Produção recorde e problemas logísticos derrubam preço do milho

Produção recorde e problemas logísticos derrubam preço do milho

Cenário favorece margens de rentabilidade de produtores de carnes e deve baratear preços para consumidor, diz analista

Patrícia Feiten

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De um lado, uma supersafra nacional de grãos. De outro, gargalos logísticos, com disputa acirrada por estradas, meios de transporte, portos e estruturas de armazenagem. Essa combinação, somada ao declínio das cotações de commodities agrícolas no mercado internacional, vem derrubando os preços do milho aos níveis mais baixos dos últimos três anos, de acordo com o analista Carlos Cogo, sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio. Para o consultor, a queda deve continuar nos próximos meses, o que deve significar margens de rentabilidade melhores para a indústria frigorífica – o milho é o principal ingrediente da formulação de rações animais – e, em uma segunda etapa, carnes mais acessíveis ao consumidor.

Segundo Cogo, a derrocada dos preços do milho no mercado interno acompanha a trajetória do grão na Bolsa de Mercadorias de Chicago (CBOT), onde os contratos futuros do cereal para entrega em dezembro, por exemplo, já eram negociados a 5,17 dólares por bushel na semana passada. “Estamos caminhando para um preço de 5 dólares por bushel, o que é um pouquinho acima da média histórica, e voltando para patamares pré-pandemia”, afirma o consultor.

No Rio Grande do Sul, a saca de 60 quilos de milho é cotada atualmente a R$ 58. A pressão baixista, porém, é mais acentuada nos estados que colhem a segunda safra do grão, como Mato Grosso. Na média do estado do Centro-Oeste, o preço da saca está em torno de R$ 34, o equivalente a 2,91 dólares por bushel, estima Cogo. “Enquanto a cotação em Chicago está em 5,89 dólares por bushel, os mato-grossenses estão com preço nada mais, nada menos que 50% abaixo”, compara.

Um dos fatores que explicam a queda é o acentuado recuo dos prêmios de exportação nos portos nacionais. Enquanto produtores norte-americanos e argentinos exportam o cereal a 253 dólares por tonelada, o milho brasileiro é enviado ao exterior a 200 dólares a tonelada, considerando-se as cotações praticadas no Porto de Paranaguá. “É uma coisa espantosa: o milho brasileiro tem um desconto de mais de 50 dólares por tonelada em relação aos concorrentes, o que não é normal, porque o Brasil hoje é o maior exportador de milho do mundo”, avalia Cogo.

Grande parte desse descompasso, porém, é explicada pelo déficit de armazenagem brasileiro, segundo o consultor. Até o momento, foi escoada apenas metade da produção recorde de soja estimada para o ciclo 2022-2023, de cerca de 313 milhões de toneladas – as exportações da oleaginosa ocorrem de janeiro a junho, enquanto as de milho são mais concentradas no período de junho a outubro, com a entrada da segunda safra do cereal. No caso do milho, Cogo projeta que os embarques neste ano cheguem a 50 milhões de toneladas. “Nós exportamos até agora 10 milhões de toneladas. Com nossos problemas internos, estamos abaixo da paridade de exportação. Se o Brasil estivesse exportando, o milho que está no Rio Grande do Sul e no Paraná ao redor de R$ 58 a saca certamente estaria pelo menos em R$ 65”, calcula o analista.

Segundo Cogo, a queda se reflete no preço das rações animais. O custo de produção do quilo de frango vivo no sistema integrado, por exemplo, recuou de R$ 5,62 em maio de 2022 para os atuais R$ 4,90. “Isso está voltando a equilibrar as margens de rentabilidade da avicultura, da suinocultura, da produção de leite e até elevando a competitividade do confinamento de bovinos também. Esse custo que vai continuar baixando e sendo repassado ao consumidor (final de carnes)”, diz o consultor.

Aves e suínos

Para o presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos, a queda de preços do milho vem trazendo alívio aos produtores do setor, que nos últimos três anos sofreram forte impacto da disparada de custos de produção. “É um bom momento de comprar, para quem tem condições de estocagem. Mas qualquer movimento no mercado externo, principalmente da China e de outros países que demandam o milho produzido no Brasil, pode (causar) uma modificação nesse cenário”, diz.

O dirigente observa que o Rio Grande do Sul não atende toda a demanda de milho da avicultura e a última estiagem ocorrida no Estado afetou a oferta do produto. Em março, a Emater/RS-Ascar projetou que a safra 2022/2023 do cereal deve totalizar 3,5 milhões de toneladas – uma redução de mais de 40% em relação à estimativa de colheita inicial. Os gastos com frete, segundo Santos, tornam onerosa a compra da produção de outros estados, como Mato Grosso e Paraná. “Estamos enfrentando o travamento no mercado (de consumo de carnes). (Há) instabilidade econômica toda, um grande índice de desemprego, uma situação que não favorece o setor”, avalia.

O presidente da Associação dos Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs), Valdecir Folador, diz que o efeito da trégua nas cotações do milho no custo de produção do setor só deve ser sentido a partir de julho. Isso porque os animais que estão sendo entregues aos frigoríficos atualmente foram produzidos quando as cotações do cereal estavam em torno de R$ 95 a saca. “Tudo sinalizava que iam se mantém patamares de preços de elevados, ninguém tinha no radar essa queda de preço que aconteceu. Então, muitos produtores estão com estoques de milho caro para três, quatro, cinco meses”, explica Folador.

De acordo com a pesquisa semanal da Acsurs, o preço pago aos produtores pelo quilo do suíno vivo estava em R$ 6,03 no dia 26 de maio, ante valores de R$ 6,60 quatro semanas antes e R$ 5,23 há um ano. “O mercado não está colaborando na manutenção de preços do suíno vivo, da carcaça. E, na ponta final, também teve queda significativa nas últimas duas, três semanas”, afirma Folador.


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