Eu deveria estar na sarjeta
Adriana Haas reflete sobre a curva de variação da felicidade na maturidade
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Se eu não me importasse em fazer parte da estatística, hoje, aos 47 anos e dez meses, deveria estar na sarjeta. Foi o que apontou a mais extensa pesquisa relacionando tempo de vida e felicidade, que abrangeu 134 países e chegou a um resultado surpreendente: mesmo em culturas diferentes, o ápice da infelicidade se apresenta quando estamos na metade de nossas vidas, atingindo o grau mais elevado entre os 47 e 48 anos. Até no Butão, onde a felicidade é política pública, é nessa idade que as pessoas se sentem mais miseráveis.
No gráfico que resultou da pesquisa, a variação da felicidade faz uma curva em formato de U. Somos mais felizes aos 15 anos, quando sabemos nada da vida e não temos boletos para pagar. Depois, a curva vai descendo junto com nossa satisfação, e desliza para o fundo quando chegamos nos 40. Ela volta a subir após os 50 e, quando alcançamos os 80, voltamos a ser tão felizes quanto aos 15 (mesmo com boletos a pagar).
O que explicaria essa infelicidade bem no meio do caminho? É simples de explicar, complexo de viver. Quando chegamos na maturidade, a gente costuma se deparar com uma série de desafios: mudanças na estrutura familiar, nos relacionamentos, no trabalho, questões de saúde, pais que passam a exigir cuidados – sem falar nos sinais do nosso próprio envelhecimento, que parecem surgir de um dia para o outro. De repente, você acorda e tem um queixo de bulldog esperando no espelho.
É bem comum que um ou mais desses fatores cheguem juntos para testar nosso equilíbrio emocional e nos colocar de frente com a nossa própria finitude, sobre a qual sequer pensamos na juventude, quando temos a vida inteira pela frente. Mas agora, quando já estamos na metade dela, não dá mais para passar batido.
Isso acaba nos levando a um questionamento fundamental na maturidade: as minhas escolhas me tornaram feliz? Pelo que mostram os números, a resposta da maioria é “não”. Em geral, a geração que hoje se encontra no fundo do U seguiu aquele velho roteiro que indicava exatamente o que você teria que fazer para ser bem-sucedido: estudar, se formar, trabalhar, casar com alguém do sexo oposto, ter filhos e casa própria, progredir na carreira enquanto isso e, por fim, se aposentar. O que a gente não sabia é que esse tipo de sucesso, que não considera as nossas individualidades, raramente traz felicidade.
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Mas algo precisa acontecer para que a curva alavanque depois dos 50 e nossa felicidade não pare mais de crescer. Os pesquisadores atribuem às mudanças de mentalidade e comportamento, como valorizar mais nossos pontos fortes que os fracos, dar menos importância à opinião dos outros, descobrir novos referenciais para definir o sucesso (dessa vez, de acordo com quem somos de verdade) e dar mais valor aos relacionamentos. Coisas que têm o potencial de, ano após ano, seguir aumentando nossa satisfação com a vida.
A pergunta é: será que não dá para antecipar essa subida e escapar do fundo do poço (ou do U)? Minha aposta é que dá, já que todos esses “elevadores de felicidade” podem ser exercitados em qualquer fase. Mas a maturidade oferece uma grande vantagem em relação à juventude: os anos de estrada que ensinaram o que serve e o que não serve para nós.
Com isso em mente (e coragem no coração), é possível evitar as grandes derrocadas – ou não permanecer muito tempo no buraco antes da escalada. É o que tenho observado nos últimos anos em um número cada vez maior de mulheres maduras, às quais decidi me juntar – e tem dado certo. Fica a dica (e o convite).
Adriana Haas é jornalista, escritora e tradutora da maturidade. Tem dois livros, uma newsletter semanal e fala sobre o assunto também nas redes sociais. Adora reunir mulheres para conversar sobre a maturidade – porque acredita que, juntas, as maduras são revolucionárias.