Boas práticas que favorecem a produção

Boas práticas que favorecem a produção

Tecnologias aplicadas pelas fazendas, como o tratamento de resíduos, trazem economia a produtores e ampliam a capacidade do agronegócio de reduzir emissões de gases de efeito estufa e tornar-se cada vez mais sustentável

Patrícia Feiten

Jean Carlos Trevisan, proprietário da Granja Trevisan, que utiliza a tecnologia de biodigestores

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Se, para muitos pecuaristas, o esterco produzido pelos bovinos representa um dilema, para algumas propriedades leiteiras do Estado é sinônimo de eficiência ambiental e renda extra. Nessas fazendas, um processo chamado biodigestão transforma os dejetos em energia elétrica e térmica e ainda garante biofertilizante para a lavoura. Em atividade há duas décadas no município de Farroupilha, a Fazenda Trevisan é referência em reaproveitamento de resíduos da criação animal. Focada na raça Holandesa, a propriedade de 150 hectares reúne cerca de 750 animais, entre os quais 320 vacas em lactação, e produz 13 mil litros de leite por dia. A maior parte é processada na agroindústria de iogurtes e creme de leite que leva seu nome, e o excedente – em torno de 8 mil litros semanais – é destinado a outro laticínio da região.

O produtor Jean Carlos Trevisan (foto), que administra o empreendimento rural com a família, conta que os primeiros biodigestores foram construídos há cerca de 13 anos. Hoje, três equipamentos do tipo geram 25% da energia elétrica energia consumida na fazenda e na sua indústria de lácteos, além de produzir fertilizante para as plantações de trigo, milho e aveia que fornecem a matéria-prima usada na alimentação do rebanho. “No início, a gente tinha criação a pasto. Com a chegada do inverno, muito rigoroso, os animais ficavam no meio do barro, a gente optou por construir um galpão e confinar. Depois, fez uma sala de ordenha nova, ampliou o número de animais e também o sistema de biodigestores, para comportar o crescimento”, detalha Jean.

Com a meta de duplicar a produção de leite e de derivados nos próximos três anos, a propriedade já planeja a aquisição de um quarto biodigestor, segundo o pecuarista. A quem deseja investir em um projeto semelhante, ele recomenda a opção por equipamentos que operem de forma autônoma e não exijam mão de obra especializada. “Não é algo tão complexo gerar biogás. Mas, para gerar energia elétrica, acaba tendo (a necessidade de) mais compressores, secadores de gás, gerador, vários equipamentos”, justifica. O investimento, garante Jean, é compensador no longo prazo. “O que é bonito de a gente olhar são os números, a parte que dá retorno de forma direta. A parte ambiental é difícil de monetizar, mas acaba sendo algo bem significativo”, avalia.

O manejo de resíduos da produção animal que dá visibilidade à propriedade de Farroupilha está entre as oito tecnologias propostas no Plano ABC+, programa do governo federal lançado em 2021 que visa estimular a chamada agropecuária de baixo carbono. Para reduzir as emissões de gases do efeito estufa do setor em 1,1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2eq) até 2030, a iniciativa prevê a adoção de abordagens sustentáveis em 72,68 milhões de hectares no Brasil – no Rio Grande do Sul, serão mitigadas 75 milhões de toneladas de CO2eq em 4,6 milhões de hectares no período.

Embora não sejam novidades, essas técnicas ganham relevância ainda maior ao final de um ano marcado por impactos das mudanças climáticas que, nas últimas décadas, foram antecipados em tom de profecia alarmante pelos cientistas. De norte a sul do país, as enchentes dramáticas no Rio Grande do Sul, a estiagem recorde na Amazônia e a onda de calor que em novembro fez a sensação térmica na cidade do Rio de Janeiro subir a 59,3 graus °C geraram o temor de que os fenômenos extremos se tornem o “novo normal”, evidenciando a urgência urgentíssima de uma reconfiguração das atividades humanas. A agropecuária é peça fundamental nesse contexto, pois carrega parte do peso das emissões com processos como a liberação de metano e resíduos pelos animais e o uso da terra.

Coordenador do Comitê Gestor Estadual do Plano ABC+RS, o engenheiro florestal Jackson Brilhante, da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), diz que o setor agropecuário tem um vasto potencial para a captura de gases causadores do aquecimento global e mitigação das emissões. Ele lembra que o Rio Grande do Sul foi pioneiro em ações de conservação do solo, como o sistema de plantio direto, outro dos pilares do programa federal. “Tivemos problemas com estiagem na safra de verão e, no inverno, o excesso de chuva na cultura do trigo, com várias doenças atacando (as plantas). Então, é de interesse da agricultura auxiliar nessa redução de emissões, porque o setor é também altamente vulnerável às mudanças climáticas”, destaca Brilhante.

O coordenador da Comissão do Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Domingos Velho Lopes, observa que o tema esteve no centro dos debates da COP 28, a cúpula do clima da Organização das Nações Unidas realizada no mês passado em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e concorda que as técnicas precisam avançar mais. Para Lopes, o momento atual sinaliza uma “grande oportunidade” ao agronegócio. “De todas as atividades econômicas, só o setor primário pode sequestrar carbono”, afirma.

As boas práticas, segundo Lopes, já estão no dia a dia do produtor rural, independentemente da cadeia produtiva a que está vinculado ou do seu porte. “Só que agora nós temos metodologia para quantificar isso. Temos de mostrar, principalmente para a população urbana, que nós somos a grande fonte mitigadora”, enfatiza.

Integração com a floresta para amenizar emissões

Pecuarista de Augusto Pestana começou a adotar sistema silvipastoril há quatro anos, quando introduziu eucalipto em área de 18 hectares destinada à produção de leite , beneficiando os animais e mitigando os gases de efeito estufa

Ederson Gehrcke, produtor rural com sistema de integração pecuária-floresta em Augusto Pestana. | Foto: Crédito:Nubia kananda Gehrcke

Uma das modalidades da chamada integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), os sistemas silvipastoris partem do princípio de que combinar árvores com áreas de pastagem se traduz em mais renda para as propriedades leiteiras. Os animais têm sombra no verão, ficam protegidos do vento no inverno e produzem mais. O meio ambiente também sai ganhando, pois as florestas fixam o dióxido de carbono, um dos vilões do efeito estufa, compensando ou neutralizando as emissões de metano liberadas pelo gado. O pecuarista Ederson Gehrcke, de Augusto Pestana, começou a implantar a técnica há quatro anos, com a introdução do eucalipto na área de 18 hectares destinada à produção de leite na fazenda.

Foi a estratégia encontrada pela família para fazer frente aos custos crescentes da atividade.
“Ou a gente investia em um galpão de gado confinado ou abandonaria a profissão, porque não estava mais tendo lucro na propriedade”, relata Gehrcke. A fazenda, que abriga um rebanho de 85 bovinos da raça Jersey, entre os quais 42 vacas em lactação, produz 860 litros de leite por dia. No modelo agroflorestal, os animais, antes criados à base de silagem, hoje são alimentados com capim tifton e consomem menos concentrados. “Tínhamos uma produção média de 21 litros por dia por animal e as vacas estão produzindo a mesma coisa com o pasto, porém com um custo muito mais baixo. A gente vem notando uma diferença enorme na qualidade de saúde dos animais”, diz o produtor.

Para o futuro, Gehrcke planeja diversificar a renda do empreendimento rural com a instalação de uma queijaria na propriedade, além da produção de madeira e toras a partir da floresta plantada, hoje com mais de 1,8 mil árvores. Os bons resultados trazidos pelo sistema silvipastoril, afirma, também são um incentivo para que as filhas Jaine Isabel Gehrcke, de 18 anos, e Nubia Kananda, 15 anos, permaneçam no campo. “Nossa mão de obra é muito menor, a gente consegue uma vida melhor para a nossa família”, afirma o pecuarista.

Nos últimos seis anos, o Rio Grande do Sul ampliou em 57% a área coberta por técnicas de ILPF, atingindo 2,2 milhões de hectares, de acordo com dados da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi-RS). O número posiciona o Estado como o terceiro do país em áreas manejadas sob esses sistemas. “Mas somos o primeiro em proporção da área, porque o RS tem 31% das áreas com agricultura em sistemas integrados”, observa o zootecnista e professor Paulo César de Faccio Carvalho, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Esse protagonismo, segundo Carvalho, está fortemente ligado à variedade de cultivos de verão e inverno desenvolvidos na região, o que possibilita uma ampla gama de combinações de integração, e às ações de pesquisa e difusão de conhecimento sobre o tema.

Entre essas iniciativas decisivas, Carvalho destaca o programa Juntos para Competir, conduzido pela Federação da Agricultura do Estado (Farsul), pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-RS) com o apoio da UFRGS. A parceria aplica no Rio Grande do Sul o Programa de Produção Integrada em Sistemas Agropecuários (PISA), voltado à pecuária leiteira, e o Integração Lavoura-Pecuária (ILP), focado na bovinocultura de corte.

Desde 2014, foram avaliadas 1,4 mil propriedades rurais participantes do projeto, após receberem consultoria técnica do programa de extensão da universidade ao longo de quatro anos. “E 95% delas, depois desse processo, estão entre os níveis bom e ótimo de sustentabilidade em todas as dimensões”, afirma Carvalho.

Para o professor, o programa ajuda a derrubar uma das grandes barreiras à implantação dos sistemas de integração, que é a falta de suporte adequado aos produtores. “A trajetória agrícola, não só no Brasil, como também no mundo todo, é de especialização. O técnico entende de arroz – ou soja – ou gado, mas não entende dos dois. (O sistema de integração) é mais complexo para montar, demanda muito conhecimento, e técnicos que transitem bem nas duas partes, que têm essa visão sistêmica, são raros”, observa.

Rumo à sustentabilidade

As tecnologias de baixo carbono do Plano ABC+ e as metas do programa no Rio Grande do Sul:

Sistemas de plantio direto
O Rio Grande do Sul é uma das regiões produtoras de soja mais importantes do Brasil, com 6,6 milhões de hectares cultivados com a oleaginosa na safra 2022/2023. O Plano ABC+RS pretende expandir em 600 mil hectares a área com sistemas de plantio direto até 2030.

Bioinsumos
A fixação biológica de nitrogênio (FBN) é uma tecnologia em que bactérias capturam o nitrogênio atmosférico e o disponibilizam para as plantas. No Rio Grande do Sul, a área coberta por essa prática atinge em torno de 4 milhões de hectares, destinados principalmente à cultura da soja. A meta do Plano ABC+RS é levar a técnica a mais um milhão de hectares até 2030.

Integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF)
Nos últimos seis anos, o Estado aumentou em 57% as áreas com sistemas de integração, atingindo 2,2 milhões de hectares de culturas. O plano ABC+RS visa ampliar a área sob manejo integrado em um milhão de hectares até 2030.

Recuperação de pastagens degradadas
Essas práticas aumentam o estoque de carbono, permitem maior infiltração e armazenamento de água no solo e reduzem a erosão, além de melhorar a capacidade de adaptação a secas prolongadas. No Rio Grande do Sul, concentram-se no Bioma Pampa, que abrange dois terços do território gaúcho. Até 2030, o plano ABC+RS busca aumentar em 1,43 milhão de hectares a área de adoção dessas técnicas.

Florestas plantadas
Essa tecnologia apresenta alto potencial de sequestro de carbono, pois fixa carbono na biomassa acima do solo e também o armazena nas raízes e no solo. No Rio Grande do Sul, a área florestal abrange 966 mil hectares, sendo 65% representados por plantações de eucalipto. A meta do plano ABC+RS é agregar mais 322 mil hectares com plantio florestal até 2030.

Sistemas irrigados
São sistemas que reduzem a vulnerabilidade da produção agrícola em períodos de estiagem e o risco de perda de safras. No Rio Grande do Sul, a área irrigada soma 310 mil hectares. Até 2030, o Plano ABC+RS busca expandi-la em 216 mil hectares.

Manejo de resíduos da produção animal
Consiste no tratamento de todos os tipos de resíduos da produção animal – como dejetos líquidos, fezes, urina, restos de alimentos, carcaças de animais mortos não abatidos e resíduos fisiológicos – e na estabilização de seus efluentes. O plano ABC+RS prevê, para essa tecnologia, o manejo de mais 11 milhões de metros cúbicos de dejetos animais até 2030.

Terminação intensiva
Consiste na intensificação do manejo alimentar na fase final de produção de bovinos destinados ao abate, principalmente com a adoção de regimes de confinamento, semiconfinamento e suplementação a pasto. Além de encurtar o ciclo de produção, permitindo o abate de animais mais jovens, a técnica reduz as emissões de metano durante a fermentação no rúmen. O plano ABC+RS visa ampliar em 200 mil bovinos o rebanho em terminação intensiva até 2030.

Fonte: Jackson Freitas Brilhante (Seapi)

Bioinsumos, aliados da saúde na agricultura

Elias Abel Barboza, de Não-Me-Toque, é um entusiasta do uso dos compostos produzidos à base de microrganismos vivos, como bactérias, fungos e insetos, utilizando esses recursos há mais de uma década na propriedade onde cultiva grãos

Elias Abel Barboza, produtor de Não-Me-Toque que utiliza bioinsumos. | Foto: Elias Abel Barboza/Arquivo Pessoal

Os bioinsumos estão cada vez mais presentes nas lavouras gaúchas, seja como alternativas no manejo de pragas ou estratégia de nutrição para as plantas, em substituição ou complementação aos defensivos e adubos químicos. Fazem parte desse arsenal amigável à natureza os chamados bioativadores, bioinoculadores e biofertilizantes, compostos produzidos à base de microrganismos vivos, como bactérias, fungos e insetos.
Apesar de não ser nova, a técnica está em ascensão desde a invasão da Ucrânia pela Rússia no início do ano passado, quando o Brasil, que importava do país euroasiático 80% dos fertilizantes usados na agricultura, sofreu com a disparada dos preços desses produtos. Em setembro passado, o mercado ganhou novo impulso, com a aprovação, em primeiro turno na Comissão do Meio Ambiente do Senado, do projeto que regulamenta a produção, a importação, o registro, a comercialização, o uso, a inspeção e fiscalização, a pesquisa e experimentação e os incentivos à produção de bioinsumos na agricultura.
O agricultor Elias Abel Barboza, de Não-Me-Toque, é um entusiasta dessa tecnologia, que adota em sua propriedade há cerca de uma década. “A gente observou que as cultivares mais produtivas tinham, no final do ciclo, uma quebra grande em função de fungos, então busco esses ativos para proporcionar um solo mais equilibrado, entregando uma planta mais resistente também”, diz o produtor. Após testar bioativadores e inoculadores para fixação biológica de nitrogênio em todos os cultivos da fazenda, Barboza percebeu plantas mais vistosas e tolerantes a estresses climáticos, como as estiagens que assolaram o Rio Grande do Sul nas duas últimas safras de verão.
Ao longo dos anos, o resultado positivo se refletiu nas sucessivas colheitas. Nas áreas de milho, o produtor diz ter colhido até cinco sacas a mais na comparação com os talhões cultivados com os insumos tradicionais. Na lavoura de soja, a produtividade chegou a ter um salto de 15 sacas. “No ano passado e no ano anterior, a gente ainda colheu uma média acima de 40 sacas por hectare. Essas médias cobriram o custo de produção e ainda tivemos uma margem de lucro. Em um ano normal, colhemos nas áreas de soja uma média de 86 sacas de soja por hectare, um recorde”, afirma Barboza.
Atualmente, Barboza testa também fertilizantes organominerais, que combinam materiais orgânicos com adubos minerais. Os primeiros resultados foram promissores. “Ele produziu o equivalente ao fertilizante químico, porém a gente observou plantas um pouco mais equilibradas nessas áreas”, compara. De olho no futuro sustentável da lavoura, o agricultor pretende intensificar o uso dos bioinsumos. “Não gosto muito de dizer que os bioinsumos vão reduzir o custo de produção. Eles reduzem o risco, porque a gente semeia tendo uma certeza de que aquela área vai produzir mais do que uma área que não tem bioinsumos”, diz.
No Brasil, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é pioneira na pesquisa e desenvolvimento de bioinsumos. Para a pesquisadora Mariangela Hungria da Cunha, lotada na Embrapa Soja, a adoção de inoculantes produzidos com base no processo de fixação biológica de nitrogênio (FBN) é um retrato do “Brasil que deu certo”, tanto do ponto de vista econômico quanto do ambiental. Hoje, 85% de todas as áreas cultivadas com soja recebem esses produtos. “Para esta última safra, se tivesse de usar fertilizante nitrogenado na soja, a gente teria gasto 25 bilhões de dólares. Tão importante quanto esse gasto que não se teve é que a gente deixou de emitir 240 milhões de toneladas de CO2 equivalente”, exemplifica Mariangela. Isso porque os adubos à base de nitrogênio são mais poluentes – a cada cem quilos aplicados no solo, uma tonelada de gases causadores do efeito estufa é emitida na atmosfera.
Lançado pelo governo federal no ano passado, o Plano Nacional de Fertilizantes busca reduzir de 50% a 55% a dependência de insumos importados no Brasil. Para atingir essa meta, segundo Mariangela, é preciso ampliar o número de fabricantes e desenvolver formulações mais eficientes, já que as plantas têm um aproveitamento muito baixo de fertilizantes nitrogenados, de no máximo 50%. Hoje, de acordo com a Embrapa, há 171 indústrias de produtos biológicos no Brasil, mas a maioria está concentrada nas regiões Sudeste e Sul. “O número de registros de produtos é mais de 500 hoje, mas não dá para falar em diversidade. Mas o número de indústrias que se estabeleceram teve aumento de 170% nos últimos três anos. Duas, três vezes por semana, eu recebo consulta de interessados em abrir uma fábrica para produzir bioinsumos”, afirma a pesquisadora.
Outro desafio é possibilitar o acesso dos pequenos produtores a essas tecnologias. “Quem compra bioinsumo é o grande agricultor, por mais que a gente cobre das indústrias embalagens pequenas. Não existe hoje uma dose (de inoculante) para o cara que tem 50 hectares”, afirma Mariangela.

Produção de cítricos garantida com sistemas de irrigação e energia solar

Citrus Viegas , propriedade rural de Pareci Novo que investe em sistemas de irrigação. | Foto: Gustavo Viegas / Arquivo Pessoal

Líderes na produção de frutas cítricas no Rio Grande do Sul, os municípios do Vale do Caí travaram nos últimos anos uma árdua batalha contra o clima. As estiagens sucessivas que esturricaram lavouras de grãos e fizeram os rebanhos leiteiros definharem em todo o Estado também atingiram os pomares de laranja e bergamota da região. Há quatro décadas atuando na citricultura, a propriedade da família Viegas, em Pareci Novo, conseguiu escapar desses prejuízos com a implantação de estruturas de irrigação. Com 17 hectares, o empreendimento rural produz a cada safra em torno de 18 toneladas de citros, como as variedades de bergamota montenegrina, pareci, ponkan e morgote, especialidades que, após a colheita, são comercializadas na Ceasa.
Para blindar as plantações contra o tempo inclemente, o produtor Fabiano Gustavo Viegas conta que, em 2019, tomou emprestado o equipamento de um agricultor vizinho. No ano seguinte, por meio de financiamento do Pronaf, adquiriu um sistema de irrigação por aspersão, que cobre 60% da área de cultivo. Também investiu, com recursos próprios e apoio da prefeitura do município, em açudagem para captação de água, além de técnicas de manejo que melhoram a absorção de nutrientes pelo solo, como o cultivo de plantas de cobertura – nabo-forrageiro e azevém – no inverno. “Isso fica no solo como uma proteção, aumenta a palhada. Quando chove, não tem tanta erosão”, explica Fabiano.
Na segunda etapa do projeto, a propriedade implantou no restante dos pomares a tecnologia de microaspersão, modelo mais econômico dotado de emissores que lançam jatos finos e minimizam a perda de água por evaporação. Para isso, contou com subsídios do Supera Estiagem, programa do governo gaúcho de apoio a projetos de irrigação e distribuição de água. “Sem isso, em 2019 eu teria perdido 80% da produção e, nos outros anos, de 40% a 50% no faturamento”, estima Fabiano, com base em prejuízos sofridos por outros produtores da região.
Terceira geração no comando da propriedade, ele também aposta em energia solar para abastecer os equipamentos de irrigação e a câmara fria responsável pela conservação das frutas. No ano passado, com um investimento de R$ 60 mil, instalou 28 painéis fotovoltaicos, com capacidade para geração de 13.000 quilowatts (kW) por ano. O planejamento, explica, levou em conta um gasto de energia 30% superior ao consumo atual da propriedade, para possibilitar melhorias futuras. A conta de luz mensal, segundo o proprietário, despencou de uma média de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil para R$ 100. “Então, esse plano de botar as placas é pensando mais para a frente, para ficar mais sustentável e usar irrigação com custo menor”, diz Fabiano.

Biodigestão anaeróbia de dejetos de animais

Dedicada à pecuária leiteira, Fazenda Santa Lucia, em Tapera, instalou dois biodigestores, que produzem biogás e fertilizante para as lavouras da propriedade, além de gerar cerca de 300 mil quilowatts-hora de energia por mês

Augusto Precht Grave, produtor rural e de biogás de Tapera, com os sócios Letícia Borghetti Kuhn, Volmar Helmut Kuhn e Marilei Borghetti Kuhn | Foto: Andressa Luft/Divulgação/CP

Com um rebanho de 250 animais da raça Holandesa criados em sistema de confinamento, sendo 120 vacas em lactação, a Fazenda Santa Lucia é uma propriedade de 10 hectares situada no município de Tapera, no norte do Estado. Na área de ordenha, dois robôs funcionam 24 horas, em um sistema no qual as vacas escolhem o melhor momento para aliviar o úbere. O desempenho diário dos bovinos totaliza de 4,5 mil a 5 mil litros de leite, o que resulta em cerca de 10 metros cúbicos diários de dejetos.
Para dar uma destinação apropriada a esses resíduos, o produtor Augusto Precht Grave iniciou, em julho de 2020, um projeto de reaproveitamento via biodigestão anaeróbia. A fazenda instalou dois biodigestores do tipo CSTR – um modelo de reator com tanque de agitação contínua –, que produzem biogás e abastecem dois geradores. “Geramos aproximadamente 300.000 quilowatts-hora (kWh) por mês, que são injetados na rede e negociados com uma cooperativa de energia”, diz Grave, que é engenheiro químico.
O material líquido resultante da biodigestão vai para um reservatório e é transformado em fertilizante para aplicação nas lavouras de soja, milho, trigo e pastagens de tifton da propriedade, por meio de um sistema de fertirrigação, técnica que leva nutrientes ao solo através da água de irrigação. “Assim, podemos reduzir em até 60% a adubação química. Fechamos uma economia circular dentro da fazenda, reduzindo as emissões de metano e a dependência de adubo químico”, afirma Grave.
Satisfeito com os resultados, o produtor criou a empresa SL Resíduos e Energia e expandiu o negócio, passando a prestar serviços de tratamento de resíduos a indústrias da região, como frigoríficos e laticínios. “Oferecemos um serviço de qualidade e baixo custo, ambientalmente correto. Com isso, as empresas reduzem sua pegada de carbono e se alinham com a proteção e a sustentabilidade do planeta”, destaca.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895