Na era das conspirações

Na era das conspirações

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Eis a fórmula: tudo é conspiração. A Cambridge Analytica usou o Facebook numa grande conspiração que tirou a Inglaterra da União Europeia e botou Donald Trump no poder. Lula e o PT denunciam há muito tempo que são vítimas de uma conspiração urdida pelas classes dominantes por meio do judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal, da mídia e, quem sabe, dos astros. Nas conspirações tudo pode se inverter de um sessão do pleno para outra. Os ministros do STF indicados por José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso – Celso de Melo, Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes respectivamente – votarão a favor de Lula nesta quarta-feira. Já dois indicados por Dilma Rousseff – Luís Roberto Barroso e Edson Fachin – farão o caminho inverso. Como se explica?

Conspirações são complexas e contraditórias. O judiciário se diz vítima de conspiração quando é criticado por embolsar um vergonhoso auxílio-moradia. Segundo magistrados, trata-se de represália contra o empenho da justiça no combate à corrupção. Como pode a mesma população que apoia o combate à corrupção e ataca o auxílio-moradia querer conspirar contra o judiciário? Mistério. Entramos na era definitiva das conspirações. Todos conspiram contra todos. O fim do mês sempre conspira contra o poder aquisitivo dos nossos salários. O politicamente correto conspira contra o direito milenar de humilhar os outros. Paulo Maluf sempre se viu como vítima de uma conspiração.

A mais nova vítima de conspiração seria o inocente e pacato presidente Michel Temer. Ele entende do assunto. Conspirou para tomar o lugar de Dilma Rousseff. Segundo o fiel escudeiro de Temer, o ministro Carlos Marun, o anúncio da candidatura de Michel Temer à eleição presidencial despertou os “canhões da conspiração”. Como pode uma candidatura com 1º% das intenções de votos nas pesquisas desencadear uma conspiração com apoio da Procuradora-Geral da República e de um ministro do STF? Mais um enigma. Conspirações não se fazem sem tramas enigmáticas.

O raciocínio dos que denunciam conspirações é cristalino como um rio cruzando a capital paulista: se uma conspiração é verdadeira, todas podem ser, especialmente as falsas. Se a Cambridge Analytica conspirou, por que a PGR e o STF não fariam o mesmo com o pobre do Temer, um homem dedicado a mudar o Brasil com ajuda dos amigos? Uma conspiração para ser denunciada precisa ser inverossímil. Quem acreditaria numa conspiração via Facebook para bancar o Brexit? É o que pensam e sustentam os aliados dos políticos que se dizem objetos de conspiração, que não é mais teoria, mas realidade. Como se prova que há conspiração? Pela lógica. Se Barroso vota contra Lula é para melhor conspirar contra Temer. Disfarça o seu petismo. Faz sentido?

Nenhum. Ou demais. Justamente por isso ganha força. Eu tenho sido vítima de uma insidiosa conspiração. Não quero ficar para trás. Forças ocultas conspiram para que eu não ganhe o Nobel da literatura. Estão mancomunadas com a mídia internacional. Trabalham para ocultar minhas obras-primas. Favorecem autores menos talentosos. Não me calarão. Nem Temer. Nem Marum.

A grande conspiração do momento reúne juízes e procuradores para descumprir a Constituição em nome do combate à impunidade. A causa até pode ser justa. O problema é o que fazer da dita Carta Magna. O procurador Deltan Dallagnol escreveu que o STF pode decidir do jeito que quiser. A Constituição nesse caso não passa de um mecanismo de ficção. A ideia é simples: há tanta coisa não cumprida na Constituição, por que então encasquetar com essa tal de presunção de inocência?

 

 

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