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Especial

Maria-mole: conheça a planta tóxica que mata milhares de bovinos por ano no RS

Estudo mostrou que Eldorado do Sul, cidade gaúcha, vive infestação da planta tóxica

| Foto: Divulgação Seapi / CP

O pesquisador Fernando Castilhos Karam começou a estudar alternativas da planta maria-mole (Senecio sp.) ainda em 1997, na Universidade Federal de Pelotas (Ufpel). Atualmente, é pesquisador do Laboratório de Histopatologia no Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), vinculado ao Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi). Karam apresentou há poucos dias resultados de pesquisa sobre emergência e infestação da maria-mole no município de Eldorado do Sul. A ingestão de diferentes espécies é letal para os bovinos, causando perda anual estimada de 30 mil a 42 mil cabeças ao ano. Nesta entrevista, Karam aborda aspectos importantes sobre a presença da espécie nos campos gaúchos, sua toxicidade e formas de controle.

Qual a região de ocorrência da maria-mole?

Ela é abundante no Rio Grande do Sul, principalmente, pelas condições climáticas. Ela tem certa preferência por umidade, mas é uma planta bem resistente. São quase 3 mil espécies em todo mundo. No Brasil, sua ocorrência principal é da região de São Paulo para baixo, sendo o Rio Grande do Sul o estado com mais abundância. São 25 espécies do gênero Senecio reconhecidas em nosso Estado, mas nem todas são consideradas tóxicas e nem todas foram estudadas. Talvez tenhamos espécies ainda nem descobertas. Com mais frequência, temos cinco espécies bem estudadas e acompanhadas, pois foram causa e reconhecidas como tóxicas: S. brasiliensis, S. selloi, S. oxyphyllus, S. heterotrichius, S. tweediei e S. madagascariensis.

Pesquisador Fernando Karam estuda o tema desde 1997Arquivo Pessoal / CP

Quais as características da planta?

Ela não é palatável, assim como a maioria das plantas tóxicas. O problema se deve a uma superlotação animal em relação à oferta de pasto. O animal acaba comendo a planta tóxica pela falta de pasto de qualidade no outono e no inverno, pela condição climática de frio. Essas plantas consideradas indesejáveis aproveitam que a pastagem boa está em dormência, germinam e crescem com maior frequência. Na fase de desenvolvimento, elas contêm maior teor tóxico. Então, além da pouca oferta de pasto, os animais são obrigados a consumir justamente quando a maria-mole está em uma fase mais tóxica.

Como ocorre a intoxicação do gado?

A planta tem um princípio ativo chamado alcaloides pirrolizidínicos, em concentrações que variam conforme a espécie, época do ano e a fase de vida da planta, em geral mais concentrado quando as plantas estão em crescimento. Ele começa a desencadear uma lesão no fígado semelhante à cirrose humana. É uma lesão irreversível, que aos poucos provoca perda da função hepática. Não há tratamento para os animais que ingeriram quantidade suficiente para desenvolver a lesão. A manifestação dos sintomas geralmente leva dois meses a um ano após a ingestão, geralmente no outono-inverno, e no animal vai se manifestar na primavera-verão, por isso às vezes o produtor não associa. Geralmente, nota-se emagrecimento do animal sem causa aparente e diarreia intermitente. O animal se afasta do rebanho, fica agressivo ou apático a ponto de não se levantar. Essa fase é a final. A lesão começa no fígado e acaba no sistema nervoso central. Quando manifesta, em geral leva de 24 a 96 horas até a morte do animal.

Plantas do gênero Senecio são tóxicas aos bovinosDivulgação Seapi / CP

A maria-mole é considerada uma praga?

Sim. Sua ocorrência se dá muito por um desequilíbrio ambiental, por má conduta de deixar a terra descoberta, lavrar e roçar e não manter plantas de cobertura. Ela foi tomando conta e está muito ligada ao declínio da ovinocultura, que caiu mais de 50% nas últimas décadas no Estado. Os ovinos são 20 vezes mais resistentes ao princípio tóxico dessa planta. Eles retiram o agente tóxico e conseguem expeli-lo. Nos últimos 30 anos, a espécie Senecio madagascariensis tem dominado os campos, principalmente na região de Eldorado do Sul e Guaíba. Ela tem um processo de desenvolvimento mais competitivo e agressivo, florescendo de janeiro a dezembro, produzindo flores e criando um banco de sementes no solo, com medidas de controle mais difíceis.

Planta forma banco de sementes no solo, com medidas de controle mais difíceisFernando Karam / Divulgação Seapi / CP

Qual o manejo indicado para seu controle?

São várias recomendações, e cada proprietário rural tem que analisar a sua propriedade. Uma das orientações para controle é sempre observar uma lotação adequada à oferta de pasto, para reduzir o consumo da planta em épocas de escassez de alimento, no outono e no inverno. Também fazer roçadas em julho e agosto nas áreas infestadas, repetindo-as quando os rebrotes atingem 10 a 15 centímetros de altura, em um ou nos dois meses, dependendo do nível de infestação. A roçada pode ser associada ao uso de ovinos como controladores naturais da planta. Os ovinos são 20 vezes mais resistentes ao princípio tóxico. Por exemplo, faz-se uma primeira roçada e colocam-se ovinos para controlar a reinfestação. O controle com ovinos pode ser com lotação igual ou maior que 0,43 animais por hectare em pastoreio contínuo por 30 dias, com dois ovinos por meio hectare (ou 4/ha) durante julho e agosto e com ovinos associados com bovinos na proporção de três ovinos/hectare, durante dois anos depois de roçada a área inicialmente infestada.

O controle químico é eficaz apenas nas plantas já emergidas, pois as sementes permanecem no solo e germinarão numa próxima estação favorável, tendo que ser repetida a aplicação. Além do custo, produtos químicos podem alterar a biocenose (associação entre macro, meso e micro vida de uma área, especialmente a alimentar) do solo. Tal qual o controle mecânico (roçada), é mais bem indicado no inverno, mas como método auxiliar dentro de um manejo integrado com outras ações, especialmente no caso de S. madagascariensis, que apresenta várias florações durante um ano e os mesmos estágios vegetativos e reprodutivos simultaneamente. Neste caso, recomendam-se aplicações localizadas de herbicidas pós-emergentes pouco residuais quando as plantas têm cerca de cinco folhas, de modo que seja eficiente a dose mínima, o que também diminui custos.

Uma medida altamente eficaz é arrancar manualmente a planta com raiz, o que pode ser feito com facilidade após chuvas ou em áreas úmidas. Não é uma medida prática para grandes extensões. As plantas arrancadas devem ser colocadas num local para descarte definitivo e ao qual os bovinos não tenham acesso. Não devem ficar expostas no campo porque possuem capacidade de propagação vegetativa e, muitas, podem criar raízes novamente.

Itamar Pelizzaro