Problema para todos os cursos d’água, o plástico pode ajudar a garantir a preservação de Toninhas, espécie de golfinho ameaçada de extinção. De fácil reaproveitamento e disponíveis até mesmo a partir do lixo doméstico, as garrafas PET, quando instaladas em redes de pesca, têm evitado que o cetáceo seja capturado de forma acidental por pescadores de Torres, no Litoral Norte.
A afirmação vem de um estudo conduzido pelo biólogo e doutor em ecologia e conservação Federico Sucunza. Desde 2018, ele pesquisa o impacto da atividade pesqueira sobre as Toninhas.
“O Projeto Pesca surgiu com o objetivo de a gente entender a interação entre a pesca e a Toninha, que é a espécie mais ameaçada aqui do Atlântico Sul. Ela não consegue detectar as redes, acaba ficando presa e morrendo”, remonta o pesquisador.
O trabalho identificou o problema de conservação para a espécie e passou a buscar uma solução que não inviabilizasse o sustento dos pescadores da região. “Começamos a pensar o que fazer, foi quando consegui contato com um professor da Universidade de Newcastle (Inglaterra) e ele nos trouxe uma luz”, revelou.
“Este animal utiliza a bioacústica para se orientar. Então pensamos em um sistema de baixo custo que fosse capaz de alertar a Toninha sobre a presença da rede”, diz Sucunza.
É aí que as garrafas PET e o pescador Valtamir Mattos dos Santos, o Nenê, entram na história. Em 2020, parte das redes lançadas ao mar por Nenê passaram a contar com pequenos recipientes, de 200ml. O segredo está no ar aprisionado no interior dos frascos, que gera um reflexo acústico capaz de ser percebido pelos cetáceos. Nestes quase cinco anos de parceria, jamais algum ficou preso em uma rede dotada do sistema, garante a dupla.
“Temos 60 redes, uma parte com e outra sem garrafas, para controle, e os resultados mostram que funciona. Temos hidrofones em todas elas que comprovam que as Toninhas se aproximam e que conseguem desviar das redes que têm as PETS. A redução na taxa de captura acidental é de 88%”, reforça o biólogo.
Projetos no Brasil e em outros países da América do Sul sobre a conservação das Toninhas testam métodos e ferramentas variadas para mantê-las fora das redes, alguns deles contam inclusive com tecnologia de ponta. Os diferenciais do sistema aplicado em Torres são a simplicidade e o custo reduzido, uma vez que utilizam apenas cordas e garrafinhas.
“Buscávamos algo que fosse viável para uso do pescador de escala artesanal. Que não gerasse custos para eles, nem impactasse no volume de peixes capturados antes do projeto, para não causar prejuízo econômico”, detalha Sucunza.
Com o mesmo foco, Nenê criou um nó que permite a colocação e a retirada das garrafas de forma ágil, além de evitar que se desprendam acidentalmente e poluam as águas. “É um nó simples e que não afrouxa com o balanço da água”, assegura o pescador.
Experiência na África
A partir do bom desempenho, o estudo foi apresentado por Sucunza para a Comissão Baleeira Internacional (CBI), da qual o Brasil é signatário, e vem chamando atenção de ambientalistas e órgãos governamentais de preservação. Além de uma recomendação da CBI para que outros países repliquem a experiência, em dezembro do ano passado, o biólogo foi com Nenê para Camarões, no continente africano, para apresentar a pesquisa desenvolvida em águas gaúchas.
“O pessoal ficou surpreendido com a simplicidade e com a redução da captura das Toninhas. É o resultado de um trabalho conjunto que traz benefícios ao meio ambiente e também se preocupa com a valorização do pescador”, justifica Scunza.
Novas metas
O projeto agora parte para uma nova fase. A ideia é ampliar o número de barcos com o sistema de alerta – atualmente são três –, e para isso, o biólogo busca financiamento para capacitar mais pescadores.
“A dificuldade de expandir, além da financeira, é buscar apoio. Nesta próxima etapa, queremos viabilizar a legalização das embarcações, numa ramificação desse projeto que visa a conservação marinha”, lembra.
Diante de um sistema legal e ecologicamente sustentável, Scunza e Nenê almejam até mesmo uma rede de pescadores cooperados sob a chancela da preocupação com o meio ambiente. “Penso que agrega valor de marca, que restaurantes e outras empresas, não só da região, queiram ter um pescado de qualidade, com procedência e com menor impacto à natureza; imagino que, igualmente, os clientes destes lugares prefiram consumir produtos assim. Sem dúvida pode valorizar estes trabalhadores artesanais e gerar ganho econômico a eles”, completa o pesquisador.