Cultura da soja exige olho no solo e na gestão

Cultura da soja exige olho no solo e na gestão

Encontro do ciclo de debates do Correio do Povo Rural apontou caminhos para evitar danos quando houver estiagem

Henrique Massaro

Debatedores observaram que custos subiram e há necessidade de medidas estruturantes, que pensem a médio e longo prazo, além de contas organizadas

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Diversas incertezas pairam sobre a comercialização da soja, que começa a ser colhida neste mês de março. Além de a produção ter sido bastante afetada pela estiagem que se abate sobre o Estado e que, por si só, já representa um desafio maior do que em anos anteriores, outros fatores criam um ambiente instável. Há as oscilações dos preços na Bolsa e as dúvidas sobre o que acontecerá com a demanda da China após o acordo comercial com os Estados Unidos. As cotações mais recentes sugerem que seria o momento de vender e travar o preço, mas o que acontecerá em seguida? Em um cenário de tantas dúvidas, como deve agir o produtor de soja nos próximos anos? Essas foram algumas da questões levantadas no último encontro do ciclo de debates Correio do Povo Rural na Expodireto deste ano, realizado na Casa do Correio do Povo/Grupo Record RS.

O presidente da Fecoagro, Paulo Pires, lembrou que já ocorreram diversas estiagens que também afetaram as produções. A diferença, de acordo com ele, era que o custo era mais baixo, equivalente a cerca de 20 sacas de soja – a metade do que é hoje. “Se tivermos estiagem muito séria, esse passivo é muito alto para o produtor recuperar em outra safra, essa é a grande preocupação do momento”, explicou. Acompanhando tendências de algumas pesquisas e trabalhos que vêm sendo desenvolvidos, Pires disse que é necessário começar a olhar menos para a superfície da planta e mais para o solo, onde se dá a falta ou até o excesso de água. “É através de uma ação orgânica de descompactação, com um sistema radicular de gramínea de verão, que vamos melhorar nosso solo para resistir às estiagens”, avaliou.

O solo, na opinião do gerente de pesquisa da CCGL, Geomar Corassa, também é o principal desafio para os produtores estarem mais preparados. “É o fator que define produtividade, então temos que começar a olhar da superfície para baixo, investir em raiz, começar a melhorar a qualidade”, explicou. De acordo com ele, as lavouras de soja, apesar de terem uma aparência satisfatória, se mostram danificadas no momento da avaliação e contagem de grãos, o que pode resultar em prejuízos maiores do que se estima. O pesquisador disse que o fato serve, inclusive, como reflexão para os próximos anos, já que novas estiagens vão acontecer. “O solo é a poupança do produtor e vai nos dar subsídio para que em anos assim consigamos manter produtividades satisfatórias mesmo com restrições hídricas.”

O presidente da Emater/RS, Geraldo Sandri, comentou que este é um momento delicado e deve-se estar próximo dos produtores e entidades representativas para ouvir suas reivindicações. Na sua avaliação, é necessário se falar em medidas estruturantes, pensadas a médio e longo prazos. A discussão sobre o solo, segundo ele, é uma delas, assim como o investimento em irrigação com juros mais acessíveis. Há, ainda, a questão econômica e financeira da propriedade, que precisa ser considerada e que passa por dosar os investimentos. “É importante os produtores estarem cientes disso para terem suas contas organizadas, de tal forma que no momento da estiagem tenham uma previsão e se encontrem alavancados.”

Na mesma linha, Leomar Tombini, presidente do Sindicato Rural de Carazinho, também ressaltou a importância da gestão. De acordo com ele, muitas vezes os produtores buscam tecnologia e produtividade muito acima da média, o que consequentemente aumenta os custos. Porém, por vezes as condições não compensam esses investimentos e não é possível honrar os compromissos. “A maioria dos agricultores não tem boa gestão e está tentando buscar alta tecnologia, e as coisas não se encontraram na questão financeira”, comentou.

Produtor há mais de 50 anos, o vice-presidente da Aprosoja, Ireneu Orth, chamou a atenção para a necessidade de se manter o crédito para as famílias. Ele ainda ressaltou que o agricultor sabe que está sujeito a fenômenos como a estiagem e a outras incertezas, mas o que tem um pouco mais de condições financeiras, como financiamento com seguro, acaba conseguindo minimizar os impactos. “O grande problema é para quem fez (a lavoura) com recurso próprio, vendeu soja para entregar e não vai colher ou tem arrendamento de terra pagando 15, 20 sacas por hectare e vai colher metade do que previa”, observou.

 


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