Lei que assegura recursos às candidatas nas eleições ainda é falha

Lei que assegura recursos às candidatas nas eleições ainda é falha

A partir de agora, a Constituição passa a contar com medidas para ampliar a participação das mulheres na política, mas ainda há vácuos

Flávia Simões*

PEC foi promulgada pelo Congresso Nacional

publicidade

Apesar da garantia jurídica conquistada pela promulgação da PEC que prevê, entre outras coisas, a destinação de 30% das verbas públicas para as campanhas femininas, o projeto apresenta algumas lacunas que prejudicam o real objetivo da medida: o aumento da representatividade feminina nos parlamentos. Sancionada no Congresso Nacional na semana passada, a emenda constitucional determina que os partidos políticos destinem no mínimo 30% do fundo de financiamento de campanha e do fundo partidário às candidatas mulheres. A lei estabelece que esse mesmo percentual seja destinado para o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão às candidatas. 

Cibele Cheron, doutora de Ciência Política pela Ufrgs e integrante do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero, atentou para o fato de que o descumprimento da lei dos 30% não implica em punições aos partidos políticos. Ou seja, caso as legendas não destinem os percentuais mínimos de financiamento para as candidatas mulheres, não são aplicadas quaisquer punições, a chamada “anistia” aos partidos. “Então, por mais que seja um avanço legislativo essa destinação, o fato da gente ter a questão da anistia, me parece ser um retrocesso”, comentou.

Uma punição as legendas que descumprissem a lei chegou a ser mencionada pela relatora da PEC na Câmara dos Deputados, deputada Margarete Coelho (PP-Piaui), mas não foi adiante. Em um contexto onde a questão do financiamento público é mais importante paras campanhas femininas, em função de uma série de questões (como capital político e midiático), explicou Cibele, a ausência de um instrumento que puna os partidos políticos que não destinarem os percentuais mínimos determinados por lei "é um recado muito claro para os partidos de que eles não precisam cumprir essas normas porque a anistia sempre irá beneficiá-los", disse. 

Cibele destacou, ainda, para o estudo conduzido pela professora Teresa Sacchet da Universidade Federal da Bahia, que demonstrou que nas eleições de 2018 para Câmara Federal, as mulheres, em média, contaram com 25% dos recursos de campanha, enquanto que os 75% dos recursos restantes foram destinados aos homens. "Esse descumprimento em flagrante acontece porque quem decide a destinação das verbas são as executivas nacionais dos partidos. E essas decisões não são decisões dotadas de muita transparência ou de controle social, são decisões tomadas por critérios que não vem necessariamente a público e que também não contam com a participação das principais interessadas que são as mulheres, porque a maior parte das comissões diretivas das nossas legendas é composta por homens", relatou Cibele. 

Fim da anistia e mudança cultural são medidas possíveis

Para Cibele, há algumas medidas que poderiam ser adotadas para fortalecer os instrumentos já existentes na busca por maior representatividade feminina, como o fim da anistia e a implementação de punições aos partidos que não atingirem as determinações previstas. Além da troca das cotas de competitividade por cotas de assentos. “Uma reserva nas câmaras municipais, como de 15% das cotas de assento, já seria um imenso avanço, na medida em que nós temos em todos os municípios do Brasil, um total próximo a mil municípios que não tem sequer uma mulher entre os vereadores.”

Ela defendeu ainda a mudança no que diz respeito à cultura e na transformação do espaço político em um lugar menos hostil para as mulheres. “As mulheres sofrem diferentes abusos dentro dos espaços políticos. Seja por serem silenciadas, por não terem a oportunidade e o respeito à escuta, que é tradicionalmente concedida aos homens dentro desses espaços, seja por serem atacadas pelo seu corpo, pela sua idade, pela sua aparência física. Coisas que jamais se vê associadas aos homens”, finalizou.

Mesmo com falhas, lideranças políticas comemoram promulgação

Lideranças femininas nos partidos comemoraram a promulgação da emenda. De ambos os polos políticos, dirigentes esperam que a conquista ajude a aumentar a representatividade de mulheres nos espaços de poder e garanta a sua participação efetiva nas eleições que se aproximam. A proposta apresentou medidas semelhantes a determinações dos Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018.

Assim, o que antes era uma determinação da Justiça Eleitoral, agora fica garantida na constituição. “Vivíamos o risco de ser retrocedida (a determinação), o que seria um desastre na democracia e na vida política de qualquer partido. Porque o partido que não consegue ter mulheres nas bancadas está fadado ao insucesso”, declarou Beth Colombo, secretária estadual do Republicanos Mulheres. “A garantia dos 30% (pela lei) é a certeza de que nós podemos ter mais avanços”, complementou.

O objetivo, agora, é continuar avançando na conquista por mais direitos. “A nossa luta é garantir a reserva de vagas até chegar à igualdade”, reforçou Vitalina Gonçalves, secretária estadual do Mulheres do PT-RS. Ela também celebrou a aprovação da PEC, principalmente em meio a um Congresso cuja predominância é masculina. 

Presidente do MDB Mulheres, a deputada estadual Patrícia Alba destacou a importância da garantia dos financiamentos para que as candidatas mulheres tenham verdadeiras chances e sejam reconhecidas. Segundo ela, em 2018, muitas candidatas encabeçaram chapas porque as suas candidaturas vinham com recursos e não pelas suas capacidades políticas. Contudo, como a medida agora está garantida na Constituição, a tendência é que mais mulheres se sintam estimuladas a participar e reivindicar seus espaços e direitos dentro dos partidos. “A Constituição é a nossa lei maior. A aprovação desse texto é uma garantia muito grande de valorização das mulheres”, comemorou a deputada.

Com a esperança de verem o número de mulheres ocupando espaços políticos dobrar, as lideranças já estão garantindo uma boa nominata para as eleições em outubro. O PT ainda está em tratativas para lançar uma mulher para majoritária. 

Entenda

  • Em 2018, o TSE determinou que os partidos deveriam reservar pelo menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para financiar candidaturas femininas. Além disso, o mesmo percentual deveria ser considerado em relação ao tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. 
  • Em outra ocasião, o STF determinou reserva de 30% do Fundo Partidário para campanhas de mulheres.
  • Em 2021, medidas semelhantes foram apresentadas em formato de PEC pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT). O projeto foi aprovado no Senado no mesmo ano. 
  • Em março deste ano, a emenda foi aprovada na Câmara dos Deputados. E, posteriomente, promulgada no Congresso.

*Supervisão de Mauren Xavier

 


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895