Governo revoga decreto que impedia o avanço da cana em Amazônia e Pantanal

Governo revoga decreto que impedia o avanço da cana em Amazônia e Pantanal

Segundo Ministério da Agricultura, objetivo é simplificar e desburocratizar plantio

AE

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O governo federal revogou, nesta quarta-feira, o decreto que estabelecia o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar e impedia a expansão do cultivo por áreas sensíveis do País, como Amazônia e Pantanal. O decreto 6.961, de 2009, foi um dos principais fatores que tornaram o etanol de cana brasileiro um diferencial para as exportações, justamente por proteger os biomas de desmatamento.

A revogação, publicada no Diário Oficial da União, foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. A medida contraria a visão de cientistas da área, de ambientalistas e até de parte do setor produtivo.

No anúncio, feito em cerimônia no Palácio do Planalto que marcou os 300 dias de governo, foi dito que o objetivo era simplificar e desburocratizar o plantio de cana-de-açúcar. "De um lado, o decreto encontrava-se defasado após a aprovação do Código Florestal. De outro, novas tecnologias no uso racional da água, como gotejamento e fertirrigação, e o desenvolvimento de novos equipamentos de colheita mecanizada indicavam que os parâmetros que subsidiaram o zoneamento não eram mais sustentáveis em razão das novas tecnologias no uso racional de água e o desenvolvimento de novos equipamentos da colheita mecanizada", informou o Ministério da Agricultura.

No fim de agosto, quando a Amazônia enfrentava as piores queimadas para aquele mês dos últimos nove anos, Bolsonaro chegou a dizer que atenderia a um pedido de Tereza Cristina para ampliar as áreas de plantio e estava ciente da possível repercussão ruim. Diante das discussões no governo federal, pesquisadores da Universidade Federal de Minas (UFMG) encaminharam um estudo ao Ministério da Agricultura, reforçando que há no Brasil área suficiente para a expansão da cana sem precisar avançar sobre os dois biomas. "O etanol é o único biocombustível de primeira geração aceito pela União Europeia, Japão e outros países como medida de redução das emissões de efeito estufa", comenta o pesquisador Raoni Rajão, que liderou a análise enviada.

"O etanol de milho, por ter um balanço energético menos vantajoso, ou seja, emite gases de efeito estufa em proporção maior do que remove durante o crescimento, é excluído. Isso significa que o Brasil tem uma vantagem competitiva importante perante seus concorrentes, contanto que possa garantir que a cana não gere desmatamento." "A manutenção desse zoneamento é condição necessária para que a União Europeia mantenha a cota (futura) de importações de 850 milhões de litros do Mercosul", continua o pesquisador.

Ele fez um outro estudo, encomendado pela Comissão Europeia, que apontou que a cana só é de baixo impacto justamente por causa do zoneamento mais restritivo. Nessa análise, ele demonstrou também que o bioma amazônico é pouco favorável ao plantio de cana. O Brasil tem cerca de 10 milhões de hectares de área plantada com cana-de-açúcar - 5 milhões na Mata Atlântica, 4,8 milhões no Cerrado (em ambos os casos, principalmente em São Paulo e Minas). A Amazônia abriga apenas 144 mil hectares, cerca de 1,5% do total da área plantada no Brasil, com as plantações concentradas no sul de Mato Grosso.

Para o engenheiro agrícola Eduardo Assad, da Embrapa, que elaborou o zoneamento há dez anos, a decisão é "lamentável". Ele e colegas elaboraram o mapeamento a pedido do então governo Lula, que queria saber qual era a possibilidade de expansão da cana no País. "Pediram para buscarmos essa possibilidade e encontramos 54 milhões de hectares a mais por onde poderia ocorrer essa expansão", explica.

Explicações

O Ministério da Agricultura divulgou, na terça-feira, esclarecimentos para o setor. Afirmou que a revogação "teve como objetivo permitir o retorno de investimentos ao setor sucroenergético, suspensos desde 2009, com objetivo de ampliar o fornecimento de energias e combustíveis renováveis em regiões que carecem de abastecimento destes produtos, como Nordeste e Amazônia".

Ressaltou que "a questão não deve ser compreendida como permissiva de novos desmatamentos", uma vez que o contexto atual seria diferente de 2009. "Atualmente contamos com o Código Florestal e principalmente o programa Renovabio (programa federal de incentivo aos biocombustíveis), que não permitirá certificar usinas que consomem cana produzida em área após 2018", disse a pasta.

O ministério também argumentou que há diversas usinas de etanol de milho que recebem crédito naquela região, mas não as de cana. "Portanto, não há motivos para suspender o crédito a essas usinas que já estão estabelecidas nessas regiões." 


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