Fundo Amazônia: intenção dos EUA de investir R$ 46,8 bilhões pode não passar no Congresso americano

Fundo Amazônia: intenção dos EUA de investir R$ 46,8 bilhões pode não passar no Congresso americano

Especialistas dizem que proposta deve ser reapresentada, porque é da legislatura passada; foco nas eleições também pode atrapalhar


R7

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Quando esteve no Brasil, o enviado especial sobre clima dos Estados Unidos, John Kerry, falou em uma possível contribuição do país de R$ 46,8 bilhões para o Fundo Amazônia, mas o valor pode não ser aprovado pelo Congresso Americano. Especialistas ouvidos pelo R7 apontam que os US$ 9 bilhões a que Kerry se referiu em reunião com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, no último dia 28, soam mais como uma propaganda política — para os governos dos EUA e do Brasil — do que um investimento a ser, de fato, realizado.

O R7 entrou em contato com a Casa Branca e o Palácio do Planalto, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. "É uma propaganda diplomática para os dois governos. É como se dissessem 'temos essa iniciativa e queremos ajudar, mas dependemos do Congresso'", aponta o professor da Universidade de Brasília (UnB) Virgílio Arraes, especialista em história dos Estados Unidos.

Ele destaca que o foco político do presidente dos EUA, Joe Biden, para os próximos meses está voltado para a reeleição. "Ele vai usar a política externa como propaganda, mas colocando a responsabilidade no Congresso (pelo o que não conseguir fazer)", opina.

Mesmo que o presidente americano esteja focado na recondução ao cargo e a temática ambiental esteja em alta, Biden deve priorizar outros países. "Pensando em reeleição, o que é mais interessante: ajudar México, Guatemala, Honduras e Haiti, que tem uma população alta nos Estados Unidos, ou o Brasil?", questiona o especialista, que não considera a quantidade de imigrantes brasileiros nos EUA tão relevante quanto a desses outros países.

A cientista política e professora de relações internacionais Denilde Holzhacker concorda com o colega e acrescenta uma observação. "Neste ano, começam as disputas dentro dos partidos para a eleição presidencial do ano que vem, então, isso é um fator de dificuldade", destaca, ao sugerir que o foco dos trabalhos dos congressistas pode não ser em aprovar remessas financeiras para fora das fronteiras americanas.

Os investimentos feitos pelos Estados Unidos em outros países precisam ser aprovados pelo Legislativo americano, formado, assim como no Brasil, por Câmara (House of Representatives) e Senado. O valor apontado por Kerry faz parte de um projeto apresentado na Câmara em novembro de 2021, na legislatura passada — e parado na Casa desde então.

Para voltar a ser analisado pelos deputados, o texto teria de ser apresentado novamente, conforme explica a doutora em ciência política e pesquisadora sênior no Núcleo de Estudos sobre o Congresso na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Beatriz Rey.

"A proposição estava operando na última legislatura, então, teria de ser reintroduzida. Ela foi proposta por um democrata [o parlamentar Steny Hoyer, de Maryland] e foi apenas introduzida, quer dizer, não chegou nem a ser enviada para comissão para discussão", afirma a especialista. Ela pede precaução quanto à disponibilidade dos US$ 9 bilhões. "Se o governo se empenhar muito, pode ser que acelere o processo, mais isso é dentro do contexto político americano", afirma.

Mesmo que o projeto seja destravado no Congresso, a configuração partidária do Legislativo Americano também é uma barreira para a aprovação dos investimentos, dado que Joe Biden é do partido Democrata. "A Câmara é de maioria Republicana, então, seria preciso convencer essa maioria e ter apoio de deputados republicanos, além dos próprios democratas", destaca a cientista política Denilde Holzhacker.

A divisão bipartidária do país tem reflexos no Brasil. "Os republicanos têm tendência a apoiar ações com relação ao Brasil, mas o Partido Republicano, ligado à base trumpista (do ex-presidente Donald Trump, alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro), pode se opor por ser o governo do presidente Lula", observa Holzhacker. "Vai depender muito da negociação e do apoio interno que Biden vai ter para essa agenda. É uma agenda relevante, que tende a receber uma posição proativa de alguns deputados. Mas, se [o projeto for] aprovado, provavelmente vai ser com um valor menor (do que os US$ 9 bilhões citados por Kerry)", afirma a professora, que explica que a quantia não é comum.

O que é o Fundo Amazônia

O Fundo Amazônia foi criado por meio de decreto em agosto de 2008. O texto autoriza o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a realizar a gestão do mecanismo, com a função de captação de recursos, de contratação e de monitoramento dos projetos e ações apoiados.

O objetivo é arrecadar dinheiro para as ações. Entre as áreas, estão:

- controle, monitoramento e fiscalização ambiental;
- manejo florestal sustentável;
- atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da vegetação;
- regularização fundiária;
- conservação e uso sustentável da biodiversidade; e
- recuperação de áreas desmatadas.

As doações ocorrem quando há redução nas taxas de desmatamento na região. A gestão do fundo, que passa por dois processos de auditoria, também é feita em conjunto com os comitês técnico e orientador, com a presença de integrantes do governo federal, dos estados da Amazônia Legal e da sociedade civil organizada.

Reunião em maio

A próxima reunião do grupo será maio. Até lá, segundo apurou a reportagem, deverá ser concluída a revisão do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal.

Um dos artigos do decreto que criou o fundo determina que as reduções de emissões de gás carbônico, regra básica para os projetos, são reconhecidas pela Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e, portanto, são aceitas na meta do Acordo de Paris. 


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