Produtores adiam compras de fertilizantes

Produtores adiam compras de fertilizantes

Redução de até 70% no valor dos principais adubos ao longo de um ano ainda não anima o agro, impactado pela queda das cotações de commodities agrícolas

Patrícia Feiten

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Vilões do custo da lavoura, os fertilizantes, que no ano passado alcançaram valores recordes após a invasão da Ucrânia pela Rússia, seguem em queda no mercado interno. Apesar da trégua nos preços e da relação de troca hoje mais favorável para os produtores, a compra dos insumos para o plantio da próxima safra de verão está em marcha lenta, segundo analistas do agronegócio. Por trás da cautela, está a espera por números ainda mais baixos nos próximos meses e de uma melhora nas cotações de commodities agrícolas exportadas, como soja e milho.

O analista Marcelo Mello, da consultoria Stone X, explica que os preços dos adubos iniciaram a trajetória de declínio em abril do ano passado, após atingirem picos diante da preocupação gerada pelo conflito no leste europeu – a Rússia é o principal fornecedor do insumo usado nas lavouras brasileiras. No caso do MAP, fosfatado muito usado no Brasil, o preço disparou para 1,3 mil dólares a tonelada em março de 2022 e, desde então, já caiu cerca de 60%. O potássio e a ureia (principal fertilizante nitrogenado) chegaram a custar, respectivamente, 1.210 dólares e 1.000 dólares a tonelada e hoje estão 70% mais baratos.

“Em maio de 2022, eram necessárias 33 sacas de soja para comprar uma tonelada de MAP. Agora estamos perto da média dos últimos cinco anos, que é perto de 19 sacas”, compara Mello. O efeito positivo das quedas, porém, foi amenizado pela desvalorização dos grãos. No primeiro semestre do ano passado, diz o analista, os preços da soja superaram os 17 dólares por bushel na Bolsa de Mercadorias de Chicago (CBOT), enquanto o milho era cotado a acima de 8 dólares por bushel. Desde então, as duas commodities recuaram 20% e 30%, respectivamente. “Principalmente no caso do fósforo, as relações de troca estão muito melhores, mas ainda estão acima da média histórica”, afirma Mello.

Com base em dados preliminares de um levantamento feito com clientes, que representam uma área de 27 milhões de hectares, a StoneX estima que apenas 44% dos agricultores brasileiros já tenham comprado os nutrientes para o ciclo 2023/2024. “O Sul está mais atrasado. Em maio do ano passado, estava com 66% comprado, agora está com 40 %”, diz Mello. Segundo o analista, na safra passada, a maioria dos produtores do país reduziu de 20% a 30% o investimento em fertilizantes. “Minha expectativa é que neste ano (o produtor) vai aplicar de 5% a 10% a mais, porque os preços estão mais palatáveis. Só que ele não está antecipando essa compra”, destaca.

Gargalo logístico

A engenheira agrônoma Maísa Romanello, especialista em fertilizantes da Safras & Mercado, também atesta a desaceleração do ritmo de compras de insumos na comparação com a mesma época do ano passado. “As negociações da soja e do milho estão bastante lentas. Muitos agricultores estão armazenando (os grãos), porque o preço caiu. Não estão vendendo e também não estão comprando insumos”, afirma.

Maísa observa que os agricultores dos Estados Unidos – segundo maior produtor de grãos do mundo, atrás apenas pela China – estão concluindo as aquisições de adubos para a próxima safra no país, o que deve abrir boas oportunidades para a importação desse itens pelo Brasil. A concentração da demanda brasileira no segundo semestre, porém, traz preocupação, e a recomendação da analista é que os produtores não deixem as compras para a última hora. “Devemos ter uma competição por volumes no mercado interno, e as revendas vão aumentar os seus preços também. Essa questão da logística e das relações de troca deve ser observada, para que não se corra o risco de faltar produto”, alerta a analista.

O conselho é reforçado pelo economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz. “É importante o produtor, à medida que vai levantando recursos, fazer as compras. O grande gargalo é o acesso ao crédito depois de duas safras seguidas de frustração”, avalia Da Luz, referindo-se às estiagens que trouxeram prejuízos às lavouras gaúchas. Os mais afetados, destaca o economista, são os pequenos produtores que financiam a lavoura por meio das linhas de custeio do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e vêm buscando a renegociação de dívidas com o governo federal. “Os produtores estão descapitalizados. A compra de fertilizantes e dos defensivos ainda carece de uma solução para o passivo desta safra ou da entrada do novo crédito rural”, ressalta.


Correio do Povo
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