Prefeitas do RS: violência política de gênero não tem partido, idade ou localização

Prefeitas do RS: violência política de gênero não tem partido, idade ou localização

Pesquisa realizada com as gestoras municipais gaúchas identificou que a maioria já passou por situações de constrangimento

Mauren Xavier e Flávia Simões

A prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas, foi uma das gestoras que relatou alguns dos constrangimentos sofridos

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Márcia, Ana, Paula, Gisele. Esses são os nomes de algumas das prefeitas que comandam 38 dos 497 municípios que compõem o mapa do Rio Grande do Sul. O percentual, que não chega aos 8%, carrega um perfil com algumas semelhanças: todas são brancas, a maioria é casada, possui ensino superior, e já sofreu, em algum grau, situações de constrangimento por serem mulheres ocupando um espaço de poder majoritariamente masculino.

De diferentes partidos, cidades, idades, profissões e planos de governo distintos, 21 das 35 prefeitas que responderam à pesquisa do Correio do Povo (três não responderam) relataram já ter passado por alguma situação desagradável relacionada ao fato de serem mulheres. As histórias vão desde o sentimento incômodo de ser a única em reuniões até casos mais sérios, como xingamentos públicos – a exemplo de quando um vereador de Santana do Livramento foi à tribuna chamar a prefeita de “cabeça de azeitona” – e situações em que a prefeita teve que exonerar o seu vice porque ele não a respeitava.

"O fato de uma mulher não apontar isso declaradamente não quer, necessariamente, dizer que o machismo não a tenha prejudicado, não tenha atuado contra a presença dela. Só o fato de a gente ver quão poucas são as mulheres ou os argumentos que são utilizados contra elas nos debates ou nas propagandas dos adversários, quando normalmente se criticam aspectos como a moralidade, a beleza ou a sensibilidade, que nada têm a ver com o desempenho político dessas mulheres", ressalta Cibele Cheron, pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero e professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

A violência política de gênero é uma realidade constante e um dos limitadores para que a representação feminina, principalmente em cargos do Executivo, aumente. E apesar de recentemente contar com instrumentos legais para reprimir casos mais tangíveis, como leis mais punitivas, muitas vezes o dia a dia também pode ser desafiador.

Para execução da reportagem especial, onde foi coletado, ao longo do mês de março, o perfil dessas mulheres, as prefeitas foram questionadas se já se sentiram constrangidas em algum momento ou por algum comentário relacionado ao fato de serem mulheres. Essas foram algumas das respostas:

  •  “Quando estava na Câmara de Vereadores, concorri à presidência daquela Casa Legislativa e esse foi o único cargo em minha trajetória política que não exerci. A justificativa dada pelos vereadores homens, naquela época, foi a de que não poderiam me eleger presidente da Câmara por eu ser muito séria e correta. Foi o maior absurdo que ouvi em toda minha caminhada de vida pública." Márcia Rosane Tedesco de Oliveira (PTB) - Balneário Pinhal
  • "Infelizmente foi mais do que uma vez. Tanto quando desempenhava outras funções no caso de Conselheira Tutelar ou na condição de vereadora. Aliás, enfrentei no Legislativo uma resistência muito forte porque defendia causas que até então não faziam parte da pauta dos debates." Lucila Maggi (MDB) - Bom Jesus 
  • "Infelizmente sim. Inclusive nas eleições. Aquela coisa: ‘Ah, é uma mulher, não serve’. Ataques por parte do partido concorrente. Recebi sim, infelizmente sim. E é muito duro, muito difícil. É uma forma de minimizar o trabalho que tu fazes. Porque a mulher, além de ela tentar estar em um cargo político, que ainda é muito machista, ainda tem também a casa, a vida pessoal, os filhos e tu tens que conciliar tudo isso." Ana Paula Mendes Machado Del’Olmo (MDB) - Cacequi
  • "Não através da linguagem verbal, mas através de atitudes manifestadas através da linguagem não verbal. O silêncio também tem significado e isso já ocorreu diante de questionamentos." Jeanice de Freitas Fernandes (MDB) - Camargo
  • "Percebo que nós, mulheres, precisamos nos esforçar muito mais para ter o mesmo reconhecimento na liderança e estamos a todo o momento tendo que provar e demonstrar nossa capacidade de gestão e articulação." Paula Librelotto (MDB) - Cruz Alta
  • "Pelo fato de ser mulher não, mas pelo fato de sermos poucas sim. Em vários lugares, reuniões e participações eu era a única ou éramos em número ínfimo se comparado aos homens." Marcia Rossato (PP) - Fortaleza dos Valos 
  • "Eu enfrentei durante a campanha, sim. Tive que ouvir frases do tipo ‘o que uma mulher vai fazer dentro de uma prefeitura?’. Então já, com certeza, senti sim." Juliane Pesin (PP) - Liberato Salzano
  • "Já sofri preconceito por estar em cargos de chefia, mas principalmente por estar na política, espaço ainda majoritariamente masculino." Gisele Schneider (Republicanos) - Maratá
  • "Na primeira administração, eu senti das pessoas muita desconfiança, no sentido de dizerem ‘ela é uma professora’ ou ‘ela é uma professorinha, como é que ela vai dar conta de uma cidade?’. Quanto mais tu fazes, mais eles te nivelam mais no alto, porque sempre acham que ainda é pouco." Silvia Lesk (PP) - Minas do Leão
  • "Sim, há muitos preconceitos. [É preciso] superar a dúvida de uma mulher liderar com autonomia o município. O desafio cultural que sempre teve pelo ambiente político ser predominante masculino. E o mais importante: ter nossa capacidade testada a todo o momento quando se tem o poder de decisão." Adriane Perin de Oliveira (PP), Nonoai
  • “Sim, como nosso município é considerado interior, ainda vemos muito machismo. Por exemplo, (na hora) de mandar projeto para a Câmara de Vereadores. Os projetos que eu faço tenho que explicar ao ponto de ouvir das pessoas falarem “mas quem é você pra entender de terra ou de agricultura?” Márcia Rodrigues Presotto (PTB), Novo Barreiro
  • “A sociedade ainda tem machismo. Um olhar crítico. Em 2016, ouvi de um candidato piadinhas como a ‘loirinha da praça’, ao falar sobre o local onde morava.” Paula Mascarenhas (PSDB), Pelotas
  • “No início da minha caminhada eu me senti de certa forma isolada, em função de poucas mulheres fazerem parte dos grupos políticos da época.” Vânia Brackmann (PDT), Poço Das Antas
  • “Eu diria que sim, acredito que no meu caso tenho muitos exemplos. Penso que no caso do próprio episódio, que foi protagonizado por um vereador da cidade, em que ele fala do caroço de azeitona, eu diria que é um dos exemplos que me constrangeu dentre outros tantos. E sobretudo, talvez o que mais constrange é, para além do fato em si, perpetrado por agentes públicos que deveriam ser exemplo, o silêncio eloquente de muitas das mulheres. Na medida em que a gente fala da ideia de sonoridade na prática, ela ainda está muito longe do ideal.” Ana Luiza Moura Tarouco (PL) - Santana do Livramento
  • "Todos os dias passamos por provações, principalmente com homens machistas." Lilian Fontoura Depiere (União Brasil) - Santo Augusto
  • “Sim, ainda sofremos um pouco em relação à credibilidade e ao respeito. Ainda somos tachadas como sexo frágil.” Ester Elisa Dill Koch (PL) - São José Do Hortêncio
  • “Constrangida não, mas espantada com algumas manifestações.” Fabiany Zogbi Roig (União Brasil) - São José do Norte 
  • “Por sermos ainda em número pequeno, a população entende que a mulher não tem força na tomada de decisões. Acha que a voz feminina não tem o poder de liderança de boas equipes de trabalho. Inclusive, nos partidos políticos, muitos ainda entendem que a mulher serve somente para preencher as vagas do percentual exigido por lei.” Juliane Maria Bender (PSD) - São José do Sul
  • “Sim, muito. Eu já passei algumas. No meu primeiro mandato o meu vice não aceitava ser mandato. Tanto é que com sete ou oito meses eu exonerei ele.” Isabel Corete Joner Cornelius (MDB) - São Pedro da Serra
  • "Já enfrentei situações como manipulação de imagens ou notícias falsas, onde eu não estava sendo julgada pelo meu desempenho como prefeita, mas pela aparência e também pelo simples fato de ser uma mulher ocupando uma posição de poder, quando claramente um homem neste lugar não seria atacado. Quando a oposição política é feita dessa forma, ela não tem um fundamento verdadeiro, pois ela é meramente usada com o intuito de atacar e ofender. Posições como essa, quando são externadas, só fazem com que mulheres se afastem cada vez mais da política, pois isso quer mostrar para as pessoas que o lugar delas não é ali." Carina Patrícia Nath Corrêa (PP) - Sapiranga
  • “Na política, os adversários tentam nos constranger e dizer que não somos capazes. Que por sermos mulheres não temos condições.” Sandra Marisa Roesch Backes (União Brasil) - Sinimbu
  • “A gente tem que estar sempre provando a nossa capacidade, que o sexo não importa (...). Parece que a gente tem que estar sempre provando algo a mais do que se fosse o homem. Antes eu não tinha essa sensação, agora tenho. Passados três anos de gestão, a gente aprende algumas coisas. Uma delas é essa: você tem que estar sempre condicionada, firme, se não as pessoas acham que você está de brincadeira.” Marilda Borges Corbelini (MDB) - Soledade
  • “O ambiente político é composto majoritariamente por homens. Nós, mulheres, infelizmente ainda estamos buscando espaço, e isto é um processo lento, mas progressivo. Em alguns momentos, necessitei elevar o tom de voz para ser ouvida, impor minhas opiniões para ser respeitada. Isso se deve ao fato de vivermos em uma sociedade estruturalmente machista, onde a voz da mulher, por muito tempo, não era legitimada. Vivemos uma ‘queda de braço’ diária contra preconceitos e julgamentos pelo nosso gênero. É desgastante, mas não há outra forma neste momento. Muita coisa mudou, mas muita coisa ainda precisa ser mudada.” Sirlei Teresinha Bernardes Da Silveira (PSB) - Taquara

 


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