Governo cria pasta para combater fake news, mas especialistas alertam para risco de excessos

Governo cria pasta para combater fake news, mas especialistas alertam para risco de excessos

Procuradoria alocada na Advocacia-Geral da União prevê resposta e enfrentamento a desinformação sobre políticas públicas

R7

Lula dá posse ao novo ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, no Palácio do Planalto

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, com o argumento de combater fake news sobre políticas públicas. No entanto, especialistas ouvidos pelo R7 alertam para eventuais excessos que podem ser praticados com a nova unidade, alocada na Advocacia-Geral da União (AGU).

A pasta foi criada pelo decreto 11.328, em 1º de janeiro deste ano. Uma das atribuições é "representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas."

O texto de criação da procuradoria, entretanto, não especifica os critérios utilizados pela administração para definir o que é desinformação, ou fake news. Também  não detalha a estrutura da nova pasta e a metodologia para monitoramento das informações que serão classificadas como desinformação.

A nova tem o objetivo de representar a União em várias frentes: demandas e procedimentos para defesa da integridade da ação pública e da preservação da legitimação dos Poderes e de seus membros; resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas e articulação interinstitucional para compartilhamento de informações e ação integrada.

Especialista em direito constitucional, o professor e advogado Daniel Lamounier alerta para eventuais excesso que podem ser praticados na execução dos trabalhos, já que não há legislação brasileira que defina o que é considerado fake news. Um projeto sobre o tema ainda está em discussão no Congresso Nacional. "Deve-se observar a razoabilidade, a proporcionalidade e também deve ser mínima. A norma deve ser construída com embasamento técnico e não pautado em mero revanchismo. A liberdade de imprensa, de informação, de comunicação, é o alicerce de um regime democrático", acrescenta Lamounier.

De acordo com o especialista, qualquer excesso é inconstitucional e deve ser objeto de controle. "Por mais que haja algum excesso agora, há ainda o guardião da Constituição, que é o Supremo Tribunal Federal."

Antônio Carlos de Freitas Júnior, advogado e professor de direito constitucional, explica que não há uma norma sobre desinformação no ordenamento jurídico brasileiro e a criação da pasta pela AGU busca pedir medidas ao Poder Judiciário.

"Não é que este órgão vai fazer censura, que este órgão vai decidir, mas, sim, um órgão especializado dentro da AGU para pedir jurisdição ao Poder Judiciário. É importante porque organiza melhor a questão interna da AGU", analisa Júnior.

"O que há de complexo é que foi utilizada a conceituação do projeto de combate a fake news, que ainda não foi aprovado. Ou seja, é uma inovação do ponto de vista de organização interna. É uma importante iniciativa, mas não é acabativa, não é a solução", completa.

AGU

Em seu discurso de posse, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, comentou a medida. "Quero anunciar a criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, que vai contribuir com os esforços de democracia defensiva e promover pronta resposta a medidas de desinformação e atentados à eficácias das políticas públicas", disse.

"Essa procuradoria funcionará, ainda, como ponta de lança de uma atuação interinstitucional que promoverá a estratégia brasileira de defesa da democracia – com a fundação do Sistema Nacional de Proteção à Democracia – para proteção da ordem constitucional, da integridade da decisão pública e da legitimação dos Poderes e seus membros para exercício de suas funções", completou.

O novo AGU foi subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da República no governo de Dilma Rousseff (PT). Ele ficou conhecido como "Bessias", por ter tido o nome citado na interceptação de conversa entre Lula e a então presidente, em 2016. À época, ele seria responsável por entregar ao petista o termo de posse como ministro da Casa Civil, em caso de decisões judiciais em que fosse preciso Lula ter foro privilegiado.

Oposição

Parlamentares da oposição ao presidente da República também criticaram a medida. O deputado federal Lucas Redecker (PSDB-RS) usou as redes sociais para dizer que falta coerência ao novo governo.

"Questiono se o tal decreto é realmente uma necessidade ou apenas uma forma de controlar críticas às políticas públicas? Falta muita coerência com a prática, embora não surpreendam nem um pouco. As velhas práticas de quem já queria regular a mídia estão de volta", questionou.

Já o deputado estadual Bruno Souza (Novo-SC) afirmou que o decreto prevê que a procuradoria poderá processar aquele que criticar política pública. "Ninguém poderá dizer que foi pego de surpresa. Prometeram isso e estão entregando isto", escreveu o parlamentar.


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