“Carne de frango” produzida sem abate

“Carne de frango” produzida sem abate

A Embrapa Suínos e Aves, de Concórdia, Santa Catarina, capitaneia pesquisa destinada a elaborar em laboratório um produto que recrie a textura e a suculência da carne, a partir de células embrionárias da ave

Por
Lucas Keske*

Fontes isoladas de proteínas, como o Whey Protein, assim como pílulas de vitamina C, D ou do complexo B12 se tornaram parte da alimentação de muita gente nos últimos anos. Seja por praticidade ou a recomendação médica, a comida gerada em laboratório tem aceitação. Segundo pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (ABIAD), os alimentos criados nas bancadas de pesquisa estão presentes em 59% dos lares brasileiros. Contudo, a Embrapa Suínos e Aves conduz um estudo no Brasil para viabilizar a produção de carne de frango em laboratório. Diferente dos suplementos, a pesquisa promete recriar não só a nutrição, mas também a textura e a suculência da carne de frango sem precisar abater nenhuma ave.

Iniciado a partir da seleção da Embrapa pelo The Good Food Institute (GFI), em 2021, o projeto se encontra hoje em fase intermediária, com a construção do suporte de nanocelulose que irá sustentar as células para o desenvolvimento do alimento. Na etapa seguinte, serão produzidas as células que, quando aplicadas ao molde, vão constituir os tecidos.

Vivian Feddern, líder do projeto, explica que o processo resulta do isolamento de células embrionárias de frangos, que são colocadas em meio fértil e nutridas para que formem os tecidos da carne. O meio ideal para essa produção é um biorreator, onde elas são “alimentadas” com vitaminas, minerais, fatores de crescimento e diversos outros insumos. Vivian conta que sua equipe já recebeu o biorreator de cerca de dois litros de capacidade, vindo dos Estados Unidos, para a multiplicação das células. 

Esse tipo de produção de carne, avalia a pesquisadora, pode acabar com preocupações com bactérias como a salmonella e vírus como o causador da gripe aviária, mas cria outras necessidades sanitárias como o cuidado com a assepsia da manipulação do laboratório. Além disso, o processo pode permitir a obtenção de uma carne enriquecida, que pode contar com nutrientes diferentes dos presentes na carne convencional. “É possível fazer algo customizado de acordo com a vontade do consumidor”, afirma ela. 

Algumas empresas brasileiras garantem que já terão produtos do tipo à disposição do mercado em 2024, mas a pesquisadora acredita que levará alguns anos para estes produtos estarem nas prateleiras dos mercados brasileiros, uma vez que há questões de legislação que ainda não foram vencidas. Países como Singapura e Estados Unidos já regulamentaram a produção e comercialização deste tipo de carne. Para os órgãos regulamentadores destes países, as empresas autorizadas produzem, em laboratório, uma carne segura para o consumo humano. A maioria das startups mundiais começou pela produção de nuggets de frango.

Suporte de nanocelulose que irá sustentar as células | Foto: Lucas Scherer / Divulgação Embrapa / CP.

Para o presidente executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos, “o mercado é livre para todos que produzem, a gente só tem que deixar as regras bem claras que, o que é carne, é carne, e o que é carne de laboratório tem que ter outra nomenclatura e levar as informações de origem e de composição desse produtos todos, da mesma forma que nós que produzimos a proteína animal levamos”. Santos pede isonomia entre os produtos e que sejam nomeados corretamente. “Não existe carne de soja porque carne não é soja. Não existe leite de soja porque o leite é proteína animal, é um composto de um outro tipo”, exemplifica.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entende que as carnes cultivadas se enquadram no conceito de novos alimentos ou novos ingredientes, e devem passar por avaliação de segurança da agência mediante petição do interessado. Até o momento, esta demanda não foi apresentada. A agência explica também que o marco regulatório brasileiro de novos alimentos e novos ingredientes encontra-se em processo de atualização e há uma expectativa de que, a partir da revisão da atual resolução 17/1999, a nova proposta possa incluir uma abordagem específica para avaliação da segurança de alimentos e ingredientes que consistam em culturas de células ou de tecidos. A Anvisa ressalta, ainda, que o estabelecimento de padrões de identidade e qualidade, assim como as regras sobre as boas práticas de fabricação são de competência do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). 

*Sob Orientação de Nereida Vergara.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895