e os Correios. A reportagem perguntou ao STF a posição da corte quanto ao documento. Não houve retorno e o espaço permanece aberto.

Na carta, as entidades manifestam "preocupação com a ausência de governança do debate até o momento, bem como com a gravidade das consequências decorrentes da eventual aprovação do texto hoje disponível." O texto atual, na visão dessas instituições, é "fruto de um processo tortuoso e fechado, e segue desta maneira. Diferentemente do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados, o PL 2630 nunca foi objeto de consulta pública. O projeto foi aprovado pelo Senado sem uma única audiência pública, nunca passou por uma comissão (nem no Senado e nem na Câmara) e agora tramita informalmente, com um texto que, a poucos dias da votação, não é oficial, nem conhecido da sociedade brasileira."

O posicionamento das empresas ocorre após declarações do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O deputado afirmou, na segunda-feira, 17, que o PL das fake news deve ser votado em plenário até o fim do mês. Orlando Silva (PCdoB-SP) é o relator do PL. Ele não retornou os questionamentos do R7 a respeito da carta das entidades até a última atualização deste texto.

As solicitações das big techs contrastam com a posição da mídia tradicional. Na semana passada, um grupo de 16 entidades do setor de comunicação publicou uma cartilha em defesa da aprovação do PL das fake news. O grupo sugeriu propostas para a legislação e argumentou que o texto foi amplamente discutido no Legislativo, com a participação de mais de cem especialistas, em dezenas de audiências públicas. Eles defendem a criação de regras para as plataformas, transparência na publicidade e a valorização do jornalismo profissional. Em resumo, o PL das fake news apresenta as diretrizes de regulação das plataformas digitais. Para as entidades da comunicação, a aprovação do PL é "a solução ideal contra a epidemia da desinformação".

Confira a íntegra do manifesto divulgado nesta quarta-feira, 19:
"CARTA ABERTA - PRECISAMOS DE UMA COMISSÃO ESPECIAL PARA DEBATER O PL 2630/2020

A respeito do anúncio da votação do Projeto de Lei nº 2630/2020 a partir da próxima terça-feira (25/4), as entidades aqui subscritas, representantes do setor de tecnologia, vêm manifestar firme preocupação com a ausência de governança do debate até o momento, bem como com a gravidade das consequências decorrentes da eventual aprovação do texto hoje disponível.

Esforços de regulação de tecnologia são bem-vindos e nós queremos ser parte da construção de uma legislação que responda de maneira eficiente e equilibrada a desafios públicos. Entendemos, por exemplo, que temas como transparência e um processo justo e equânime para moderação de conteúdo e apelação de decisão, entre outros, são relevantes e devem ser objeto de discussão.

É preciso qualificar o debate sobre o PL 2630 e alertar para seus inúmeros riscos.

Embora o PL tramite no Congresso há 3 anos, ele é fruto de um processo tortuoso e fechado, e segue desta maneira. Diferentemente do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados, o PL 2630 nunca foi objeto de consulta pública. O projeto foi aprovado pelo Senado sem uma única audiência pública, nunca passou por uma comissão (nem no Senado e nem na Câmara) e agora tramita informalmente, com um texto que, a poucos dias da votação, não é oficial, nem conhecido da sociedade brasileira.

Na ausência de um texto formal, nos vemos obrigados a comentar a versão informal mais recente, que circula desde ontem, e apontar para seus inúmeros riscos:

1. Restrição da liberdade online. Diversos dispositivos do texto (como dever de cuidado e risco sistêmico) buscam responsabilizar plataformas por conteúdo de terceiros e fazê-las analisá-los sob o aspecto de legalidade (competência privada do Poder Judiciário), criando um perverso incentivo ao vigilantismo e à censura privada por parte das plataformas;

2. Controle estatal do discurso. O PL prevê a criação de uma entidade pelo Poder Executivo que ficaria encarregada de supervisionar o cumprimento das obrigações estabelecidas em lei, inclusive questões relacionadas a discurso. O governo, atual ou futuro, teria a prerrogativa de decidir se as plataformas estão arbitrando conteúdo corretamente e enviesar interpretações sobre o que deveria ou não estar nas plataformas, podendo inclusive determinar o banimento dos serviços;

3. Aumento da desinformação no ambiente online. Sem um conceito claro do que constitui jornalismo e da determinação do que pode ser considerado um veículo de mídia, as plataformas estariam à mercê de maus atores, obrigadas a remunerar inclusive veículos de baixa ou nenhuma qualidade, propagadores de desinformação. Este efeito é potencializado pela proposta ao impedir que provedor de aplicação remova conteúdos jornalísticos, obrigando assim as plataformas a manterem no ar qualquer conteúdo dito jornalístico, seja ele controverso, enganoso ou duvidoso.

4. Ameaça à publicidade digital, prejudicando marcas, criadores e pequenas empresas. Sem nenhuma isonomia com o restante do ecossistema de publicidade, o PL cria diversos embaraços à publicidade digital, inclusive coresponsabilizando as plataformas por conteúdos de anunciantes, e criando um perverso incentivo para que, a partir de notificações de concorrentes (sejam políticos, econômicos ou de outra ordem), as plataformas tenham de censurar anúncios de marcas, criadores e pequenas empresas.

5. Vigilantismo. Obrigações como as impostas pela “análise e atenuação de risco sistêmico” e dever de informar autoridades competentes da suspeita de "que ocorreu ou possa ocorrer um crime" criam incentivos para que as plataformas atuem como um órgão de monitoramento e vigilância, o que deveria ser afastado por qualquer proposta de legislação.

Estamos diante da mais impactante proposta de legislação de Internet em uma década, e, como acima exposto, uma proposta que vem com inúmeros riscos. Nós pedimos aos parlamentares brasileiros que rejeitem a urgência do PL 2630 e apoiem a criação de uma comissão especial destinada a debater o tema. Isso permitirá mais debate e a produção de consensos que possam mitigar os riscos mencionados.

Reiteramos nossa disposição em continuar dialogando com os poderes constituídos para debater e contribuir com a construção de uma boa regulação de Internet."


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