Quando todos forçam a competência

Quando todos forçam a competência

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A regra não é clara. Cada um opera nas suas brechas. Umberto Eco cunhou esta frase sobre a indústria da falsificação, antecipando o que viria com as fake news: “A utopia da subversão produziria a realidade da reação”. O Supremo Tribunal Federal nega a Constituição Federal no seu artigo 5º, inciso XVII, ao determinar a prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Faz isso desde 2016. Portanto não começou a errar apenas para manter Lula preso. Continuou a errar e agravou o erro na medida em que existem ações relatadas prontas para julgamento, o que produzirá nova maioria determinando o retorno ao cumprimento literal da Carta Magna. Por que a presidente da casa não pauta esse julgamento? Porque não é obrigada. A sua alegação é pífia: faz pouco tempo que se votou essa matéria. Que regra determina o tempo a validar uma decisão já superada pelos ministros?

Esse é o pecado original. Daí decorrem todos os outros. O cidadão dito comum olha e vê Michel Temer na presidência, salvo pela Câmara dos Deputados, com a qual negociou cargos e emendas abertamente, apesar de robustas provas contra ele. Olha e vê Aécio Neves senador, salvo pelos pares, apesar da montanha de provas contra ele. O petista olha tudo isso e vê Lula na cadeia sem trânsito em julgado e apesar da falta de consenso sobre as possíveis provas contra ele no caso do famoso tríplex do Guarujá. Esse coquetel é explosivo. O judiciário está dividido. A sociedade está polarizada. A mídia coloca lenha na fogueira. Só ela não se divide. O seu lado parece claro. Enquanto isso, Lula lidera as pesquisas de opinião como pré-candidato à presidência da República. Se for candidato, certamente vencerá.

Nesse jogo político escancarado cada um usa as armas que possui. O ministro Dias Toffoli soltou José Dirceu com um argumento de ocasião: a plausibilidade jurídica de êxito do seu recurso. Deu um drible na decisão do STF de prender depois da segunda instância. O desembargador gaúcho Rogério Favreto tentou libertar Lula com outro motivo de conveniência: a pré-candidatura de Lula à presidência. A causa virou consequência. A consequência virou causa. Se Lula não pode ser candidato por estar condenado em segunda instância e preso, determine-se a sua libertação. Esperou-se o plantão de Favreto para entrar-se com o pedido de HC. O plantonista forçou a competência. Podia fazer o que fez, mas precisava de um fato novo convincente.

Não tinha. As reações foram juridicamente disparatadas. Sérgio Moro nada tinha a dizer sobre o caso, pois não era, no jargão do juridiquês, autoridade coatora ainda que indevidamente citado nessa condição. Gebran Neto, de folga, estava sem jurisdição e competência. A titularidade era do plantonista. A resolução 71 do CNJ proíbe reiterações. Mas o plantonista muniu-se de um pretenso fato novo. O presidente do TRF-4 agiu como um chefe que decide resolver a briga dos subordinados. Mas não há subordinação dessa ordem. O senso comum sobrepôs-se ao senso jurídico. Petistas não brigariam contra a segunda instância se o preso fosse Aécio Neves ou Michel Temer. Talvez esse entendimento já tivesse sido alterado se um deles fosse o presidiário.

Os sete erros do domingo jurídico:

1) Plantonista forçou a sua competência com fato novo antigo e inconsistente;

2) Polícia Federal descumpriu flagrantemente ordem judicial;

3) Sérgio Moro extrapolou a sua possibilidade de atuação;

4) Gebran Neto agiu sem jurisdição;

5) O presidente do TRF-4 decidiu no limbo da norma;

6) Política e ideologia se sobrepuseram à lei;

7 ) Colega não pode desautorizar plantonista;

Contra a subversão constitucional tem se erguido a realidade da reação. Excesso de interpretação é o apelido da subjetividade, cujo nome de batismo é ideologia. Todos são parentes. De agora em diante um clichê não será mais absorvido passivamente como se fosse um mantra:

– Decisão de justiça é para se cumprir.

– Depende.

– De quê?

– De quem decide, de quem deve cumprir e de quem é beneficiado.

Entreouvidos: direita pretende politicamente sem provas consistentes. Esquerda tenta soltar ideologicamente sem motivo forte.

 

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