Os 40 anos da Maratona Internacional de Porto Alegre

Os 40 anos da Maratona Internacional de Porto Alegre

Prova acontece neste final de semana e, na soma de todas as distâncias, vai reunir 25 mil participantes

Maratona de POA

Por
Victória Rodrigues

Valdomiro Siegieniuk lembra com uma exatidão surpreendente a primeira maratona que disputou. E olha que depois desta vieram muitas outras, mesmo tendo começado aos 50 anos. Em 1989, usando um tradicional Kichute nos pés que quase o impediu de finalizar a prova porque não tinha ideia do que era enfrentar os 42.195km do trajeto, o atleta, hoje com 85 anos, estreou na Maratona Internacional de Porto Alegre, evento que se tornou uma das maiores provas de atletismo do país e que este ano completa 40 anos.

De lá para cá muita coisa mudou, tanto no atleta quanto na mais antiga maratona brasileira que abriu as portas para sua trajetória esportiva ao longo destas quatro décadas. Em 1983, no seu ano de estreia na capital gaúcha, a Maratona Internacional de Porto Alegre ainda não contava com estruturas básicas no trajeto, como interceptação do trânsito, pontos de hidratação e marcação da distância, por exemplo. E seguiu assim por um tempo, mais especificamente durante 11 anos, até 1994. Foi quando o evento ganhou um novo nome na sua organização que permanece até hoje: Paulo Silva.

Mais difícil do que correr

Vencedor da segunda edição da prova, ele já acompanhava o evento de perto desde a primeira edição, quando deu suporte para seu colega de quarto e primeiro vencedor da Maratona, Adão Juarez Camões. Ficou surpreso quando foi convidado para assumir a organização. Ainda mais quando se deu conta que é muito mais difícil ser organizador de um evento como este do que participar como atleta.

“É imensamente diferente, porque para correr eu vou lá, faço minha parte e pronto. Já na organização eu preciso acompanhar tudo. Eu delego, mas gosto de conferir como está sendo feito, é o meu jeito e é uma fórmula que eu acredito que venha dando certo”, afirma Paulo.

O ano de 1994 foi um marco na história da Maratona de Porto Alegre. Paulo se orgulha de ter implementado exames de doping logo no seu primeiro ano como organizador, algo que permanece até hoje. Além disso, a partir da mesma data, a prova também passou a cumprir protocolos junto à Confederação Brasileira de Atletismo (CBA) para ficar ainda mais qualificada com o passar do tempo.

Primeira edição da prova aconteceu em 1983 | Foto: Carlos Rodrigues / CP Memória

Experiência de maratonas de outros países

“As primeiras edições que eu fiz eram com a Brigada Militar e só depois, em 1998, com a fundação da EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação) que integramos isso na prova. Então a gente foi sempre convencendo as autoridades, dialogando, interagindo, procurando, escolhendo o percurso que facilitasse o trânsito”, relata.

Para tantas mudanças e evoluções ao longo dos anos, Paulo competiu diversas maratonas ao redor do mundo para entender o que funcionava nos outros países e que ele poderia implementar na prova gaúcha. Espanha, Chile, Estados Unidos e Amsterdã foram alguns dos lugares que Paulo visitou para tentar entender o mecanismo.

Foi aí então que ele se deu conta que o percurso em Porto Alegre não era o ideal para os corredores. Inicialmente, o ponto de partida da prova era no Parcão, com corredores percorrendo avenidas conhecidas dos porto-alegrenses, como Ipiranga, Aparício Borges, Beira-Rio e João Pessoa, até retornar à linha de chegada. Ou seja, o trajeto passava por muitas subidas e descidas, característica que não se via nas maratonas ao redor do mundo.

Largada foi para perto do Guaíba

Assim, na 23ª edição do evento, há 17 anos, a prova passou a ter a largada perto do rio. “A gente começou a estudar percursos melhores no sentido de ter essa consciência de que tínhamos que nos adequar. Então, levando para a beira do rio, além de ser bonito, é plano e atrapalha menos o trânsito”, explica.

Além do trajeto plano, a temperatura da capital gaúcha é outro diferencial para que o evento ultrapassasse maratonas tradicionais como a de São Paulo, considerada uma das maiores no âmbito nacional. Geralmente, temperaturas entre 8ºC e 14ºC, aliada à umidade amena do ar são as condições ideais para correr maratonas, principalmente pela baixa amplitude térmica do início para o fim da prova, o que é o caso de Porto Alegre.

“Hoje nós estamos atrás apenas da maratona do Rio, que é uma cidade turística, tem todo um apelo, então é bem maior. Mas a gente ser maior que a de São Paulo tem muito significado, porque eu acredito que estamos no caminho certo”, afirma Paulo.

Paulo Silva, na moto, deu suporte ao seu amigo e primeiro vencedor da prova gaúcha, Adão Juarez Camões | Foto: Arquivo Pessoal/CP

Trajeto familiar para treinamentos

O percurso da Orla e de outros parques de Porto Alegre já eram caminhos conhecidos de Valdomiro, já que ao longo da sua trajetória ele costumava utilizar as ruas da cidade para treinar principalmente pela falta de tempo. Funcionário aposentado pela Varig, técnico em manutenção e primeiro e único síndico do prédio em que reside no bairro Menino Deus por pelo menos 25 anos, as ruas se tornaram companheiras diárias na rotina do corredor depois que Valdomiro deu o pontapé inicial no esporte em 1989.

Apenas cinco anos depois, correu sua primeira maratona no exterior, em Nova York, considerada uma das seis maiores do mundo. Desta vez, no entanto, já sem os Kichutes na mala e com um preparo maior. Aos 55 anos, concluiu o percurso em pouco mais de quatro horas, tempo mais que razoável para um estreante tardio. A partir daí, Valdomiro contabiliza pelo menos outras 20 maratonas no exterior. Em 1998, outro feito para a conta após se desafiar nos treinamentos.

Distância medida pelos postes

“Eu li em uma revista qual treino tu tinha que fazer para chegar a um determinado tempo e decidi fazer, mas eu não tinha nada. Naquela época ainda não tinha garmin (dispositivo que monitora as atividades físicas), não tinha nada e eu precisava fazer dez tiros de mil, só que não tinha a Orla como é hoje. Então, todos os domingos de manhã eu pegava dez postes de luz de lá, porque eu sabia pelos dados da prefeitura mais ou menos a distância de um para outro, e me baseava a partir disso. E assim foram meus preparativos para a Maratona de Porto Alegre deste ano de 1998”, relembra.

Os domingos de treinos deram resultado e na prova Valdomiro bateu seu próprio recorde ao completar o trajeto em três horas e vinte minutos. Poderia ter finalizado com um tempo ainda menor, não tivesse sentido dores no abdômen no meio do percurso. Subiu ao pódio e de quebra alcançou o índice para correr mais uma das majors do mundo - desta vez escolheu Boston para somar à sua lista.

Depois dessa, vieram Berlim, Londres, Chicago e Tóquio, fechando as seis maiores maratonas do mundo na carreira esportiva de pouco mais de 45 anos de Valdomiro. Este ano, Sydney também foi adicionada à lista das maratonas majors e se tornou a única fora da lista do corredor.

39ª Maratona Internacional Porto Alegre | Foto: Ricardo Giusti

Vibração do público é diferente na Capital

A experiência no exterior também fez com que Valdomiro percebesse diferenças importantes com as que disputa no Brasil. A principal delas é o incentivo e a vibração do público com quem corre, tanto para o primeiro quanto para o último corredor a cruzar a linha de chegada. Além disso, a integração com os pontos da cidade também é algo valorizado nas maratonas internacionais, outro ponto que o atleta sente falta nas provas nacionais.

“Quando corri em Amsterdã, eu finalizei em um tempo razoável, e depois quando saí do ginásio que ficava o ponto de chegada, ouvi buzinas, pessoas batendo palma, fiquei me perguntando o que era isso, e simplesmente era a última pessoa chegando. Na hora eu pensei: ‘se eu soubesse tinha chegado em último’, porque cheguei uma hora na frente e não ganhei isso tudo”, diverte-se. “E aqui as pessoas ficam debochando, falam que se é para demorar tanto tempo é melhor nem participar. Está melhorando aqui em Porto Alegre, mas ainda tem isso”, explica.

Experiência adquirida na prática

Quando se pensa em tantas provas extensas na carreira, é impossível não aliar isso a uma rotina de preparação física, com musculação e reforço muscular na academia. O que surpreendentemente não é o caso de Valdomiro. Tirando as corridas nas ruas da cidade para manter o ritmo, ele nunca adaptou esses hábitos ao seu dia a dia ao longo da trajetória esportiva.

“Eu sempre corri sem academia, sem alongamento, sem nada. Chegava, corria e ia embora. Até tinha o desgaste, mas saía da prova e ia para uma churrascaria com a turma, comia uma carne, tomava uma cerveja e ficava bom”, conta. No entanto, Valdomiro admite que se não tivesse começado a fortalecer a musculatura, seu corpo não aguentaria tantas provas longas e viagens para o exterior em períodos curtos.

A saúde de ferro explica o corpo ter suportado durante tantos anos a falta de um reforço muscular. Isso porque, nem mesmo quando foi diagnosticado com um câncer de próstata, há seis anos, Valdomiro deixou de lado o esporte. Foi inevitável não desanimar ao receber a inesperada má notícia durante uma consulta rotineira no Hospital Mãe de Deus.

Valdomiro Siegieniuk começou a participar das maratonas aos 50 anos | Foto: Mauro Schaefer

Ânimo para superar a doença

No entanto, o aviso médico de não ser necessária a intervenção cirúrgica, justamente em uma tentativa de não prejudicar seu desempenho na corrida, fez com que Valdomiro buscasse ânimo para enfrentar a doença. Quando retornou para o consultório, a primeira pergunta para a médica antes de iniciar o tratamento de radioterapia foi se seria preciso parar de treinar. “Tudo depende se a imunidade deixar, foi a resposta dela, então eu decidi tentar”, recorda ele.

Seguiu com os treinos todas as manhãs ao mesmo tempo que iniciou as 20 sessões de radioterapia recomendadas para o tratamento, cinco vezes na semana. Depois disso, quatro dias após a última sessão, recebeu liberação médica e embarcou para Portugal, para disputar a Maratona de Lisboa.

“Fui e consegui o índice para uma dessas cinco maiores de novo. Escolhi Chicago e fui primeiro na categoria de 80 anos, apenas um mês depois do tratamento”, se orgulha.

Olhar ainda mais positivo para o futuro

Apesar dos avanços ao longo dos 40 anos de evento, Paulo Silva está sempre pensando em novas maneiras de deixar a prova ainda melhor e mais confortável para quem corre. Após quatro décadas, o organizador se orgulha de ter recebido um selo da World Athletic, órgão que gere o atletismo a nível mundial, que nada mais é do que um reconhecimento pelas provas gaúchas cumprirem as melhores práticas de organização e de qualidade de segurança no seu percurso.

“Temos objetivos maiores mas hoje chegamos no nosso ápice, porque isso é um diferencial enorme que a gente sempre primou durante todos esses anos”, destaca Paulo.

O mais recente projeto é que a Maratona de Porto Alegre seja dividida em quatro dias, um para cada prova. Assim, o evento começaria na quinta, com a disputa dos 5km, na sexta com os 10km, sábado ficaria reservado para os 21km, enquanto o domingo seria apenas para a maratona. O projeto está em diálogo com a Prefeitura para ser implementado o quanto antes, e o principal argumento é que anualmente o evento gera em torno de 500 mil reais de receita para o município.

Onda de novos corredores

Com todo este avanço é curioso que apenas 2% dos corredores da Maratona de Porto Alegre sejam atletas profissionais e destes todos sejam estrangeiros. Isso porque, o percentual de brasileiros que disputam as quatro provas e vivem profissionalmente do atletismo é ínfimo. Mesmo assim, uma onda de novos corredores vem surgindo nos últimos anos.

Nas redes sociais grupos de corrida se tornaram febre, um incentivo ainda maior para quem quer começar no esporte. Valdomiro Siegieniuk vê com bons olhos esse movimento, e já tem na ponta da língua a principal dica para os amantes de corrida que tem o desejo de disputar uma maratona. “É tudo sobre controlar o psicológico, quem corre 5km, corre 10km, e quem corre meia maratona, com certeza corre a inteira”, conclui.

Prova vai passar pelo interior do Mercado Público | Foto: Ricardo Giusti

Serviço

Ao todo, 25 mil atletas estão inscritos nas quatro provas da Maratona de Porto Alegre. O sábado está reservado para as distâncias de 5km, 10km e 21km, enquanto o domingo para a maratona. As largadas e chegadas de todas as provas serão em frente ao BarraShoppingSul, na Avenida Diário de Notícias. Os atletas largarão às 7h e passarão pela região dos clubes náuticos da cidade, pelos bairros Cidade Baixa e Menino Deus, além do interior do Mercado Público pelo segundo ano consecutivo.

Por este motivo, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) organizou um esquema especial para minimizar o impacto do trânsito. Os bloqueios iniciam às 21h desta sexta-feira, na avenida Diário de Notícias, sentido centro/bairro. À meia-noite, acontece também o bloqueio no sentido bairro/centro, em que será montada a arena da Maratona Internacional de Porto Alegre.

Para as provas do primeiro dia do evento, meia-maratona, e as rústicas de 5km e 10km, as alterações começam a partir das 5h30min do sábado, com o bloqueio da avenida Edvaldo Pereira Paiva e do cruzamento das avenidas Augusto de Carvalho e Loureiro da Silva. Na região central, a partir das 6h40min, a avenida Mauá estará bloqueada a partir do Largo Visconde do Cairú. No domingo, os bloqueios e desvios do dia anterior se mantêm para os 42km, a avenida João Pessoa será bloqueada a partir das 6h40min, enquanto a avenida Azenha estará fechada a partir das 7h. Algumas linhas do transporte público terão alterações, principalmente as que circulam pela Zona Sul e região Central.

Sábado

  • 7h - Meia-maratona (feminino e masculino)
  • 9h - Largada corrida 5km e 10km (feminino e masculino)
  • 9h - Premiação geral meia-maratona
  • 10h - Premiação corrida 5km e 10km
  • 11h - Maratoninha kids

Domingo

  • 6h55min - Largada maratona cadeirante e deficiente visual
  • 7h - Maratona (feminino e masculino)
  • 10h - Premiação maratona

Retirada dos kits

  • 4, 5 e 6 de junho - das 11h às 20h
  • 7 de junho - das 11h às 19h
Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895