Retrospectiva 2020: A pandemia

Retrospectiva 2020: A pandemia

Em 2020, o mundo foi confrontado com um dos maiores desafios dos últimos 100 anos

Por
Jonathas Costa

Foi no último dia de 2019 que quatro casos de uma pneumonia misteriosa na região central da China deram a largada para um ano inclassificável. Em 2020, o mundo foi confrontado com um dos maiores desafios dos últimos 100 anos e cuja sequência de fatos já entrou para a história

Os olhos do mundo se voltam para Wuhan

Foi em uma nota no rodapé da página 9 do dia 19 de janeiro que a palavra “coronavírus” apareceu nas páginas do Correio do Povo pela primeira vez em 2020. Sob o título “Nova pneumonia viral afeta 17 chineses”, a matéria anunciava que as autoridades do país haviam confirmado a identificação de mais pessoas infectadas. Àquela altura, dois homens haviam morrido com a doença misteriosa cujo epicentro era a cidade de Wuhan. “Investigadores do Centro de Análise Global de Doenças Infecciosas, que assessora instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS), estimam que 1.723 casos em Wuhan apresentavam sintomas da doença desde o dia 12”, informava o texto, complementando que os novos casos alimentavam receios sobre uma “potencial epidemia na região”.

Os casos se multiplicaram rapidamente e ao final do mês já eram mais de 10 mil. No dia 29 de janeiro, quando 15 países já confirmavam o diagnóstico da doença em seus territórios, a OMS declarou emergência global. Ao mesmo tempo, imagens de milhares de militares chineses cercando a cidade de Wuhan e impondo lockdown completo a milhões de moradores se espalharam rapidamente pelas redes sociais, indicando que a situação poderia ser mais grave do que até então divulgado pelas autoridades da China. 

Itália sucumbi ao vírus

O mundo se viu surpreso com a velocidade de propagação do novo coronavírus nos primeiros meses do ano, mas foi a Itália a primeira nação a se ver vencida pela doença. Em março, o país já somava mais de 100 mil casos e 11 mil mortes. Com resistências às medidas de isolamento, as grandes cidades italianas permaneceram abertas e a situação saiu de controle. Contando mais de 800 óbitos ao dia, a rede hospitalar entrou em colapso. As próprias autoridades reconheceram o erro meses depois. 

Hotel com pacientes desaba

Uma tragédia em meio ao caos. Não bastasse a dor causada pelas mortes da Covid-19, um acidente impressionante chocou a China. No dia 7 de março, quando várias cidades permaneciam isoladas em quarentena, um hotel que servia de abrigo para 71 pacientes infectados na cidade de Quanzhou desabou. Dez pessoas morreram.

A chegada no Brasil

Foi em meio ao Carnaval que o Brasil confirmou o primeiro caso oficial de infecção pelo novo coronavírus. No dia de 25 fevereiro o Ministério da Saúde anunciou que um homem de 61 anos morador de São Paulo estava diagnosticado com Covid-19. Ele havia voltado de uma viagem à Itália no início daquele mês. Nos dias seguintes os casos suspeitos se multiplicaram. 

O primeiro caso no RS

A Secretaria Estadual de Saúde confirmou o primeiro caso de infecção no Rio Grande do Sul em 10 de março, após descartar vários casos suspeitos nos dias anteriores. O morador de Campo Bom havia retornado de uma viagem à Milão. “Cautela” foi a palavra da vez pelas autoridades. No país, os casos confirmados somavam 34 e as suspeitas chegavam a quase 900.

O resgate dos 34 brasileiros isolados na China

O Brasil passou a dar maior atenção ao caso de Wuhan quando várias nações iniciaram o processo de repatriação de seus cidadãos que estavam no epicentro de contágio da doença até então desconhecida. O governo chegou a apontar entraves políticos, jurídicos e orçamentários para evitar uma operação, mas acabou cedendo após a divulgação de um vídeo onde brasileiros residentes na cidade chinesa àquela altura em total quarentena, se diziam com medo e dispostos a cooperar para permanecerem isolados ao chegar de volta ao Brasil. Foi o que ocorreu.

Em 5 de fevereiro duas aeronaves da Força Aérea Brasileira partiram de Brasília com escalas em Fortaleza, Las Palmas (Espanha), Varsóvia (Polônia) e Urumqi (China), antes de finalmente pousar em Wuhan e retirar os 34 brasileiros que se inscreveram para o processo de repatriação. De volta ao país quatro dias depois, todos foram levados para Anápolis (GO), onde permaneceram isolados por duas semanas junto com a tripulação que participou da operação. No dia 11 do mesmo mês a OMS nomeou a infecção causada pelo novo coronavírus e colocou de vez uma nova palavra na cotidiano de todos nós: Covid-19.

Ciência ganha destaque em meio à guerra de narrativas

É natural que toda crise gere angústia e medo, ingredientes para propagar desinformação com tanta rapidez quanto o contágio de um vírus. As redes sociais foram inundadas por fake news, boa parte delas sobre remédios e tratamentos que vendiam a cura para a Covid. Foi a vez de cientistas e pesquisadores ganharam protagonismo com nomes de referência como o de Natália Pasternak, Atila Iamarino, Margareth Dalcolmo e, aqui no Estado, Pedro Hallal — para citar apenas alguns. As redes sociais derrubaram postagens com conteúdos enganosos, o que atingiu líderes mundiais e políticos brasileiros, seja pela defesa de medicações sem eficácia comprovada, seja pelo incentivo ao desrespeito às normas sanitárias.

Estados Unidos culpam a China e rompem com a OMS

Em rota de colisão com o governo chinês há muito tempo, o presidente norte-americano Donald Trump não poupou de críticas a China pela pandemia de Covid-19. “Estamos fazendo investigações muito sérias... Não estamos felizes com a China”, disse em abril. “Há muitas coisas pelas quais eles podem ser responsabilizados. Acreditamos que poderíamos ter impedido isso na fonte. Poderíamos ter impedido que se espalhasse tão rápido e não se espalharia por todo o mundo.”<EN>Trump não parou por aí. Atribuiu à OMS total responsabilidade sobre a pandemia, suspendeu os repasses dos EUA à organização (algo em torno de dezenas de milhões de dólares) e, em julho, retirou o país oficialmente da entidade. 

O colapso manaura

A cena de centenas de valas comuns, na qual caixões enfileirados lado a lado foram enterrados de uma só vez, lançou os holofotes para Manaus em abril e maio. Com hospitais superlotados, os registros de mortes em casa por falta de atendimento chocaram o país. No auge da crise, chegou a faltar caixões no estado do Amazonas. 

Corrida por insumos

Com a pandemia acelerada, o primeiro desafio de muitos países foi conseguir comprar equipamentos de proteção para os trabalhadores da saúde na linha de frente da pandemia. Com grandes cidades chinesas em quarentena, a produção industrial acabou afetada e logo máscaras e protetores faciais começaram a faltar. Somados a isso, a grande demanda por respiradores também pressionou os sistemas de saúde, que viram os leitos de UTIs lotarem em pouco tempo.

Pandemia derruba dois ministros da saúde

O Brasil tinha pouco mais de 1,9 mil mortes por Covid-19 confirmadas quando o presidente Jair Bolsonaro anunciou a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Foi o resultado de um mês de divergências — muitas delas públicas — entre ele e o presidente Jair Bolsonaro sobre a condução das políticas de combate à pandemia no país. No auge do antagonismo entre ambos, Bolsonaro passeou por Brasília e cumprimentou apoiadores durante uma manifestação um dia após Mandetta pedir, em coletiva, justamente o contrário. Na demissão, o presidente justificou que o então ministro “não levou em conta as preocupações quanto à economia”. 

A substituição pelo oncologista Nelson Teich não durou muito. Um mês depois de tomar posse, ele anunciou sua saída da pasta após também apresentar divergências com Bolsonaro. Assim como o antecessor, Teich defendia a política de isolamento social e se mostrou contrário à alteração dos protocolos de uso da cloroquina no SUS como tratamento da Covid-19. O posto foi ocupado interinamente pelo general Eduardo Pazuello, que depois de três meses acabou oficializado no cargo. 

‘Testar, testar e testar’

Considerada essencial para o controle de qualquer pandemia, a política de testagem em massa da população acabou enfrentando um primeiro desafio: a falta de insumos. Países como a China, Japão, Canadá e Estados Unidos largaram na frente e passaram a realizar grande quantidade de testes na população. No Brasil, depois de o Ministério da Saúde conseguir adquirir milhões de testes do meio do ano, parte do estoque ficou encalhado em um depósito em SP. 

Surge a esperança: vacinas começam a ser testadas

Já no final de fevereiro a busca por uma vacina eficaz começou a ganhar forma. Pessimista até então, a OMS descartou qualquer possibilidade de um imunizante estar pronto em menos de 18 meses. Mas tentativas anteriores de desenvolver uma vacina contra a SARS e MERS estabeleceram um conhecimento considerável sobre a estrutura e a função dos coronavírus, o que acelerou o desenvolvimento de várias plataformas tecnológicas para uma solução contra a Covid.

Ao final do primeiro semestre, dezenas de grupos de cientistas ao redor do mundo já estavam com testes em andamento e no final de julho a Biotech recebeu uma licença emergencial para uso de uma vacina em membros das forças armadas da China. O ano chega ao fim com 59 vacinas em testes.

Apagão de dados

Em junho, quando Brasil se tornou o epicentro da doença no mundo, o Ministério da Saúde decidiu modificar a política de divulgação de dados, o que gerou forte reação e críticas. O site chegou a sair do ar por alguns dias.

Coronavírus no Palácio do Planalto

Após o surto de infecção que atingiu a comitiva brasileira em viagem oficial aos Estados Unidos, o coronavírus voltou a atingir com força o Palácio do Planalto em julho, quando o presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama Michele Bolsonaro testaram positivo para a doença. Ambos se recuperaram. Nos dias seguintes, mais de 70 casos de infecção foram confirmados no prédio oficial do poder Executivo. Ao longo do ano, 13 dos 23 ministros foram contaminados pelo novo coronavírus, entre eles Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Eduardo Pazuello (Saúde) e Onyx Lorenzoni (Cidadania). Nenhum deles desenvolveu uma forma grave da doença. No dia 27 de dezembro o vice-presidente Hamilton Mourão confirmou que está infectado.

Voluntários também no RS

O Estado entrou na rota da corrida pela imunização contra a Covid-19 e chegou ao final de 2020 com três ensaios clínicos em andamento: a da Sinovac, no Hospital São Lucas da PUCRS; a da Universidade de Oxford em parceria com a AstraZeneca, nos hospitais Clínicas de Porto Alegre e Universitário de Santa Maria; e a da Janssen, nos hospitais Nossa Senhora da Conceição e Clínicas. Ao todo, mais de 4 mil voluntários gaúchos, a maioria trabalhadores de saúde, participam dos testes. 

Segunda onda assusta

Em agosto a pandemia deu sinais de desaceleração no Brasil, o que levou algumas cidades a desfazer estruturas especiais de atendimento. Mas logo os olhos do mundo se voltaram para a Europa e a América do Norte, onde os casos de infecção começaram acelerar. Era a esperada segunda onda, que chegou maior e com mais força. No Brasil a aceleração de casos ocorreu a partir de novembro, resultado de uma sequência de feriados, relaxamento das medidas de distanciamento e das eleições.

Cansaço no front 

Nove meses depois de iniciarem a luta contra a Covid-19, os trabalhadores da saúde se viram exaustos em todo o mundo, física e emocionalmente, o que adicionou um novo elemento desafiador nesta já complicada batalha. Hospitais começaram a ter dificuldade para compor equipes e escalas, o que se tornou o principal motivo de impedimento para abertura de mais leitos de tratamento de pacientes. No Brasil, mais de 300 médicos e quase 500 enfermeiros, técnicos e auxiliares morreram vítimas do coronavírus. 

Países começam a vacinar em massa contra a Covid-19

Superando todas as previsões, a vacinação em massa contra a Covid-19 começou cerca de nove meses depois de a OMS declarar pandemia. Foi uma marca histórica, que demonstrou o tamanho do avanço científico e tecnológico da humanidade no Século XXI. O ano termina com 50 países já vacinando sua população. Entre as diversas vacinas produzidas, a elaborada pela parceria entre a Pfizer e a BioNTech é a mais adotada: 40 países diferentes adotaram essa imunização. Também já foram usadas vacinas fabricadas na China (Sinovac e Sinopharm), Rússia (Sputnik V) e Estados Unidos (Moderna). No Brasil, o Ministério da Saúde prevê que a campanha de vacinação comece em janeiro.

Saldo trágico

O ano de 2020 se encerra com o trágico saldo da pandemia. Dos 600 casos em janeiro, para os mais de 83 milhões de infectados em todo o mundo. Das 17 mortes no primeiro mês do ano, para as mais de 1,8 milhão de vítimas fatais em dezembro, 193 mil delas no Brasil. São as marcas de um ano que termina sem deixar saudades. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895