Guerra e insumos no radar do produtor rural

Guerra e insumos no radar do produtor rural

Ciclo de debates Correio do Povo Rural chegou ao fim ontem, na Expodireto, com discussão sobre o cenário econômico

Danton Júnior

Participantes abordaram temas como impacto da estiagem na oferta mundial de soja, custos de produção, mercado de fertilizantes e consequências da guerra

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A severa estiagem que castigou o Rio Grande do Sul durante o verão deverá contribuir para a redução do Produto Interno Bruto do Estado em 2022. De acordo com levantamento da Farsul, o PIB gaúcho pode sofrer uma queda de 8% neste ano. O déficit hídrico comprometeu as produções de soja e milho, principalmente, num momento em que o agricultor se depara com altos custos de produção, o que é agravado pela oferta restrita de alguns dos principais insumos utilizados na lavoura. Em meio a todo esse cenário, o mundo assiste a uma guerra entre dois países (Rússia e Ûcrânia) que já balança os alicerces da produção global de alimentos.

O cenário econômico para a agropecuária foi o tema da última edição do ciclo de debates Correio do Povo Rural da Expodireto deste ano, que foi ao ar ontem pelas redes sociais do jornal. A iniciativa tem o patrocínio do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/RS) e do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/RS). 

"O governo federal tinha que alcançar financiamento o quanto antes para o produtor se preparar", disse Paulo Pires, Presidente da FecoAgro/RS. Foto: Guilherme Almeida

O economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz, ressaltou que a perda na produção de soja que ocorre na região Sul do país impacta a oferta mundial da oleaginosa, uma vez que o Brasil é o maior produtor do grão no mundo. “É uma perda do Brasil, é uma perda do mundo, e não tem como não se refletir nos preços”, observou o economista. Além disso, o cenário é agravado por uma guerra, que traz uma perspectiva de preços elevados de commodities. Porém, segundo da Luz, é preciso que o produtor tenha o pé no chão. “O negócio não vive de faturamento, vive de margem, e margem é faturamento menos o custo”, explicou. De acordo com ele, os preços dos grãos estão em momento de elevação e provavelmente continuarão a subir. No entanto, o mesmo deve ocorrer com os custos. 

“Temos que ter racionalidade, porque os custos de produção estão em níveis nunca antes vistos”, recomendou. O índice de inflação de custo, medido desde janeiro de 2010, acumulou alta de 53% no ano passado. O economista também disse não acreditar em um aumento de demanda interna por alimentos, tendo em vista que a previsão para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país neste ano é de menos de 0,5%. “Se a economia não cresce, infelizmente as pessoas não comem mais e melhor”, resumiu.

"Estamos vivendo um momento de dificuldade de disponibilidade de fertilizantes", lembrou Marcelo Schwalbert, Sup. adm. financeiro da Cotrijal. Foto: Guilherme Almeida

Após a frustração com a safra de verão, o produtor tem a chance de obter alguma rentabilidade no inverno. O superintendente administrativo-financeiro da Cotrijal, Marcelo Schwalbert, afirmou que um dos próximos desafios do produtor rural está relacionado ao custo de produção para a plantação do trigo. A recomendação é fazer uma safra “racional”, sem que o custo por hectare chegue próximo a 50 sacas, como já ocorreu no passado. “Isso já remete a entender que existe uma diminuição de investimento em tecnologia. Por outro lado, há uma perspectiva de aumento de área plantada por conta do preço e da liquidez”, destacou. 

Schwalbert observou que o preço dos fertilizantes já vinha num movimento de alta durante a pandemia, em razão de dificuldades logísticas. Com a guerra entre Rússia e Ucrânia, esse preço subiu ainda mais, já que os russos são grandes produtores do insumo. “Estamos vivendo um momento de dificuldade de disponibilidade de fertilizantes e o que tem disponível está com um preço estratosférico”, ressaltou o dirigente. 

"Os preços estão se elevando e provavelmente vão se elevar mais? Sim. Os custos também", ressaltou Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul. Foto: Guilherme Almeida

Um dos principais acontecimentos no segmento cooperativista nos últimos anos foi a incorporação da Coagrisol, de Soledade, pela Cotrijal. O negócio foi consolidado no último dia 28 de fevereiro. Os debatedores concordaram que a incorporação é uma tendência cada vez maior entre as cooperativas. Para Schwalbert, a incorporação da Coagrisol foi o start. “Criou-se um ambiente onde outros vão se encorajar em discutir isso e fazer essas incorporações”, resumiu, destacando que esse tipo de negócio é comum no Paraná, onde estão algumas das maiores cooperativas do país. 

Entusiasta da produção de trigo, o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (FecoAgro/RS), Paulo Pires, lembrou que o conflito no Leste Europeu envolve o maior e o terceiro maior produtores de trigo do mundo. A Ucrânia também é o quarto maior produtor de milho do planeta. Por conta disso, a cultura de inverno encontra-se em meio a um mercado “muito nervoso”, segundo o dirigente. Porém a alta nos preços também é considerada volátil. “De uma hora para outra, ela pode representar grandes perdas”, afirmou. Segundo Pires, o produtor do Rio Grande do Sul deve ficar atento e preparar uma lavoura “racional”. “O governo federal tinha que nos alcançar financiamento o quanto antes para esse produtor se preparar”, finalizou o dirigente. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895