Paradoxo do STF

Paradoxo do STF

Tudo que o Supremo decide é legal

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A contradição é um paradoxo que não deu certo por falta de elegância. O paradoxo não é uma contradição, mas o limite da lógica, que morde a cauda. Há um paradoxo do STF ou das cortes constitucionais. Tudo o que o STF decide é constitucional, inclusive o “inconstitucional”. Se o STF decide de um jeito, acerta. Se decide do jeito contrário, acerta também. Afinal, tudo o que a suprema corte decide deve ser cumprido. Como guardião e intérprete da Constituição, o Supremo Tribunal Federal pode seguir literalmente o texto da lei, pode interpretá-lo ou simplesmente adotar um novo entendimento. Outro dia, o ministro do STF Alexandre de Moraes fez uma confissão: “No direito, a gente fala que é o ‘jus sperniandi’, o direito de espernear. Podem espernear à vontade, podem criticar à vontade. Quem interpreta o regimento do Supremo é o Supremo”.

      Vale repetir: “Quem interpreta o regimento do Supremo é o Supremo”. Cada um diga o que quiser, o Supremo acerta sempre. Quem interpreta a Constituição é o Supremo. Logo, não há erro possível. Quem não é ministro do Supremo, esperneia na base de “a lei diz literalmente outra coisa”. O Supremo não é obrigado a seguir essa suposta ou real literalidade. Consagrou-se a tese da hermenêutica radical pela qual tudo é interpretação. Em consequência, não existe literalidade. Segundo essa concepção, um texto nunca diz o mesmo para todo mundo. Depende de quem o interpreta. Certo passa a ser o que o intérprete autorizado diz que é.

      O problema do paradoxo do STF é que o sábio povo já compreendeu isso e não espera que o texto da lei seja cumprido, salvo quando lhe convém, mas que as decisões do Supremo, sempre constitucionais, correspondam aos anseios mais imediatos da sociedade. O STF decidiu enviar os crimes de caixa dois para a justiça eleitoral conforme o que diz a regra do jogo. Poderia ter feito outra escolha? Poderia. Seria legal? Seria. Para a população isso basta. Se poderia fazer, deveria ter feito. O STF é a Constituição. Isso torna os membros do STF poderosos e frágeis ao mesmo tempo. Tudo podem. Menos se esconder atrás da Constituição para justificar as suas decisões, pois a Constituição é o que a cada momento eles afirmam.

      Um ministro do STF pode sofrer impeachment por descumprimento do seu papel. Cabe ao Senado cortar a cabeça de quem se comporta mal. Passa-se do jurídico ao político? Não. Continua-se no político com embalagem jurídica. O leigo imagina o ministro do STF consultando a Constituição como quem recorre a um livro sagrado para saber o que fazer sem se afastar do que está escrito. Não é assim. Há exemplos para todos os gostos, de esquerda e direita, de ativismo hermenêutico por meio do qual o STF se afastou do que se enxerga na Carta Magna. Quanto mais esse descolamento acontece, mais o homem das ruas conclui que ele pode e deve ser ampliado. Qual o limite? A paciência dos cidadãos e os interesses daqueles que fazem parte do jogo do poder. Se o Supremo interpreta o regimento do Supremo e acabou, não há mais contradição. A civilização da escrita flerta com a incomunicação. Enquanto isso, Jair Bolsonaro aproxima-se dos três meses de governo sem ter governado. Cada ato de governo coloca o país à beira do desgoverno.

O presidente afirma; o vice corrige; o presidente da Câmara dos deputados critica; Bolsonaro retruca; os ministros confundem-se; o país aguarda o próximo twit bombástico.

 

 


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