Gilmar e Michel

Gilmar e Michel

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 Numa semana Gilmar pega carona de avião com Michel para Lisboa. Na outra Gilmar vai jantar com Michel sem que isso conste na agenda oficial do presidente. Gilmar afirma que tem camaradagem com Michel há 30 anos. A lealdade aos amigos é uma qualidade. As funções públicas, porém, impõem certos rituais. Gilmar Mendes é ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Michel Temer, por força do destino, da Constituição e de algumas maquinações de bastidores, virou presidente da República. Eles ainda são os mesmos?

Não. A velha amizade agora precisa ser enquadrada pelos papeis que encarnam. Gilmar deve julgar Michel no processo das contas de campanha da chapa Dilma/Temer. Manda a regra e o bom senso que se mostrem mais distanciados. Gilmar é o judiciário. Michel, o executivo. Devem representar a separação e a independência dos poderes. Alguém acredita mesmo que na intimidade das conversas de avião e de jantar eles nunca falam do que lhes interessa? Ao não se desgrudar de Michel, Gilmar passa uma mensagem: não está preocupado com as aparências. Ao contrário: legitima a imagem de Michel.

Os sucessivos encontros de Gilmar com Michel sinalizam para quem quiser ver uma única coisa: se depender de Gilmar, Michel ficará no poder custe o que custar. Dilma poderá ser cassada. Michel, não. Pode ser que Gilmar tenha uma cartilha semiótica diferente e pretenda provar que está acima de tudo, de qualquer suspeita e de todas as amizades. A etiqueta dos jogos de poder recomenda que ele e Temer só se encontrem na situação atual em eventos públicos, formais e impessoais.

Há muito que Gilmar se apresenta como um militante político encastelado no STF e no TSE. Vez ou outra, dá opiniões polêmicas defensáveis até por quem não o admira. Em geral, contudo, pega a contramão para defender o indefensável em termos universais. Se todos pedem sorteio urgente para a indicação do sucessor de Teori Zavascki, ele entende que não há necessidade de pressa e que o novo relator pode ser mesmo o futuro ministro indicado por Michel.

No caso, o relatado indicaria o seu relator.

A relação entre Gilmar e Michel é promíscua. Segundo o termo clichê, incestuosa. Se Dilma e Lewandowski ou Dilma e Toffoli se encontrassem dessa maneira despudorada a gritaria da mídia seria ensurdecedora. Lewandowski e Toffoli sempre foram suspeitos de petismo. No STF, no entanto, Toffoli tem sido um fiel escudeiro de Gilmar. O Supremo Tribunal Federal é um universo opaco. Teori Zavascki, ao contrário de Gilmar, só falava nos autos.

Mas cometeu um pecado: deixou o deputado Eduardo Cunha, crivado de acusações, conduzir o impeachment da presidente Dilma, só o afastando, pelas razões que já eram do seu conhecimento e por ele deveriam ser avaliadas, depois do fato consumado. Era sua obrigação salvar Dilma? Não. Talvez fosse sua obrigação impedir que um futuro presidiário, com acusação formada, depusesse uma presidente da República por vingança e conveniência. Agora se diz que ele teria tentado ou pretendido sem sucesso. Pode ser. Não está claro. Nada está claro neste Brasil de Gilmar e Michel.

A proximidade constrangedora de Gilmar e Michel é a cara do Brasil: aqui as aparências não enganam. Revelam tudo.

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