“Sober curious”: por que jovens estão repensando a relação com o álcool?

“Sober curious”: por que jovens estão repensando a relação com o álcool?

Movimento propõe olhar mais consciente e menos automático sobre o hábito

Caroline Souza
Mudança tem relação com movimento de busca por hábitos saudáveis

Mudança tem relação com movimento de busca por hábitos saudáveis

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Seja para brindar uma conquista, relaxar após o trabalho ou simplesmente “fazer parte”, o álcool ocupa um lugar de destaque nas interações sociais. Embora esse hábito esteja enraizado em celebrações e encontros, um número crescente de jovens adultos têm começado a repensá-lo. Sem histórico de dependência, diagnósticos ou imposições externas, muitos estão apenas escolhendo não beber ou reduzir o consumo.

Conhecido como “sober curious”, expressão que pode ser traduzida como “curioso pela sobriedade”, o movimento propõe escolhas mais conscientes e menos automáticas.

Para a jornalista Gabriela Belnhak, de 33 anos, esse processo aconteceu de forma natural ao longo do último ano, quando ela decidiu observar com mais atenção o gesto quase intuitivo de beber em festas ou reuniões com amigos.

Segundo ela, a sensação de liberdade e a facilidade nas interações, normalmente associadas ao consumo de bebidas, já não compensavam os efeitos negativos, como ressaca, indisposição e até a culpa por ter passado do ponto.

“Eu nunca bebi exageradamente, tinha um consumo muito leve e mais aos finais de semana, mas, mesmo assim, me sinto muito melhor, mais disposta para fazer minhas atividades. Sinto que com essa redução eu tive uma melhora na qualidade de vida.” conta Gabriela.

Geração saúde

Essa mudança de comportamento está alinhada com um movimento mais amplo de busca por hábitos saudáveis entre os jovens, segundo a psiquiatra Lisia von Diemen, diretora do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do HCPA/UFRGS.

“Faz parte de uma cultura entre os jovens que valorizam hábitos como alimentação natural e exercícios físicos. Além disso, muitos estão mais conscientes dos impactos do álcool, especialmente porque hoje se sabe que ele aumenta o risco de diversas doenças.” explica Lisia.

No caso de Gabriela, o que antes era parte da rotina social passou a ser mais pontual e, por isso, mais valorizado quando acontece.

“Hoje quando tenho vontade de beber algo, escolho muito bem o que vou beber. Compro um vinho bom, um chopp de qualidade, uma bebida que vai me trazer um bom momento. E não preciso beber muito, pouco já me basta.”

A normalização do consumo de álcool e a falta de reflexão sobre danos e risco de dependência, também são pontos levantados por quem decide repensar o hábito.

Pressão social por beber

Não à toa, outro ponto recorrente entre os que decidem repensar o hábito é a pressão social envolvida. Há quem diga que o álcool é a única droga para a qual é preciso dar explicações quando se escolhe não usar.

Foi justamente esse incômodo que levou a produtora de conteúdo Anna Carolina Gouveia a criar o perfil “Tem Gente Que Não Bebe”, no Instagram. A ideia é ampliar o debate e levar a reflexão a mais pessoas.

“O projeto surgiu a partir de uma experiência pessoal, quando eu decidi repensar minha própria relação com o álcool e percebi o quanto esse tema ainda é rodeado de desconforto, tabu e muito julgamento. A proposta não é convencer ninguém a parar de beber, nem adotar um tom proibicionista ou moralista, mas sim trazer mais consciência para esse comportamento”, conta.

O perfil administrado por Anna Carolina ainda traz receitas de drinks sem álcool e indicações de lugares para beber ou não.

Caminho a ser percorrido

Apesar de o movimento representar um passo importante na conscientização sobre o consumo, a psiquiatra ressalta que ainda há muito a avançar.

“Existe uma permissividade muito grande em relação ao álcool. Temos um caminho longo pela frente, é um grupo de jovens mais conscientes, mas ainda há muitos iniciando álcool muito cedo. Somos muito liberais em relação a isso.”

O relatório Vigitel de 2023 mostrou que 20,8% da população das 27 capitais brasileiras consumiram bebidas alcoólicas de forma abusiva em um período de 30 dias, sendo maior em homens (27,3%) do que em mulheres (15,2%). Em ambos os sexos, essa frequência diminuiu com o aumento da idade a partir dos 35 anos e aumentou com o nível de escolaridade.

Avanços contra o tabaco e os obstáculos na prevenção do álcool

Para a especialista, o Brasil deveria adotar com o álcool a mesma seriedade usada no enfrentamento ao cigarro. O país é referência mundial no combate ao tabagismo, com redução no número de fumantes graças a políticas públicas consistentes como aumento de impostos, restrições em locais fechados e proibição de propagandas. Ao longo dos anos, o cigarro perdeu espaço e prestígio social.

Mas com o álcool, o cenário é diferente. Mesmo oferecendo riscos, o consumo segue amplamente aceito e incentivado. A publicidade de bebidas ocorre com pouca restrição e as campanhas de prevenção costumam ser focadas no “uso responsável”, e não na redução de danos ou abstinência.

Mais sobre o movimento “sober curious”

O movimento sober curious surgiu em meados da década de 2010, impulsionado pela escritora britânica Ruby Warrington, que popularizou o termo em seu livro Sober Curious (2018).

📌O que caracteriza o movimento “sober curious”:

  • Não envolve abstinência total obrigatória, como em programas de reabilitação.

  • A pessoa escolhe não beber por vontade própria, buscando mais consciência e bem-estar.
  • É uma decisão baseada em autoconhecimento, saúde mental, clareza emocional ou qualidade de vida.
  • Costuma vir com questionamentos como: “Por que estou bebendo?”; “Realmente gosto ou só estou seguindo a pressão social?”; e “Como me sinto quando fico sóbrio(a) em eventos sociais?”.

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