Moderna conversa de aplicativo

Moderna conversa de aplicativo

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Sou um cara moderno, pós-moderno e hipermoderno. Salvo quando, repentinamente, me torno pré-moderno, o que só acontece uma vez por dia. A minha hipermodernidade aparece em tudo o que eu faço: andar de ônibus, não saber dirigir, não ter caixa de ferramentas e acreditar que a goleada de 7 a 1 que Brasil tomou da Alemanha foi o resultado mais enganoso do milênio. A minha pós-modernidade se expressa no meu gosto por alfinetar os modernos. A minha pré-modernidade consiste em não ter cachorro pela seguinte razão: não tenho pátio. Moro em apartamento. E a minha modernidade onde fica? No gosto por aplicativos.

Sou um sujeito de i-phone. Celular nunca me interessou.

Por ser uma figura de aplicativos, utilizo o easy táxi. Outro dia, disparei uma mensagem desse sensacional aplicativo para chamar um táxi. Só podia. O easy não chama ônibus nem lotação. Nem urubu de meu louro. O aplicativo, depois de me enviar os dados do carro e o nome do motorista, mandou outra mensagem: “Vou dar uma volta no quarteirão”. Algo assim. Fiquei decepcionado. Concluí: desistiu. Tentei ligar. Não conseguiu. Pedi que o motora me ligasse. Não tive resposta. Já ia usar o sistema convencional pré-moderno de levantar a mão para atacar o primeiro táxi livre que passasse. Detesto esse tipo de retrocesso tecnológico. É uma derrota de ciência para taxar com a mão levantada. Fazer o quê? Ia culpar o fiasco diante da Alemanha.

Nesse momento, chegou o táxi. Era o meu. Entabulei uma conversa com o motorista.

Posso dizer que foi bastante esclarecedor. Assim.

–– Que história foi essa de volta no quarteirão?

–– Ah! Fui fazer o retorno.

–– Por que não falaste?

–– Não tem essa opção nas mensagens do aplicativo, meu amigo. Esse é um bagulho feito em São Paulo. Lá, quando as pessoas vão fazer o retorno, dizem que vão fazer a volta no quarteirão. Não sabia?

–– Estou impressionado.

–– Aplicativo, amigo, tem linguagem própria.

–– Mesmo?

–– Claro. Não tem aplicativo gaúcho. Nenhum fala como nós.

–– Sério?

–– Já viu aplicativo dizer tchê?

Calei a boca. Discretamente comecei a verificar cada aplicativo do meu celular. Quer dizer, do meu i-phone. Celular é pré-moderno. Ou moderno. I-phone é pós ou hipermoderno. Demoramos para chegar na minha casa. Eu tinha pressa de ficar sozinho com o telefone para falar com meus aplicativos. Queria ficar verificar as gírias de cada um. Teria algum aplicativo carioca?

Algum app francês? Argentino?

–– Aplicativo é bicho estranho, amigo. É tudo meio na base do vamos estar transferindo a sua ligação. Sabe? – disse o motorista.

Fiquei desolado. Não tive coragem de abrir qualquer aplicativo desde então. Toda vez que olho para o meu i-phone, digo para ele:

–– Vou dar uma volta no quarteirão. E não dou retorno.

 

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