O STF na era da pós-verdade

O STF na era da pós-verdade

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Tem muita gente que ainda não entendeu esse negócio de pós-verdade. É simples: verdade é aquilo no que cada um crê.

O leitor, por exemplo, me acha genial, imparcial e profundo sempre que a minha opinião coincide com a dele.

Não existe mais fato. Apenas interpretação do fato.

Não existe regra escrita. Somente entendimento de quem julga. Está consagrado que é impossível escrever algo acima das interpretações. Eu, cada vez mais neopositivista, penso o contrário. Qual o entendimento possível de uma norma com esta redação: nenhum réu poderá assumir os cargos de presidente da República, presidente do Senado, presidente da Câmara dos Deputados, presidente de comissões parlamentares e de ministro de Estado?

Claro que o meu pensamento não escapa da pós-verdade: é só a minha crença. Tudo é crença. Vivemos sob as crenças dos ministros do STF. O agora falecido ministro do STF Teori Zavascki recebeu um pacote de acusações contra o presidente da Câmara dos Deputados, o hoje presidiário Eduardo Cunha. Consta que Zavascki teria desejado afastar imediatamente Cunha das suas funções. Só o fez depois que Cunha derrubou a presidente Dilma Rousseff. O ministro Marco Aurélio Mello acreditou que o STF tinha um dever de coerência. Resolveu afastar Renan Calheiros da presidência do Senado quando este se tornou réu. Era só uma crença do ministro. O STF barrou-lhe o caminho e instituiu um novo patamar internacional: réu pode ficar no cargo. Pode ser que, quando o ministro Gilmar Mendes tirar seu derrière de cima do processo, se as conveniências exigirem, o STF mude de crença.

Gilmar Mendes, de forma monocrática, como os ministros do STF mais gostam, impediu Lula de ser ministro de Dilma para que ele não obtivesse foro privilegiado e obstruísse o trabalho da Lava Jato. O decano Celso de Mello, que capitaneou a operação pela permanência de Calheiros na presidência do Senado, garantiu agora que Moreira Franco, citado 34 vezes na Lava Jato, pode ser ministro com foro privilegiado. O STF consagra uma jurisprudência: a conveniência. Ora pode isto ora pode aquilo. Depende de cada caso e de cada envolvido. Constitucional é o que cada ministro do STF decide que é até o pleno do tribunal se manifestar e, às vezes, coincidir com a Constituição.

Os antigos, na pré-verdade, acreditavam que o texto escrito podia ser entendido da mesma maneira por todos. Era só uma crença. Na pós-verdade, era da liberdade de interpretação absoluta, tudo é possível, tudo é permitido, tudo é plausível, tudo que o STF quiser. Diz a lenda que dois filósofos, o francês Jacques Derrida e o alemão Karl-Otto Appel, tiveram uma discussão. Derrida, defensor de que tudo é interpretação e que cada mensagem é recebida de maneira singular pelo receptor, teria dito: “A comunicação é impossível”. Appel teria respondido: “Concordo”. É uma bela anedota. Não cola em stand-up. A maior comédia do Brasil no momento é o STF. Título: “Tudo Pode. Só depende de quem bate à nossa porta”. O STF também passa mensagens. Elas são cada vez mais negativas e sem moral.

A mais recente mensagem do STF é a seguinte: suspeito, investigado e réu podem comandar o país. asta que um ministro do STF veja isso como fundamental para a governabilidade da nação. Temos de crer no STF?

Há outros exemplos de pós-verdade: a canalhice circulando na internet de que Marisa Letícia ganharia R$ 68 mil como funcionária fantasma do Congresso Nacional. E que Lula estaria pedindo para herdar essa quantia como pensão.

Na pós-verdade o que importante é o efeito.

 

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