Há um Século no CP

O caso do canoeiro desaparecido: indícios apontam para um crime

Da edição de 29 de outubro de 1925, quinta-feira, n. 257

Apesar das fortes suspeitas contra o sobrinho do desaparecido, o paradeiro do corpo, as motivações e a dinâmica do suposto assassinato ainda não haviam sido esclarecidos
Apesar das fortes suspeitas contra o sobrinho do desaparecido, o paradeiro do corpo, as motivações e a dinâmica do suposto assassinato ainda não haviam sido esclarecidos Foto : CP Memória

“Com o título de ‘Desaparecimento, crime ou afogamento?’, noticiamos, em nossa edição de ontem, uma ocorrência que se deu entre a noite de domingo e a manhã de segunda-feira, no arrabalde dos Navegantes.

Apesar do sigilo com que estavam sendo feitas as diligências policiais, conseguimos relatar ontem, em uma bem detalhada ‘reportagem’, o desaparecimento do canoeiro Juca Lomba, bem como o achado, mais tarde, de seu caíque, cheio d’água e com manchas de sangue no interior. Mostramos, também, todas as suposições que se fizeram em torno do desaparecimento de Juca, desde a primeira — uma viagem de negócios; depois, a segunda — um afogamento; e, por último, a terceira — crime. Pelos vestígios encontrados, a polícia decidiu-se pela última das suposições — um crime. Por isso, o capitão Armando Ferreira, delegado do 4º distrito, pediu ao sr. Affonso Fagundes Barcellos, amigo do canoeiro desaparecido, que iniciasse as pesquisas para procura do corpo de Juca, bem como de ajudá-lo nas diligências.

Uma viagem do assassinado e de seu sobrinho — Segunda-feira, pela manhã, Juca Lomba e um seu sobrinho carnal, de nome José Alfredo Nunes, iam fazer uma viagem num caíque de propriedade do primeiro. Assim, ao amanhecer daquele dia, os canoeiros que tinham suas embarcações ancoradas na praia, onde na véspera estava o caíque ‘Vamos Ver’, de Juca Lomba, não o viram mais, bem como o seu proprietário, o que lhes fez crer na realização da viagem projetada. Às 8 horas da manhã de segunda-feira, mais ou menos, Alfredo dirigiu-se à residência de seu vizinho, sr. Affonso Fagundes Barcellos, à rua Dr. João Ignacio, nº 87, para entregar a chave do prédio nº 85, da rua São Salvador, onde morava. Recebeu-o uma filha do sr. Barcellos, a qual notou que Alfredo se mostrava deveras perturbado, o que lhe fez nascer…

As primeiras suspeitas — Ao regressar a casa, o sr. Barcellos, de volta de suas pesquisas em procura do corpo do infeliz canoeiro, a filha contou-lhe a visita de Alfredo e o seu ar perturbado. O sr. Barcellos, que já nutria suspeitas de Alfredo, dirigiu-se então à 4ª delegacia de polícia, onde combinou com o capitão Armando Ferreira o meio de efetuar a prisão do mesmo. Assim, foram tomadas as primeiras providências, sendo a casa onde ele morava conservada vigiada. Porém, tudo foi inútil, pois…

Alfredo havia desaparecido — Passaram-se o resto do dia de segunda e todo o dia de terça-feira sem que houvesse a menor notícia de Alfredo, nem tampouco se encontrasse o corpo de Juca. O sr. Barcellos deu, anteontem, duas ‘batidas’ na casa de Alfredo, tendo em uma delas encontrado um machado com uma pequena risca de sangue. Ao retirar-se, deixou ele um pedacinho de cordão na porta, para que, caso fosse ela aberta, ficasse um vestígio. E assim se deu ontem, às 11h30 da manhã, mais ou menos, quando o sr. Barcellos viu que o cordão não estava como ele o havia deixado, o que o levou à suspeita de que Alfredo ali estivera.

A prisão do acusado — Pouco tempo depois, chegou ao conhecimento daquele senhor que Alfredo se encontrava num caíque atracado na praia, à rua Voluntários da Pátria, entre a garagem do ‘Club Guaíba’ e o armazém do sr. José Gomes. Sem perda de tempo, o sr. Barcellos dirigiu-se, em automóvel e acompanhado de um secreta e de dois inspetores policiais, ao local indicado. Lá chegando, dirigiu-se ele a Alfredo, dizendo-lhe:

— Boa tarde. Você está preso por ordem do capitão Armando Ferreira.

— Por quê? — retrucou Alfredo.

— Não tenho que lhe dar satisfação — respondeu-lhe então, em tom mais alto, o sr. Barcellos.

Alfredo fez, então, menção de puxar uma navalha que trazia no bolso, travando-se uma luta corporal entre ele e o sr. Barcellos. Com a intervenção dos outros companheiros do sr. Barcellos — que saiu, até, com um ferimento na mão —, foi Alfredo subjugado e conduzido, em automóvel, para o 4º posto.

O interrogatório — Apenas chegado ao 4º posto, Alfredo foi interrogado pelo capitão Armando Ferreira e pelo amanuense João Rosa, tendo negado terminantemente sua autoria no fato. Em seu poder havia a quantia de 50$000. Ao ser-lhe apresentado o machado encontrado em sua casa, o acusado procurou esconder, com o dedo, a mancha de sangue, confirmando, porém, pertencer-lhe. A manga direita de sua camisa estava bastante manchada de sangue, o que leva a supor tenha ele agarrado sua vítima para atirá-la à água. Na ocasião em que estava sendo interrogado, Alfredo não tirava as vistas de uma manga de sua camisa, o que chamou a atenção dos presentes. Revistado, encontrou-se a quantia de 500$000, mais ou menos, dentro do forro. Interrogado sobre a origem do dinheiro, declarou Alfredo provir ela da venda, na cidade de Montenegro, de uma casa de sua propriedade. Em resposta a um telegrama do capitão Armando Ferreira, o delegado daquela localidade disse serem inverídicas as declarações de Alfredo.

Onde estão a âncora e a corrente do caíque? — O caíque de Juca tinha a reboque, ligado por uma corrente de aço, outro pequeno caíque, que também desapareceu, sendo encontrado mais tarde no trapiche do sr. Meneghetti. Porém, faltava-lhe a corrente. Do outro caíque, desapareceu a âncora. A falta destes dois objetos induz a pensar — e com muito acerto — que ambos tenham sido utilizados para afundar o corpo do canoeiro.

Uma nota de 200$000 — forte indício da culpabilidade de Alfredo — Domingo, o sr. Barcellos, ao fazer um pagamento ao canoeiro, notara em poder deste uma nota de 200$000, estampa azul e nova em folha. Agora, entre a quantia encontrada em poder de Alfredo, o sr. Barcellos reconheceu a referida nota de 200$000, bem como um bilhete da Loteria da Capital Federal.

Os antecedentes do acusado — As autoridades de Montenegro comunicaram às desta capital serem péssimos os antecedentes do acusado, que se via preso constantemente por crimes de furto [...]”
_

Fanáticos

“Os telegramas de hoje narram que a polícia de Goiás, que estava incumbida de dispersar um milhar de fanáticos reunidos em Lagoa, em torno da moça a quem chamam de Santa Dica, encontrou resistência, travando-se um combate. Nele, matou a polícia sete fanáticos e feriu numerosos. Outros voltaram para o rio, onde morreram afogados. Muitos dos fanáticos ficaram prisioneiros. Essa rapariga é inculta e boçal. Começou a fazer curas que os fanáticos atribuíam a milagres, conseguindo assim reunir milhares de populares fanatizados.”

_

Direitos
“Vai ser proposta em Washington, pelos alemães, uma ideia digna de apreço e consideração: a concessão dos direitos civis às mulheres. Se o austero S. Paulo — que, no entanto, foi um grande amigo e defensor das mulheres — ouvisse tal coisa, arrepiar-se-ia, no mínimo… Com a nossa mentalidade de hoje, habituada a grandes progressos em todas as coisas, a ideia não parece capaz de fazer tremer. Estamos habituados a ver as mulheres terem, na vida de todos os dias, um papel exatamente igual ao dos homens. E, depois que elas cortaram os cabelos e iniciaram o hábito de fumar, não se masculinizaram, mais ou menos, definitivamente? É por isso que hoje já não se encontra, nos cavalheiros, aquela delicadeza maneirosa e doce, aquele ar de que tocavam em flores quando falavam com as damas. Verdade é que há senhoras, acostumadas ao fumo e a outros hábitos inteiramente masculinos, que ainda se irritam quando um cavalheiro lhes não dá o lugar no bonde. Mas isso é uma ninharia passadista… Agora, os alemães querem trazer uma revolução notável ao mundo, concedendo às mulheres os direitos civis. É uma experiência a tentar. E, numa época em que está sendo tentada a fenomenal experiência do bolchevismo, não é demais que se faça mais esta…”

_

Primeiras edições

Da edição de 29 de outubro de 1895, terça-feira, n. 25

Contrabando

“Em resposta a telegramas daqui dirigidos pelo dr. Júlio de Castilhos, s. exa. recebeu ontem, do senador Ramiro Barcellos, a seguinte comunicação: ‘Está combinada com o ministro da Fazenda a repressão do contrabando. Único meio eficaz é o regime das zonas fiscais, já provado na prática.’”

_

Furto

“O sr. Francisco Berto Cirio passou pelo dissabor de ver-se despojado, anteontem, no Prado Navegantes [antigo hipódromo na região das atuais ruas Lauro Müller, Beirute e Simão Kappel], de seu relógio, que, por sinal, era de ouro e um bom cronômetro. A coisa passou-se tão sutil e maciamente que aquele cidadão não teve o incômodo que teria se desse pelo roubo na ocasião em que se efetuava. Antes assim.”

_

O dia 29 de outubro na história

  • 1390 O primeiro julgamento por bruxaria em Paris termina com a execução de três pessoas.
  • 1711 Nasce em Bolonha a médica e acadêmica Laura Bassi, a primeira mulher a se doutorar em ciências.
  • 1807 No contexto das Guerras Napoleônicas, o exército britânico invade e toma a cidade de Montevidéu.
  • 1829 Morre em Salzburgo a pianista Maria Anna Mozart, musicista-prodígio, irmã de Wolfgang Amadeus.
  • 1863 A Cruz Vermelha Internacional é fundada em Genebra após encontro de representantes de 18 países.
  • 1910 Inaugurada a nova sede da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.
  • 1911 Morre na Carolina do Sul o editor e político húngaro-americano Joseph Pulitzer, criador da premiação homônima.
  • 1921 Os imigrantes italianos anarquistas Sacco e Vanzetti são submetidos a segundo julgamento em Boston.
  • 1923 A Turquia se torna uma república após a dissolução do Império Otomano.
  • 1929 “Terça-feira Negra”: a Bolsa de Nova Iorque sofre crash, iniciando o período da Grande Depressão.
  • 1941 Cerca de 10 mil judeus lituanos, a metade crianças, são assassinados em apenas um dia pelos nazistas no Massacre de Kaunas.
  • 1944 O Exército Vermelho entra na Hungria durante a Segunda Guerra.
  • 1945 O presidente Getúlio Vargas renuncia por pressão militar, encerrando o período do Estado Novo e retirando-se do cargo após 15 anos.
  • 1948 Entre 50 e 70 palestinos são executados pelas forças israelenses na vila de Safsaf, na Galiléia.
  • 1956 Israel invade a península do Sinai, avançando sobre o Egito e iniciando a Crise de Suez.
  • 1957 O primeiro-ministro israelense Ben-Gurion e cinco ministros ficam feridos após a explosão de uma granada no parlamento.
  • 1964 A República Unida de Tanganyika e Zanzibar é renomeada República Unida da Tanzânia.
  • 1964 “Murph the Surf” e sua gangue roubam a “Estrela da Índia”, uma das maiores gemas de safira do mundo, do Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque.
  • 1969 A primeira conexão entre dois computadores é realizada na Arpanet, precursora da internet.
  • 1985 O militar Samuel K. Doe vence as primeiras eleições multipartidárias da Libéria.
  • 1994 Francisco Martin Duran dispara mais de 20 tiros de rifle contra a Casa Branca, sem ferir ninguém.
  • 1998 O furacão atlântico Mitch, segundo mais mortífero da história, atinge Honduras.
  • 2004 A emissora árabe Al Jazeera exibe vídeo de Osama bin Laden admite responsabilidade pelos ataques de 11 de Setembro em Nova Iorque.
  • 2012 O furacão Sandy, o maior em diâmetro já registrado, atinge a costa leste dos EUA, matando centenas de pessoas.
  • 2015 A China anuncia o fim de sua política de filho único após 35 anos.


* A grafia está atualizada para as normas atuais, à exceção dos nomes próprios

Mais Lidas