Oscar Bessi

Rio de sangue: quais serão as próximas ações contra o crime?

Corpos ainda estão sendo encontrados e a conta parece longe de fechar

Mais de 2.500 policiais foram utilizados na operação no Rio
Mais de 2.500 policiais foram utilizados na operação no Rio Foto : MAURO PIMENTEL / AFP

O nem sempre eficiente enfrentamento ao terror imposto pelas facções criminosas, neste país, viveu mais um dramático capítulo ontem. E naquele que se tornou o símbolo da bagunça e da violência imposta pelos poderes paralelos: o Rio de Janeiro. A megaoperação operação policial nos complexos da Penha e do Alemão, na zona norte da capital carioca encerrou com um saldo de quatro policiais mortos e dezenas de traficantes. Corpos ainda estão sendo encontrados e a conta parece longe de fechar.

Mais de 2.500 policiais foram utilizados na operação, que não contou com apoio federal – e aí está a primeira rusga política incompreensível, numa hora tão delicada: saberemos se houve planejamento e pedido de apoio, se não houve, se foi negado, ou tudo vai virar só mais um joguete político sobre responsabilidade, discursos distantes e firulas ideológicas, enquanto policiais e moradores perdem a vida?

São Paulo mostrou como um grupo criminoso é ousado e está nem aí, ao monitorar autoridades para assassinar, numa tentativa de deixar claro, como na morte do Delegado Ruy Fontes, que não tem limite e nem medo da lei e muito menos barreira moral. É o caos para as autoridades? Em Fortaleza, um vendedor ambulante foi executado, este mês, por não pagar a taxa semanal à facção – mesma esta que manda lá no Rio e está tomando conta de diversos estados do país. É, o caos ao cidadão comum já é rotina faz tempo em muitas capitais.

Situação complexa? Nem tanto. Complexo é entender o monte de imposto que a gente paga e, na maioria das vezes, não dá qualquer retorno. Como nestas comunidades. O que acontece nas favelas do Rio é um pouco mais simples: o Estado some por décadas, se embrenhando nessas comunidades sorrateiro, entre conchavos e alianças oportunistas e corrupções, depois aparece de fuzil em punho, tentando resolver em dois dias o que deixou apodrecer por cinquenta anos.

O roteiro é velho, no Brasil: comunidades inteiras abandonadas, escolas sem estruturas decentes, saneamento que nunca chegou, dignidade esquecida, jovens sem futuro - e o tráfico oferecendo o que o governo nunca ofereceu, como pertencimento, poder e um salário pago a preço de pó, pólvora e medo. Aí, quando o barril transborda, o Estado reaparece, tentando apagar incêndio com gasolina. E o país inteiro assiste da janela, entre a indignação e a preguiça.

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Sim, a operação era necessária. E será necessário muito mais. Não dá pra deixar seja lá que facção criminosa for, e onde for, transformar comunidades em feudos e moradores em reféns. Quem vive lá, sabe: o terror é cotidiano, criança não brinca, mãe não dorme, trabalhador desce o morro pedindo licença para viver, ambulância não entra porque tem barricada, assim como não entra o recolhimento do lixo, o táxi, o uber, a van escolar, a entrega de remédio, coisa nenhuma.

Não é só para barrar caveirão, como os desavisados pensam. É para escravizar, torturar, extorquir quem mora sob o jugo desses poderes criminosos. Para que eles cobrem tudo do jeito e nos valores que bem entendem. Quem não aceitar, é expulso ou morre. Quantas famílias simplesmente são expulsas de casa pelos criminosos, todos os dias, em diversas cidades do Brasil?

Há quem enfrente. Há quem acredite. Ninguém acorda policial para morrer por nada. Esses quatro homens, dois policiais civis e dois integrantes do BOPE, sabiam do risco. E mesmo assim foram. E tombaram, heroicamente, defendendo um ideal e uma sociedade que talvez só vá existir nos sonhos dos que ainda tem fé, porque, apesar da falência moral do Estado, ainda há quem aposte que vale a pena vestir um uniforme ou uma farda em nome de convicções. Que o dever não é piada. Que proteger o cidadão e a cidadania, mesmo num cenário de guerra, mesmo com o sacrifício quase óbvio da própria vida, é o que ainda separa a civilização da barbárie.

E, no entanto, é curioso: quando o policial erra, vira manchete. Quando acerta, vira estatística.

Essa preocupação de hoje com a “letalidade da operação” parece esquecer que quem começou essa contabilidade de sangue foi o crime — aquele que nunca respeitou feriado, lei ou direitos humanos. É fácil pedir “diálogo” quando quem tem o fuzil apontado pra cabeça é o outro.

E só isso certas autoridades brasileiras parecem serem doutos: não sabem o que acontece. Não sabem o que o povo passa.

No fim, o Rio segue o mesmo: o morro chora, o asfalto opina, e o Estado faz de conta que está resolvendo. E some. E se atrapalha. E negocia. Até a próxima operação. Até os próximos velórios. Até a próxima opinião distante e contundente de um especialista qualquer sobre “a complexidade do problema”, na voz de quem jamais enfiou o pé naquela lama manchada de sangue e dor.

O que se fará agora? O que se fará depois? A ação vai continuar? O estado vai recuperar para si a dignidade desses lugares e fazer tudo, mas tudo mesmo, o que precisa ser feito? Pois os traficantes seguirão recrutando adolescentes com a mesma eficiência com que o poder público produz desculpas, intrigas e cria barreiras, na sua briga entre poderes, cujo único resultado prático é fortalecer a sua ineficiência. Ou apelidar a inércia de proteção.

Já os policiais continuarão indo ao combate diário. Sem aplausos, sem glamour. Porque, no fundo, alguém precisa acreditar em algo. Para tentar impedir que o inferno tome conta de tudo.

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