O desafio de plantar e colher na Lua

O desafio de plantar e colher na Lua

Embrapa integra projeto da Agência Espacial Americana que visa cultivar alimentos em ambiente hostil como a Lua ou o espaço profundo. Estudos podem contribuir com a agricultura já realizada sob clima extremo na Terra

Por
Patrícia Feiten

No filme Perdido em Marte (2015), o astronauta Mark Watney, interpretado por Matt Damon, é dado como morto por sua equipe após uma tempestade e acaba abandonado no planeta vermelho. Como terá de esperar quatro anos até a chegada de uma nova missão tripulada para resgatá-lo, ele usa todo o seu conhecimento de botânico para cultivar batatas e se manter vivo nesse período. Imprecisões à parte, o longa dirigido pelo cineasta Ridley Scott destaca um dos obstáculos que a ciência fora da telona tenta superar para enviar seres humanos ao espaço – a produção sustentável de alimentos em ambientes hostis. Esse desafio será encarado pelos pesquisadores da Embrapa, que articula com a Agência Espacial Brasileira (AEB) uma parceria para iniciar, já em 2024, experimentos para cultivo de plantas na Lua ou no espaço profundo.

A iniciativa é a contribuição brasileira ao programa Artemis, da Nasa, a agência espacial americana, que tem como objetivo o retorno ao satélite natural da Terra e, a partir disso, a preparação de uma missão futura para Marte (na foto acima, a cápsula Orion orbita a cerca de 127 quilômetros da superfície lunar, na primeira etapa do projeto, concluída em dezembro de 2022). O Brasil é um dos 28 países signatários do acordo internacional para a construção de uma base lunar permanente nas próximas décadas. “Entramos no projeto a convite da Nasa em junho de 2021. Imaginamos duas contribuições que estavam ao alcance. Uma é o satélite SelenITA, que o Instituto Tecnológico da Aeronáutica está construindo com financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); a outra é na área de agricultura”, diz o presidente da AEB, Marco Antonio Chamon.

Em laboratório da Nasa, bióloga vegetal realiza estudos com cultivo de rabanete | Foto: Kim Shiflett / Nasa / CP.

Segundo Chamon, a parceria com a Embrapa se baseia na grande expertise da empresa em tecnologias agrícolas. “Pode parecer exótico você falar de agricultura no espaço, mas não está longe das competências técnicas que o Brasil já desenvolveu ao longo do tempo”, afirma. Embora ainda não tenha sido definido um orçamento para o projeto, observa o dirigente, os recursos devem ser financiados pela AEB, pela Embrapa e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Mas também estão no radar parcerias com universidades e instituições privadas.

A engenheira agrônoma Alessandra Pereira Favero, da Embrapa Pecuária Sudeste, explica que, para simular as condições de desenvolvimento de plantas fora da Terra, os experimentos serão feitos em ambientes fechados, como estufas ou contêineres. A ideia é testar plantas que se adaptariam mais facilmente a situações como microgravidade e radiação espacial e nas quais a economia de água e energia é crucial. Por suas propriedades nutricionais, os cultivos selecionados para o estudo foram a batata-doce e o grão-de-bico. “A batata-doce é rica em carboidratos de lenta absorção, sua folha pode ser consumida, então a gente evita resíduos. Temos de pensar numa situação sustentável”, observa Alessandra.

Atentos à necessidade de economia de recursos, os pesquisadores avaliam o uso do sistema hidropônico (plantio em substratos ou soluções nutritivas) e da aeroponia (cultivo de plantas com as raízes suspensas no ar), técnicas que não envolvem solo e permitem o reaproveitamento da água. Outra alternativa é o uso do próprio solo lunar, o chamado regolito, que já é produzido artificialmente. “Esse solo tem alguns compostos que não são bons para as plantas. Então, a gente teria de verificar se as que estamos usando se adaptariam”, detalha Alessandra.

Em meio a preocupações crescentes com a mudança climática, as space farms vislumbradas pelos pesquisadores deverão ter impacto também na agricultura praticada em solo terrestre. “Podemos ter cultivares baseadas nessa tecnologia que sejam tolerantes ao estresse hídrico. Tudo que estamos pensando que pode ser utilizado em um plantio na Lua pode contribuir para situações como que as que a gente já tem, de temperaturas maiores ou menores, e em fazendas verticais, que já são uma realidade”, diz a pesquisadora da Embrapa. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895