Câncer de mama em ascensão: fatores e desafios

Câncer de mama em ascensão: fatores e desafios

No RS, foram registrados 35,4% a mais de casos de câncer de mama do que o estimado. No Brasil, a estimativa anual do Inca aumentou para quase 74 mil novos diagnósticos entre 2023-2025

Lisiane Mossmann

Mulheres a partir dos 40 anos devem fazer anualmente a mamografia para poder detectar precocemente câncer de mama

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O Especial Outubro Rosa do Bella Mais, que começa a ser publicado neste início de outubro, trará uma série de cinco matérias ao longo do mês, sempre às terças-feiras, explorando diferentes aspectos sobre o câncer de mama no Brasil. Com um olhar aprofundado, cada texto abordará desde os fatores que contribuem para o aumento dos casos no país e no Rio Grande do Sul, além de discutir as desigualdades no tratamento e o impacto emocional enfrentado por mulheres diagnosticadas. Complementando as matérias, às quintas-feiras, o podcast Bella Talks contará com entrevistas com especialistas e histórias de superação, destacando vozes que ajudam a entender os desafios e as vitórias na luta contra a doença.


*Com colaboração de Camila Souza e Brenda da Rosa

O número de novos casos de câncer de mama tem aumentado no Brasil, seguindo uma tendência global projetada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Em 2008, eram cerca de 50 mil novos diagnósticos por ano, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Já em 2023, a estimativa anual para o triênio 2023-2025 é de quase 74 mil. Além disso, a doença tem afetado cada vez mais mulheres jovens, fora da faixa de cobertura mamográfica.

No Rio Grande do Sul, os dados seguem a tendência de aumento. Com crescimento de 35,4% no número de casos em 2023, o estado ocupa a terceira posição nacional em diagnósticos, atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais. Dados do Inca e do Painel Oncologia revelam que, enquanto a estimativa anual era de 3.720 novos casos, o total registrado chegou a 5.038, superando a previsão em 1.318 diagnósticos.

O cenário reflete a urgência de estratégias para fortalecer a prevenção e o diagnóstico precoce da doença, especialmente em regiões com altas taxas de incidência, como no Vale do Rio Pardo, que registrou 122,80 casos por 100 mil mulheres, em contraste com a Fronteira Oeste, com a menor taxa do estado, de 60,84 casos por 100 mil.

O índice de incidência estadual atingiu 89,53 casos por 100 mil mulheres, superando a média nacional de 66,54/100 mil. Porto Alegre lidera em número absoluto de diagnósticos, com 627 casos em 2023, enquanto Campo Bom apresenta a maior taxa de incidência entre os municípios, com 255,60 casos por 100 mil mulheres.

Além disso, a mortalidade no RS preocupa: foram registrados 1,5 mil óbitos no estado em 2023, um aumento de 4,5% em relação ao ano anterior, sendo a faixa etária entre 60 e 69 anos a mais afetada, com 23,9% dos óbitos. Esse crescimento também tem sido registrado nas demais unidades da União, o que contrasta com a realidade de países com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde a mortalidade tem diminuído nas últimas décadas, mesmo com altas taxas de incidência.

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Segundo a médica Maira Caleffi, mastologista, chefe do serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), o crescimento está relacionado ao envelhecimento da população, ao aumento de fatores de risco e ao estilo de vida moderno.

Principal causa de morte por câncer

O câncer de mama ocupa a segunda posição entre as principais causas de morte por câncer no Brasil, responsável por 10,5% dos óbitos oncológicos, segundo o Inca para o triênio 2023-2025. Os dados mostram que as regiões Sul e Sudeste apresentam as maiores taxas de mortalidade, com 12,69 e 12,43 óbitos por 100 mil mulheres, respectivamente, enquanto a taxa ajustada nacional é de 11,71 óbitos por 100 mil mulheres.

Se for analisado somente entre as mulheres, o câncer de mama é a principal causa de morte oncológica. “Existe uma relação inversa entre o acesso ao diagnóstico e as taxas de mortalidade; quanto maior o acesso ao diagnóstico precoce, menor é a mortalidade pela doença”, afirma a mastologista Larissa Oliveira de Aquino, da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM).

A mortalidade por câncer de mama é mais comum em mulheres de idade avançada, mas o grupo de 50 a 69 anos concentra cerca de 45% dos óbitos. Ao longo dos anos, houve uma redução nas mortes entre mulheres de 40 a 49 anos e um aumento na proporção de óbitos em mulheres acima de 80 anos, possivelmente devido ao envelhecimento da população e à maior sobrevida proporcionada pelos tratamentos.

A pandemia de Covid-19 também influenciou os dados de mortalidade entre 2020 e 2021, com uma queda observada nos registros de óbitos por câncer de mama, possivelmente relacionada à concorrência com óbitos pela doença.

Fatores de risco e estilo de vida

Caleffi destaca que as razões para o aumento dos casos não são totalmente conhecidas, mas existem fortes indícios de que fatores ambientais e de estilo de vida influenciam. “Sedentarismo, tabagismo, alimentação processada e exposição a poluentes estão entre os fatores que podem estar elevando a incidência da doença", afirma.

A prevenção primária, por meio de hábitos saudáveis e maior acesso a exames de rotina, é uma das chaves para reduzir a incidência da doença. No entanto, a especialista ressalta que o Brasil enfrenta grandes desafios na área de saúde pública, especialmente em relação ao diagnóstico precoce e ao acesso ao tratamento nas suas diferentes regiões.

Aquino diz que um dos principais desafios no combate à doença é o diagnóstico tardio. “Muitas mulheres são diagnosticadas apenas em estágios avançados, o que reduz significativamente as chances de cura. A falta de conscientização sobre a importância do autoexame e da mamografia, aliada ao acesso restrito a exames de diagnóstico, contribui para esse cenário, especialmente em áreas de menor renda e em regiões mais remotas”, reforça.

A resposta do Rio Grande do Sul

Em resposta ao aumento de casos, a coordenadora da Divisão de Ciclos de Vida do Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde (SES), Gisleine Silva, destaca a criação do programa SER Mulher. Esse serviço especializado de referência à saúde da mulher será implementado nas sete macrorregionais do estado e visa fortalecer o rastreamento e diagnóstico precoce do câncer de mama.

“A criação do SER Mulher é um serviço estratégico para contribuir com a redução dos óbitos por câncer de mama, oferecendo atendimento ambulatorial especializado e integrando o cuidado com outras necessidades de saúde da mulher, como câncer de útero, endometriose e planejamento reprodutivo”, afirma.

O SER Mulher atuará realizando diagnósticos e encaminhamentos para tratamento em serviços de oncologia. Além disso, contará com “navegadores” de saúde – profissionais que acompanharão as pacientes durante todo o processo de tratamento, promovendo uma integração com a Atenção Primária para garantir o encaminhamento adequado e em tempo oportuno.

Os tratamentos para câncer de mama evoluíram, resultando em melhores taxas de sobrevivência | Foto: Freepik / Divulgação / CP

Desigualdade no tratamento compromete chances de cura

O tratamento do câncer de mama no Brasil enfrenta grandes desigualdades que impactam as chances de cura, especialmente para as mulheres que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), que são cerca de 75% da população, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde. O tempo médio de confirmação do diagnóstico pode variar consideravelmente entre regiões, chegando a 90 dias em estados do Norte, comparado aos 36 dias em média nacional, destaca a mastologista Maira Caleffi, da Femama. Essas disparidades regionais e a falta de acesso a mamógrafos e serviços de biópsia em áreas remotas dificultam a detecção precoce da doença, comprometendo a eficácia dos tratamentos disponíveis.

Mesmo com a lei dos 60 dias para início do tratamento, a média no SUS é de 174 dias, mais que o dobro do prazo estipulado, chegando a 270 dias em alguns locais. Além do atraso, muitas pacientes não recebem o tratamento adequado ao tipo específico de tumor, seja pela falta de medicamentos, resistência dos planos de saúde ou insuficiência de recursos na rede pública.

Essa indisponibilidade afeta, por exemplo, o acesso a medicamentos hormonais e terapias específicas, como os usados para o câncer HER2 positivo, ressalta a médica Larissa Oliveira de Aquino, destacando que as desigualdades regionais e socioeconômicas formam barreiras que afetam diretamente a qualidade e o tempo de vida das pacientes.

A dificuldade de acesso à informação é mais uma barreira crítica. Muitas mulheres, especialmente as mais jovens ou de áreas menos desenvolvidas, enfrentam obstáculos para serem ouvidas e encaminhadas adequadamente para o tratamento. Campanhas como o Outubro Rosa cumprem o papel de informar e conscientizar, mas é necessário um esforço contínuo para reduzir desigualdades e ampliar o acesso à saúde de qualidade em todas as regiões do Brasil.

👉🏼 Quer entender melhor como as desigualdades impactam as chances de cura do câncer de mama no Brasil? Leia nossa matéria completa aqui e descubra os desafios enfrentados pelas pacientes e as iniciativas que buscam mudar essa realidade.

70% das mulheres são abandonadas pelos parceiros

O câncer de mama é uma doença que impacta não apenas a saúde física, mas também o bem-estar emocional das mulheres, especialmente quando enfrentam o abandono de seus parceiros durante ou após o tratamento. Dados da SBM revelam que 70% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama passam por essa experiência, contrastando com apenas 3% dos homens com câncer que enfrentam o mesmo abandono.

A rejeição nesse momento delicado afeta diretamente a autoestima e a recuperação, especialmente diante das mudanças físicas decorrentes do tratamento, como queda de cabelo e mastectomia, aumentando o estresse emocional e elevando os riscos de depressão, que podem interferir na eficácia dos tratamentos.

Esse cenário de abandono afeta profundamente a saúde mental das mulheres em tratamento. De acordo com a mastologista Larissa Oliveira de Aquino, o impacto emocional do abandono é uma barreira adicional que muitas mulheres precisam superar, além dos desafios físicos da doença. As que conseguem contar com um sistema de apoio forte, incluindo familiares, amigos e grupos de apoio, tendem a enfrentar o processo de cura com mais estabilidade emocional.

A psicóloga Juliana Martini ressalta que o diagnóstico do câncer frequentemente revela conflitos conjugais latentes, que muitas vezes levam ao término do relacionamento. Ela destaca que esse "segundo luto" causado pelo abandono pode ser aliviado com suporte psicológico contínuo, fundamental tanto durante quanto após o tratamento.

Para lidar com esse tipo de desafio, o apoio de uma rede de suporte é essencial. Como explica a mastologista Maira Caleffi, do Hospital Moinhos de Vento, é fundamental que as pacientes tenham acesso a um atendimento multidisciplinar, envolvendo psicólogos e assistentes sociais, para fortalecer sua resiliência emocional. O processo de ressignificação da vida após a doença pode transformar o período pós-tratamento em uma oportunidade de recuperação da autoestima e de busca por novos caminhos.

👉🏼 Quer saber mais sobre como enfrentar o impacto emocional do câncer de mama e as alternativas de suporte? Leia aqui nossa matéria completa e ouça o podcast Bella Talks com a psicóloga Juliana Martini para entender como o apoio emocional faz diferença.

Diagnóstico precoce pode aumentar sobrevida em 95%

O diagnóstico precoce do câncer de mama é fundamental para aumentar as chances de cura e reduzir a intensidade dos tratamentos necessários. Quando a doença é identificada nos estágios iniciais, a taxa de sobrevida em cinco anos pode ultrapassar 95%, segundo a SBM. Apesar dos avanços nos métodos de detecção, como a mamografia, ainda é comum que muitas mulheres adiem exames preventivos, o que acaba resultando em diagnósticos tardios.

A evolução dos tratamentos para o câncer de mama nas últimas décadas possibilitou intervenções menos invasivas e uma melhora na qualidade de vida das pacientes. Opções como cirurgia conservadora, terapia hormonal, radioterapia e terapias-alvo ajudam a tratar a doença de maneira mais personalizada.

A médica radiologista Morgana Trindade Pacheco enfatiza que apenas 10% dos casos estão relacionados a fatores genéticos, o que significa que 90% das mulheres precisam estar atentas aos fatores de risco, independentemente do histórico familiar. Entre os principais riscos estão o sedentarismo, o consumo de álcool e a obesidade, condições que podem ser controladas com uma rotina de cuidados e alimentação saudável.

“A mamografia é o método mais indicado para rastrear a doença em fases iniciais”, destaca Pacheco. O exame detecta alterações ainda imperceptíveis ao toque, possibilitando intervenções rápidas e elevando as chances de cura para mais de 90%.

👉🏼 Quer entender como a detecção precoce pode salvar vidas? Leia aqui nossa matéria completa ou escute o Bella Talks com a médica Morgana Pacheco e saiba mais sobre o papel dos exames e dos hábitos saudáveis na prevenção do câncer de mama.

As histórias das jornalistas do Correio do Povo Nereida Vergara e Luciamem Winck reforçam a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama. Ao compartilharem suas experiências, elas mostram como o acesso rápido aos exames e o suporte emocional fazem toda a diferença na trajetória de quem enfrenta a doença. Esses relatos, além de inspiradores, destacam a necessidade de campanhas de conscientização sobre a prevenção e a detecção precoce, lembrando a todas as mulheres da importância do autoexame e das consultas regulares.

🎧 Acesse aqui a entrevista completa e inspire-se com essas histórias reais de coragem e superação.

No Brasil, o número de mastectomias realizadas anualmente pelo SUS chega a cerca de 23 mil | Foto: Freepik / Divulgação / CP

Reconstrução mamária: um direito no Brasil

A reconstrução mamária é um direito garantido por lei no Brasil, mas ainda enfrenta limitações. Apenas entre 25% e 30% das mulheres que passam por mastectomia conseguem realizar o procedimento pelo SUS. Em 2021, aproximadamente 10 mil cirurgias de reconstrução foram realizadas, englobando tanto as imediatas quanto as tardias, o que evidencia a dificuldade de acesso ao tratamento.

A Lei nº 12.802/2013 estabelece que a reconstrução deve ser oferecida no mesmo ato cirúrgico da retirada do tumor, sempre que possível, ou em um momento posterior, promovendo bem-estar emocional e autoestima das pacientes.

Embora a legislação represente um avanço, desafios regionais e falta de infraestrutura dificultam a realização da reconstrução mamária em diversas áreas do país. Segundo a cirurgiã plástica Marcela Cammarota, o acesso é mais garantido em regiões com maior infraestrutura médica, enquanto muitas pacientes em locais carentes enfrentam barreiras para realizar a cirurgia.

As diferenças no acesso são muitas, e o Brasil ainda realiza um número muito inferior de reconstruções se comparado aos Estados Unidos, onde são realizadas cerca de 100 mil a 120 mil mastectomias anuais.

Diversos fatores influenciam a decisão pela reconstrução, desde preferências pessoais até questões de saúde e suporte financeiro. Pacientes com planos de saúde têm acesso quase universal ao procedimento, enquanto aquelas dependentes do SUS enfrentam dificuldades para garantir seu direito. Além disso, técnicas avançadas, como implantes, retalhos musculares e enxertos de gordura, ampliam as opções e personalizam a cirurgia para as necessidades de cada mulher, indo além da estética e promovendo um processo de cura integral.

👉🏼 Quer saber mais sobre os desafios e avanços na reconstrução mamária no Brasil? Leia aqui a matéria que integra a série especial Outubro Rosa do Correio do Povo e informe-se sobre os direitos e cuidados para mulheres com câncer de mama.

De olho na série sobre o Câncer de Mama

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🎧 Escute o Bella Talks:

Psicóloga Juliana Martini fala da saúde mental das mulheres que enfrentam o diagnóstico da doença.

Médica radiologista Morgana Pacheco, que explica as diferentes formas de diagnóstico e prevenção da doença

Nereida Vergara e Luciamem Winck, diagnosticadas com câncer no ano passado, contam suas trajetórias no podcast Bella Talks

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