Governador enfrenta falta de alternativas para colocar salários em dia
Desistência da venda de ações do Banrisul foi novo tropeço na busca por recursos
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Sem os cerca de R$ 2,2 bilhões que esperava arrecadar se conseguisse levar a cabo a operação de venda de ações do Banrisul e a três meses do final do ano, o governo do Rio Grande do Sul busca soluções que permitam colocar em dia os salários dos servidores ainda em 2019. Mas, internamente, e entre aliados na Assembleia Legislativa, o cumprimento da meta é considerado praticamente “impossível”, em função da inexistência de alternativas viáveis que cubram os valores necessários.
A folha de pagamento do Executivo (R$ 1,5 bilhão/mês), vem sendo depositada em etapas há 45 meses. O cronograma de pagamento de agosto começou em 10 de setembro e terminará em 11 de outubro, quando, em condições normais, a do mês de setembro já deveria estar quitada. Os servidores também têm em aberto o 13º salário de 2018. Em 30 de agosto foi quitada a oitava parcela. Em breve, a conta incluirá o 13º de 2019.
Os técnicos da administração já trabalhavam com um cenário de não atendimento da promessa de campanha do governador Eduardo Leite (PSDB), reiterada em diversas ocasiões após o início da gestão tucana. No mês passado, durante evento de apresentação da elaboração do Orçamento de 2020, e quando ainda vigorava a restrição judicial à venda das ações do Banrisul, o próprio Leite havia definido a regularização dos salários do funcionalismo em 2019 como “missão extremamente difícil". A derrubada da liminar que impedia a operação deu fôlego ao Executivo, mas ele foi curto.
De público, Leite evita admitir claramente a manutenção dos parcelamentos, garante que o governo “buscará de todas as formas cumprir com o compromisso assumido”, e cita alternativas de obtenção de recursos no curto prazo. O problema é que, na prática, elas ou já foram descartadas pelos demais atores envolvidos ou não se concretizam neste ano.
PORQUE É DIFÍCIL CONTAR COM AS ALTERNATIVAS CITADAS PELO GOVERNO
RRF: O governo gaúcho tenta negociar sua adesão ao Regime de Recuperação Fiscal desde 2017. O argumento é de que ele permitirá a interrupção do pagamento da dívida com a União por até seis anos (a suspensão hoje é por liminar); e que abrirá espaço a novos financiamentos. Mesmo que o RRF aumente a dívida total e não resolva o déficit. E que os empréstimos previstos não sejam para custeio. Leite planeja usar a brecha da antecipação de receitas das privatizações, colocando na mesa as autorizações para venda da CEEE, Sulgás e CRT. O levantamento sobre quanto valem as empresas, porém, só ficará pronto a partir do final de 2020. Além disso, o RS não apresenta todos os requisitos para a adesão; o Rio de Janeiro, único estado dentro do RRF, corre o risco de ser excluído por não cumprir as exigências; e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, destacou na quinta-feira que a assinatura do acordo com os gaúchos não sai neste ano. O ministro não esconde seu desagrado com o RRF e vem anunciando a preparação de outro programa para desafogar as contas dos estados endividados.
FUNDO DE REAPARELHAMENTO DO JUDICIÁRIO: Em reunião no STF no dia 16 para tratar da LDO de 2020, o governador insistiu em que o Judiciário gaúcho empreste ao Executivo recursos de seu Fundo de Reaparelhamento, com prazo de quatro anos para devolução. O presidente do TJRS, desembargador Carlos Eduardo Duro, deixou claro que isso não vai acontecer. Ele já havia externado a impossibilidade em reunião anterior dos poderes no RS. Apesar da negativa, Leite voltou a citar a possibilidade no dia 19, quando explicou o cancelamento da venda de ações do Banrisul. O fundo, instituído em 1978, usa como fontes, principalmente, recursos de taxas judiciárias e da gestão financeira de depósitos judiciais. No ano passado, conforme relatório anual do TJRS, seus recursos somaram cerca de R$ 900 milhões.
CESSÃO ONEROSA DO PRÉ-SAL: O governo gaúcho aguarda a votação da PEC 98/19, que passou pelo Senado e está em apreciação na Câmara. Ela prevê que a União compartilhe com estados e municípios os recursos arrecadados com o pré-sal. No início do mês, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), defendeu sua votação até 5 de novembro, antes do megaleilão marcado para 6 de novembro, quando interessados em explorar áreas na Bacia de Santos deverão pagar bônus de outorga de R$ 106,5 bilhões. Deste total, R$ 72,9 bilhões serão partilhados conforme os critérios da PEC 98: 70% para União, 15% aos estados e 15% aos municípios. O problema é que os critérios não favorecem o RS porque seguem regras do FPE e do FPM, que privilegiam estados e municípios com as rendas per capita mais baixas. Assim, o valor máximo para o RS será de R$ 250 milhões. O governo gaúcho defende uma distribuição pelas regras do Fundo de Exportação ou dos recursos da Lei Kandir, o que poderia aumentar sua parte para R$ 1 bilhão. A mudança enfrenta forte resistência de estados e municípios beneficiados com o formato aprovado no Senado. Maia também acena com a inclusão, na PEC, de R$ 4 bilhões da União para compensar os estados pelas perdas da Lei Kandir, mas descarta tratar de passivos.
LEI KANDIR: A compensação a estados exportadores de perdas decorrentes da Lei Kandir é uma novela de duas décadas. Na Câmara, o PLP221/98, do então deputado Germano Rigotto (MDB), que prevê que a União entregue R$ 39 bilhões/ano aos estados, tramita há 21 anos, e está apto para apreciação em plenário desde 2017. Um projeto posterior, o PLP 362/17, tenta extinguir a lei. No final de 2016, o STF passou a arbitrar a questão. É remota a hipótese de que os prejudicados recebam perdas pregressas (para o RS, perto de R$ 60 bilhões). Os envolvidos descartam o ingresso de recursos referentes ao encaminhamento desta negociação ainda em 2019. No dia 18 a comissão especial formada sob supervisão do STF e com participação da União, do TCU e dos estados, para tratar do assunto fez sua primeira reunião. A próxima será em 30 de setembro. O primeiro relatório – parcial – das atividades está previsto para a primeira quinzena de dezembro.