Prevendo o (im)previsível

Prevendo o (im)previsível

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Está cada vez mais difícil acontecer algo inusitado. Tudo é previsível: o Grêmio ganhou do Juventude e do São Paulo. O STJ recusou o habeas corpus pedido por Lula por 5 a 0. O Real Madrid eliminou o PSG com gol de CR7. Rodrigo Maia é candidato à presidência da República sem votos. A lesão de Neymar domina as manchetes internacionais. A Itália está em dificuldades para formar um novo governo. A intervenção federal no Rio de Janeiro ainda não produziu qualquer efeito, muito menos o de aumentar a popularidade do presidente da República. A cerimônia do Oscar foi uma grande chatice.

Tudo se repete como nova roupagem. As séries da Netflix são enlatados de sempre com nova embalagem e grande admiração. Pré-candidatos comportam-se como candidatos e fazem campanha eleitoral antecipada por toda parte, mas só um prefeitinho foi autuado. Nas novelas de televisão, cada vez mais em crise e sempre muito vistas, personagens descobrem ou revelam que filha não era filha e mortos ressuscitam em série em nome da criatividade e da surpresa. A direita critica o suposto petismo do ministro do STF Ricardo Lewandowski. A esquerda ataca o suposto tucanismo e o governismo do ministro do STF Gilmar Mendes, o palaciano. Tudo acontece como previsto. Nada sai dos trilhos. Flui.

O prefeito de São Paulo, o tucano João Dória, não se assume como candidato ao governo do Estado, mas arranca vitória na luta pela data das prévias do seu partido. O empresariado corre para o colo de Jair Bolsonaro em busca de um ninho quentinho e seguro. O PSDB sonha em esperar o eleitor na boca da urna com um candidato tão de direita quanto Bolsonaro, mas capaz de passar como sendo de centro pela capacidade de falar com mais suavidade e decoro, ou seja, sem levantar a voz. Tudo está no seu lugar. O PMDB voltou a ser a MDB para satisfação do senador gaúcho Pedro Simon, que nunca adotou o “p”. Com ou sem “p” o partido de Temer segue sem candidato à presidência da República. O atual titular sonha com a eleição mais por uma questão estratégica: garantir o foro privilegiado e escapar do aborrecimento de ser condenado à prisão por algum juiz atrevido de primeira instância em busca de holofotes.

Tudo se dá como previsto até por quem não se deu o trabalho de prever. Para quê? Tudo acontece como só poderia acontecer: juízes farão greve no dia 15 de março reivindicando o direito de continuar recebendo um privilégio chamado auxílio-moradia. Na falta de argumento razoável insistirão que estão sendo perseguidos por combaterem a corrupção. Sem constrangimento com um desvio de finalidade, alegarão que o auxílio compensa a defasagem dos salários. Darão por legal aquilo que não passa de uma interpretação corporativa da legislação, um penduricalho do tamanho de um erro judicial.

Nada ocorre de imprevisível? Ah, sim, a quebra do sigilo bancário de Michel Temer! Como diria o outro, nunca antes na história deste país um presidente da República no exercício da função fora objeto de devassa das suas contas bancárias por determinação da suprema corte. Como previsto, Michel diz nada ter a temer. Escondido, solta cobras e lagartos contra o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, responsável por lhe impingir tamanha humilhação. Como previsto, o Brasil vira manchete negativa na imprensa internacional. Que novidade! A novidade é que somos coerentes em nossa incoerência.

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