Mendigos prematuros
Crianças vulneráveis nas ruas: uma reflexão sobre a proteção jurídica
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Nos últimos 10 anos vem se tornando cada vez mais comum a presença de adultos com crianças pequenas e bebês de colo junto aos semáforos, cumprindo jornadas que variam desde poucas horas até o dia inteiro vendendo quinquilharias ou pedindo esmolas.
Obviamente esse é um tema complexo demais para ser abordado de maneira hipócrita, imaginando que a solução seja simplesmente "proibir" que essas pessoas busquem o seu sustento, desprezando a dura realidade de muitos, talvez a maioria daquela população para a qual a rua se tornou o único meio de prover sua existência frente à escassez de renda ou à insuficiência da ajuda estatal. Nessa luta pela vida enfrentada por milhões de famílias, é difícil mesmo julgar o aspecto moral implicado no ato de envolver os próprios filhos menores, esperando com isso mobilizar a compaixão dos passantes.
Existe, contudo, uma reflexão que deve ser feita e que diz com o sistema jurídico de proteção às crianças, encabeçado pela Constituição em seu art. 227, assegurando-lhes proteção contra qualquer forma de negligência, exploração e crueldade, até o Estatuto da Criança e do Adolescente que fala no direito fundamental ao respeito, consistente "na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança", acrescentando ainda o art. 18 ser dever de todos colocar-lhes "a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor".
Pois bem, se há farto embasamento jurídico e um aparelho estatal muito bem remunerado para a proteção das crianças, nos quais se inclui não apenas os políticos, mas especialmente conselhos tutelares, ministério público e varas especializadas, não faz sentido algum que nossas crianças sigam padecendo a tiracolo, sujeitando-se à brutalidade do trânsito e ao risco dos males provocados pelo sol, calor, frio, vento e chuva, sem contar o abalo psicológico de uma mendicância prematura e desconcertante, muito diferente da infância sadia e dadivosa prometida na Constituição.