O general em seus preconceitos

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Afirmações racistas

O general Mourão, candidato à vice-presidência na chapa de Jair Bolsonaro, cometeu racismo duplo ao dizer que o Brasil herdou a indolência dos índios e a malandragem dos africanos. A antropologia do século XIX foi em boa parte determinista. Acreditava-se em determinações sociais por meio, clima, raça. A totalidade de um grupo seria determinada por fatores desse tipo. Trabalhei esse tema em meu livro “Anjos da perdição: futuro e presente na cultura brasileira”.

Até o endeusado filósofo Hegel cometia graves simplificações. Ele acreditava que “cada povo tem seu princípio” tendendo para ele como se esse principio constituísse a finalidade da sua existência. Os brasileiros tentaram capturar esse espírito. Para Sílvio Romero, diversidade era o problema: "Falta de um caráter étnico original; falta de coesão; disparidade de elementos; o presente e o futuro". Nina Rodrigues, médico e psiquiatra, atacava as maléficas influências da mestiçagem. Ele acreditava que as raças se diferenciavam em superiores e inferiores, sendo que a mais apurada venceria no decorrer da inter-relação, e que a vida era um processo de aperfeiçoamento moral, racial, intelectual e psíquico. O ideal consistiria em refrear as paixões e dominar os sentimentos que, segundo o pensamento de Hegel, seriam "uma forma que o homem possui em comum com o animal”.

Os deterministas seguiam principalmente Gobineau e Agassiz. O conde de Gobineau visitou o Brasil. Ele se tornou conhecido com o “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas”, no qual proclamou a superioridade da raça branca. Agassiz publicou, em 1868, Journey in Brazil. Gobineau negava a influência do meio social e geográfico. Cada raça, para ele, tinha sua maneira de pensar e era impossível ao europeu civilizar o negro e as demais raças inferiores. De Gobineau, Nina Rodrigues herdou o pessimismo. O Brasil estaria atolado no seu atraso racial. De qualquer modo, o aperfeiçoamento gradual que adotou lhe dava alguma esperança na civilização dos pobres brasileiros.

O naturalista Harvard Louis Agassiz entendia que havia uma distribuição natural de homens desiguais em regiões desiguais. A hierarquia racial seria um dado incontestável da natureza. A diferença, portanto, determinava a hierarquia e a imobilidade ou a lentidão no aprimoramento humano. Como levar, então, o Brasil ao patamar europeu? O escritor Euclides da Cunha, defensor da teoria dos contrastes - interior versus litoral -, achava, porém, que o Brasil estava condenado à civilização. Autor de um clássico da literatura brasileira, “Os Sertões”, Cunha apostava na força do seu povo e nas virtudes do lento aperfeiçoamento. Hegel relativizava a influência do clima, mas afirmava que zonas quentes e frias não eram favoráveis à liberdade do homem. Para ele, os habitantes do Novo Mundo viviam como crianças. A civilização seria litorânea e temperada. Chile e Peru, segundo Hegel, não tinham civilização. Uns tais de incas não contavam.

O general Mourão recuperou uma tradição determinista. Não se contentou em falar velhas bobagens. Praticou o velho racismo transformado em pseudociência por intelectuais europeus. Triste assim.

 

 

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