Crônica: papo sobre viagem

Crônica: papo sobre viagem

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 Seres humanos adoram se distinguir dos seus iguais. A fama e o dinheiro são formas de distinção. Precisamos de sistemas de hierarquização social. Usar produtos de marca é uma modalidade de classificação. Não suportamos parecer frangos num aviário. O consumismo é a principal forma de separação entre nós. A escolha, como dizem especialistas, se dá sempre na produção. Temos o direito de escolher entre um Iphone e um Smartphone. O importante é que o mercado nos ofereça pequenas diferenças para comprar.

A viagem tornou-se um excelente diferencial. O mundo da classe média divide-se entre os que viajam muito, os que viajam pouco e os que nunca viajam. Estes, coitados, são vistos como párias. A viagem como sistema de hierarquia social produz conversas extraordinárias e quase literárias.

– Milão é maravilhosa.

– Sem dúvida. Bela cidade.

– Tem um clima muito especial.

– É verdade. Muito legal.

– Você já foi?

Essa conversa se repete ao infinito. Muda apenas o nome do lugar. Em alguns casos, os nomes ficam cada vez mais desconhecidos ou exóticos:

– Kuala Lampur tem algo especial.

– É o que parece.

– É uma personalidade. Como certos vinhos.

– Impressionante.

– Você já foi?

É como um jogo. Os lances vão ficando mais altos, arriscados, ousados, tirados do fundo da cartola. É briga de cachorro com pedigree.

– Guimarães é bacana.

– Prefiro Piranhas.

– Guimarães é a própria história de Portugal.

– Piranhas é o sertão.

– Você já foi?

Outro dia, escutei uma conversa posterior a uma desses duelos de viajantes. Um casal, num restaurante aclamado, comemorava uma vitória:

– Você meteu seis “você já foi” neles!

– Um atrás de outro, amor.

– Viste a cara dela cada vez que você emplacava um?

– Claro que vi. Não tem preço!

O perigo é a fake news. Pode haver até dupla falsificação:

– Palá é uma gracinha.

– Eu sei.

– Tem uma atmosfera, uma aura, um halo.

– Eu sei. É como Lapá.

– Você já foi lá a Palá?

– Claro. Óbvio. E você já foi a Lapá?

– Várias vezes.

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