Machismo, racismo e homofobia

Machismo, racismo e homofobia

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Tinha razão Roger Bastide: o Brasil é uma terra de contrastes. Resta saber se as demais não o são também. O sociólogo francês quis dizer, obviamente, que entre nós os contrastes eram mais acentuados. Continuamos assim. Somos a terra do biquíni fio-dental, mas não toleramos o topless. As europeias mostram os seios com facilidade, embora fiquem vermelhas só de olhar os biquínis das brasileiras. Somos a terra dos bumbuns de fora e da nudez total no carnaval, mas, pela tal pesquisa que correu mundo, achamos, como lamentáveis machistas, que mulheres usando roupas curtas merecem ser atacadas e violentadas. Não eram 65%, mas só 26% que pensam isso. Ainda é muito.

Somos uma terra de mestiçagem, mas continuamos a praticar um racismo que vai do velado ao explícito. Somos o país do futebol. Não deixamos, porém, de menosprezar negros que nos dão brilho nesse esporte. Somos uma terra de tolerância, embora estejamos cada vez mais intolerantes com certas diferenças. A homofobia viceja em atitudes, piadas, comportamentos e imaginários. Somos, como imaginou Stefan Zweig, o país do futuro, mas continuamos enterrados no passado de alguns preconceitos: racismo, machismo, homofobia, sexismo e até especismo.

Há lugares no Brasil, como o Rio de Janeiro, em que todos estão misturados e separados ao mesmo tempo. Juntos como água e azeite: a madame e sua empregada uniformizada um passo atrás. Todos na mesma praia. Cada classe na sua raia. Nossos contrastes acomodam-se. Nossos liberais combatem o Estado com financiamentos do BNDES. Nossos esquerdistas enfrentam o capitalismo com financiamentos de campanha de empresas privadas. Nossos moralistas pagam por sexo virtual. Nossos humoristas lutam pelo direito total ao bullying, à ofensa e ao politicamente incorreto.

Nossos militares gabam-se de ter salvado a democracia com uma ditadura. Nossa elite branca e rica reclama de estar perdendo vagas nas universidades públicas gratuitas para negros pobre impostos por cotas raciais racistas e antimeritocráticas. Nossos homofóbicos garantem que está quase impossível ser heterossexual entre nós. Nossos racistas sustentam que nada têm contra negros ou que deveriam se sentir discriminados quando um deles é chamado de branquelo, alemão, gringo ou ruivo.

Somos abertos aos novos tempos, mas mulher de roupa curta e sensual é vadia, vagabunda, cachorra, cadela, puta e sem-vergonha. Somos a terra de todos os ritmos musicais, mas nossas pessoas de “bom gosto” rotulam o funk de chinelagem suburbana. Somos o país da criatividade, embora o sertanejo universitário escreva letras primárias. Somos o país da impunidade ainda que as cadeias estejam superlotadas de ladrões de galinha e vazias de praticantes de crimes de colarinho branco. Somos o país em que o STF julga conforme o cliente.

Somos um país hipócrita. Adoramos roupas curtas na irmã e na mulher dos outros. Demitimos as gostosonas que se excedem no vestuário. Depois, compramos, para examinar melhor o “material”, a Playboy em que elas aparecem. Pregamos moral de cuecas. Só que são cuecas de marca. Cuecas marcadas por homofobia, racismo e machismo.

 

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