Deltan Dallagnol e suas múltiplas funções

Deltan Dallagnol e suas múltiplas funções

Procurador da Lava Jato queria ser Batman

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Muita gente se atrapalha com as atribuições dos procuradores do Ministério Público, instituição consagrada pela Constituição de 1988. O que pode fazer um membro do MP? Tenho um amigo que simplifica: se investiga, é policial. Se é policial, quer prender. Se pode prender, não gosta de quem absolve. Meu amigo gosta de literatura policial. Exagera nas definições. Deltan Dallagnol seria o policial mais famoso do Brasil. Um policial pode investigar, por livre e espontânea curiosidade, um ministro do Supremo Tribunal Federal? Pode tentar interferir na nomeação de um ministro para o Superior Tribunal de Justiça? Pode isso, Deltan?

      Em princípio, não. O que explica, então, que Deltan Dallagnol, segundo as mais recentes revelações do site The Intercept, em parceria com o jornal Folha de S. Paulo, tenha tentado vasculhar a vida pessoal do ministro Dias Toffoli e da esposa dele? O que justifica a tentativa do mesmo operoso Deltan de impedir a entrada de Humberto Martins no STJ? Ficará nos anais das intromissões indevidas esta mensagem de Dallagnol ao chefe de gabinete do Procurador-Geral da República Rodrigo Janot: “Pelella, queria refletir em dados de inteligência para eventualmente alimentar Vcs. Sei que o competente é o PGR rs, mas talvez possa contribuir com Vcs com alguma informação, acessando umas fontes. Vc conseguiria por favor descobrir o endereço do apto do Toffoli que foi reformado?” Deltan certamente não reconhecerá a autenticidade da fala.

      Deltan Dallagnol já foi adepto do vazamento republicano, aquele que, pelo valor do conteúdo, absolve a ilicitude da forma. Não é correto o MP vazar alguma coisa para um órgão da imprensa. Mas isso aconteceu. O direito de a sociedade saber o que a afeta serviu de justificativa. Não é fundamental que a sociedade saiba das manobras do MP, ou de um dos membros mais conhecidos, para tentar “salvar” o Brasil de maus ministros do STF ou de candidatos a ministro do STJ citados em delações? A história da humanidade divide-se em duas partes. Esta simplificação supera tudo que meu amigo já disse: ser pedra ou vidraça. Deltan adora ser pedra. É a sua função. Quando lança a pedra, observa com deleite a sua trajetória. Há percursos em que ela descreve uma parábola. Genial.

      O pedregoso Deltan não pode aceitar a condição de vidraça. Não encontra essa atribuição no manual do perfeito procurador do MP. Dallagnol viu-se esculpido em pedra como herói por um Rodin imaginário. Tinha pedestal e imponência. Já se via imortalizado no museu da pátria. Não pode agora tolerar que pombas defequem na sua estátua. O conteúdo emancipador já não o impressiona. Redescobriu a importância da forma. Não atina, por enquanto, que a mesma regra deve valer para todos. Como se dá um papel messiânico, exige tratamento especial. A liberdade de imprensa constrange-o. Como pode a mídia divulgar informações que foram obtidas por terceiros de forma ilegal? O presidente da República considera isso equivalente a um ato de receptação. Antes não era? Deltan queria ser Batman.

O STF já o vê como vilão.

 

     

 


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