A esparrela da patota

A esparrela da patota

Para servir à narrativa esquerdista, João Alberto virou de uma hora para outra “Beto”, pura e simplesmente, como se houvesse ali alguma intimidade entre ele e aqueles que viram uma oportunidade

Guilherme Baumhardt

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No dia 25 de novembro de 2019, a soldado da Brigada Militar Marciele Renata dos Santos Alves era morta durante abordagem, na cidade de Sério. Atropelada covardemente por criminosos que roubaram uma caminhonete, deixou família e amigos aos 28 anos. Ontem, um ano da tragédia, as homenagens ficaram restritas à própria BM. Não se tem registro de atos ou manifestações, especialmente de partidos de esquerda, em tributo à policial. Aos que não sabem, Marciele era negra.

Este fato escancara a seletividade e o oportunismo com que determinados grupos políticos tratam a questão racial. Se há como capitalizar, a gente fatura. Se não interessa, deixa de lado. Citei na semana passada o caso do vereador de São Paulo Fernando Holiday – negro e gay. Hostilizado, chamado de capitão do mato, alvo de um atentado a tiro, não recebeu a solidariedade daqueles que empunham a defesa da luta contra o racismo. Holiday, na visão deles, talvez não seja tão negro assim. Ou talvez esteja do lado errado. É de direita.

Não há aqui qualquer tentativa de relativizar a tragédia, o assassinato de João Alberto, ocorrido na semana passada, véspera do Dia da Consciência Negra. Não retiro uma palavra do que escrevi na coluna do sábado passado: revolta, náusea, covardia. A crítica aqui é à transformação de um crime em tentativa de captura de votos. Há relatos de distribuição de santinhos nas manifestações que ocorreram em frente às lojas do Carrefour. Millôr Fernandes certa vez disparou na direção daqueles que receberam gordas indenizações do governo por perseguição durante a ditadura militar: “Afinal, era ideologia ou investimento?” A pergunta aqui é: estão vendo ali um crime ou uma oportunidade?

Na busca incansável por mártires, João Alberto não veste o personagem perfeito idealizado pela esquerda porque pesam contra ele acusações de violência doméstica – foi preso duas vezes, enquadrado na Lei Maria da Penha. O jornalismo (militante?) da Folha de S.Paulo resumiu a agressão contra a ex-companheira na expressão “marido errático”. Depois de uma enxurrada de críticas, a manchete mudou: “Marido violento com a ex”.

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso consegue abominar o crime ocorrido no dia 19 de novembro, sem ignorar que a vítima tinha algumas passagens em vida que não devem servir de modelo ou inspiração. Para a esquerda que vive de bandeiras, a máquina dá pau. Qual bandeira empunhar agora? A que diz “Vida negras importam”? Ou aquela que diz “Lute como uma garota”? A turma entra em colapso.

O Brasil tem, sim, racismo. Mulheres, sim, são alvo de discriminação e violência. Para que a gente coloque os pingos nos “is” e resolva estes problemas é preciso deixar de lado essa patota que mais atrapalha do que ajuda. Falta racionalidade e inteligência no debate. Sobram interesses – inclusive eleitorais. A ficha corrida de João Alberto de maneira alguma justifica a asfixia a que foi submetido. De maneira alguma explica o assassinato. A razão nos leva a cobrar a punição dos responsáveis pelo crime. Se há ali um componente racial, que ele entre em julgamento e, se for o caso, no somatório da pena.

Para servir à narrativa esquerdista, João Alberto virou de uma hora para outra “Beto”, pura e simplesmente, como se houvesse ali alguma intimidade entre ele e aqueles que viram uma oportunidade. Para a família e amigos, sim, o “Beto”. Para quem está de olho no dia 29 de novembro, não. Em Porto Alegre, a candidata a vereadora pelo partido Novo, Sâmila Monteiro, também foi vítima de preconceito durante a campanha. Ela também é negra. Sâmila não virou “Sâmi”, assim como a soldado Marciele não se transformou em “Marci” e o vereador Fernando Holiday não virou “Nando”. Os três, pelo visto, cometeram o pecado de estar “do lado errado”.

Não caia na esparrela. Desconfie de quem se apropria de uma tragédia em busca de votos. E, principalmente, não embarque no navio de quem usa uma desgraça visando a uma eleição. Aos amigos e familiares de João Alberto, desejo que as investigações sejam céleres e que seja feita justiça.


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