O mundo paralelo do judiciário brasileiro

O mundo paralelo do judiciário brasileiro

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A justiça brasileira é mundo à parte.

Um planeta Marte habitado por homens de toga.

A lei da gravidade não tem o mesmo mesmo nesse universo com rotação singular.

Um universo paralelo com regras próprias. A regra mais impressionante é a falta de regras.

É verdade que isso não é exclusividade do judiciário. A presidência da República não tem prazo para indicar ministro do STF. Faz quando bem entende. Pode levar uma semana ou um ano. Um ministro do STF pode pedir vistas num processo ou julgamento e ficar sentado em cima para sempre. É o caso do ministro Gilmar Mendes. Ele colocou as suas nádegas togadas sobre a votação do financiamento empresarial de campanha e assim se mantém. Pouco lhe importa que seis colegas seus tenham votado antes pela proibição dessa prática de corrupção. Mendes não quer votar contra.

Decidiu sozinho que não tem mais votação.

Algo semelhante ocorre nas tais prescrições por idade. Os jornalistas da Folha de S. Paulo, Frederico Vasconcelos e Ricardo Mello, destacaram um caso singular: o deputado tucano paulista Barros Munhoz foi acusado de desvios de recursos públicos na condição de prefeito de Itapira. O desembargador Armando de Toledo acomodou-se confortavelmente em cima do processo por providenciais três anos. Prescreveu. O prazo da prescrição da chamada pretensão punitiva cai pela metade quando o réu completa 70 anos. Tudo contabilizado, o larápio está livre. Se é para baixar a idade penal, mandando adolescentes para presídios comuns, seria interessante também aumentar o teto da idade para qualquer vantagem penal, em tempos de aumento da expectativa média de vida, para, no mínimo, 80 anos. Ainda mais que, com a PEC da bengala, os ministros do STF poderão sentar em cima de processos até os 75 anos.

Se pode julgar, condenar e absolver depois dos 70 anos, por que não poderia ser punido, como qualquer um, sem qualquer benefício decorrente da idade?

A impunidade, concedida por certas vantagens da velhice, é mais grave que abaixo dos 18.

O judiciário não parece se incomodar com essas inconsistências que, no imaginário popular, indicam julgamentos conforme o cliente. Se for conveniente, acelera-se o passo. Se for interessante, esquece-se o assunto.

No caso dos tucanos, vide o caso do mensalão mineiro, a regra, na falta de regras, é deixar para lá. Mesmo o que acontece antes é julgado depois. Ou nem é julgado.

Não tem ninguém no STF para, no elevador mesmo, ao pé do ouvido, ou alto e bom e som dizer:

– Ministro Gilmar Mendes, dê o seu voto até tal dia.

Pedir vistas significa nunca mais ver o assunto em pauta. O pedido de vistas tapa os olhos de todo mundo. Gilmar Mendes até tem razão ao dizer que o assunto é do Congresso Nacional. Nesse caso, cabe-lhe votar contra ou abster-se. O seu objetivo, no entanto, é melar a votação. O judiciário adora jeitinhos. Prazos e regras engessam. Melhor deixar margens para manobras e interpretações. Abra os olhos, ministro Gilmar Mendes, o seu pedido de vistas está na mira de todos. Imagino o pensamento do homem acima dos mortais: “Ninguém pode me obrigar”. No mundo paralelo da falta de regras óbvias, acima do bem e do mal, pedido de vista é apenas um chicana jurídica.

No planeta dos homens togados a única lei universal é a particular.

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