Safra de trigo tem perdas consolidadas no Rio Grande do Sul

Safra de trigo tem perdas consolidadas no Rio Grande do Sul

Excesso de chuvas provocadas pelo um fenômeno El Niño de alta potência comprometeu a qualidade e a produtividade do grão

Por
Itamar Pelizzaro e Thaise Teixeira

As incertezas sobre produção e produtividade na safra de trigo no Rio Grande do Sul deram lugar à certeza de que a cultura está sofrendo quebra em torno de 30% da safra, que está na fase final de colheita. Pressionado pelas perdas na safra de verão causadas pela estiagem, os triticultores gaúchos vislumbraram repetir nas lavouras de trigo a performance de 2022. No entanto, os prognósticos de um El Niño potente para o período se confirmaram, com chuvas abundantes, abrindo caminho para doenças como a giberela e a brusone, derrubando produção, produtividade e qualidade do cereal em um momento de desalento nas cotações. Os prejuízos em diferentes períodos do ciclo produtivo se consolidam com a aproximação do fim da colheita. 

A primeira semana do mês de setembro foi impactante para o trigo em diferentes regiões do Estado. “Tivemos incidência de giberela e brusone, em função das condições de clima em um período relacionado ao florescimento”, afirma o agrônomo Fabiano de Vargas Gregorio, chefe do escritório da Emater/RS-Ascar em Colorado, na região noroeste. “O fungo teve condições de se estabelecer por sequência de umidade, chuva e molhamento foliar e de espiga”, explica. A Emater ainda não calculou o impacto consolidado da ocorrência de doenças, mas é uma situação que se soma a outras dificuldades da agricultura. “Entre estiagens, enchentes, chuvas e granizo, a gente soma praticamente 10 episódios em menos de um ano. Isso remete a todos os órgãos do Estado e coloca em debate medidas de enfrentamento aos fenômenos climáticos”, diz o diretor técnico da Emater, Claudinei Baldissera.

Segundo o coordenador da Câmara Setorial do Trigo Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), Tarcisio Minetto, a expectativa inicial de colher mais de 5 milhões de toneladas já está ajustada para 4 milhões de toneladas. Minetto considera precipitado fazer projeções, já que o impacto das chuvas varia conforme a região. “É um ano diferenciado, de exceção e preocupação, porque o produtor semeou as lavouras com custo significado, apostou no trigo e encontrou este cenário. A perda em termos de produtividade é forte, e o impacto vai vir no final da safra”, analisa. A performance das lavouras de trigo vai ser avaliada em detalhes após o encerramento da colheita. “Regiões que colheram mais cedo têm qualidade diferenciada, e outras sofreram mais o impacto das chuvas”, completa, relatando ainda perdas nas culturas de cevada e aveia. 

A combinação de prejuízos na produção e preços pouco favoráveis para o cereal impele o segmento a pensar em mecanismos de mitigação para o futuro, especialmente seguro agrícola. Minetto afirma que vários produtores acionaram o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) e seguros privados, com valor do prêmio caro e tendência de alta pelo histórico meteorológico recente. “Essa é uma preocupação levantada na Câmara do Trigo, e o segmento analisa pedir subvenção federal no Plano Safra, dadas as circunstâncias climáticas”, afirma. O coordenador salienta a importância dos leilões PEP e Pepro, para dar liquidez ao mercado, e adianta que o setor pedirá ao governo que empenhe para 2024 os valores que não serão utilizados este ano, para apoiar a comercialização futura e também reforçar a previsão de recursos no orçamento. “A cadeia como um todo não deixou de sinalizar que são necessárias essas medidas de apoio de instrumentos de apoio”, destaca.

Na área de abrangência da Cooperativa Tritícola Caçapavana (Cotrisul), criada em 1960 para agregar os triticultores da região e facilitar a comercialização, o clima afetou a qualidade e derrubou em cerca de 30% a produtividade, conforme estima o presidente, Gilberto Fontoura. “Os custos para fazer essa lavoura foram bem menores do que no ano anterior, mas a conta não vai fechar”, afirma. Os associados semearam em torno de 25 mil hectares de trigo e área semelhante para cevada, canola, triticale e azevém. A colheita tem resultado em produto de qualidade intermediária que deve ser destinado à produção de rações para exportação. Fontoura lembra que, em 2023, depois de sequências de perdas na agropecuária causadas pelo clima, as seguradoras diminuíram a cobertura e aumentaram o preço do prêmio, o que quase inviabilizou a contratação e dificultou a reorganização das contas do agricultor. “Aquele produtor que conseguiu financiar a lavoura e tinha Proagro para dar suporte ainda vai ter cobertura que empate, mas os que estão fora do financiamento bancário vão assumir prejuízo e jogar a conta para frente”, ressalta.

O presidente da Cotrisul acredita que os leilões de Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro) e Prêmio para Escoamento de Produto (PEP), feitos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para apoiar a comercialização e o escoamento do grão, podem ajudar a segurar a cotação do cereal. “Acreditamos que o preço, mesmo com leilões, não vai ter escalada significativa”, analisa.

Inverno frustrante

Tiago e o pai, André, estimam perder 35% do trigo que pretendiam colher| Foto: Tiago Hörber/Arquivo Pessoal

“A grande frustração do inverno é porque a gente vem de um verão com uma das maiores quebras de safra da história na cultura da soja no Rio Grande do Sul. No inverno, tínhamos a necessidade de nos recuperar financeiramente e isso não aconteceu. A gente continuou no zero a zero.” É assim que o agrônomo, pesquisador e produtor rural Tiago Hörbe resume a situação de parte dos produtores gaúchos. Na propriedade da família em Cachoeira do Sul, na localidade de Cordilheira, junto à BR-290, a cultura do trigo teve redução de 35% da produtividade média, em um momento em que a commodity tem sido vendida pela metade do preço em relação à safra de 2022. “A rentabilidade foi comprometida”, afirma.

Tiago faz gestão agronômica e financeira, define de sistema de produção e toma as decisões. O pai, André Hörbe, cuida das operações na propriedade de 300 hectares, cultivada com soja e milho, no verão, compondo rotação de culturas do sistema plantio direto. No inverno, os Hörber investem em culturas que tragam rentabilidade ao longo do ano, semeando trigo, aveia branca e canola. Também apostam em plantas de cobertura antes da semeadura do milho, com leguminosas para aportar nitrogênio.
Com cenário de clima e de preço favoráveis ao trigo no ano passado, a área do cereal aumentou. Para o ciclo de 2023, o prognóstico de El Niño e preços mais baixos interferiram nas decisões. “Tivemos redução de 30% na área de trigo para este ano. Voltamos ao tradicional, que era trabalhar o trigo nas áreas que têm rotação”, conta. Hörbe aponta dois pontos cruciais para a rentabilidade do trigo este ano. Em primeiro lugar, a queda da produtividade, que no ciclo passado chegou à média de 70 sacas por hectare. Na sequência, o preço. “No ano passado, chegamos a ter negociações de trigo a R$ 120 a saca. Este ano, está sendo negociado entre R$ 40 e R$ 55, dependendo da qualidade”, lamenta.

Apesar das dificuldades da safra, o agrônomo tenta manter o olhar positivo e reconhece que a frustração dos triticultores também se deve à necessidade e à expectativa elevada em relação aos cultivos de inverno, que podiam dar fôlego depois das frustrações das duas safras de verão anteriores. “A gente já se prepara para a safra de verão, com prognósticos positivos para a cultura da soja, com boas perspectivas para tentar se recuperar”, diz Hörber, que prepara a propriedade para melhorar o potencial produtivo do solo e dar resiliência ao sistema de produção de plantio direto.

Desempenho da canola compensa agricultor

Rio Grande do Sul deve alcançar colheita de 160 mil toneladas do grão em 105 mil hectares de área plantada, com média de produtividade em torno de 1,5 mil quilos por hectare e preço vantajoso em paridade com a soja

Alex Boligon, produtor de Bossoroca, na Região das Missões, utilizou estratégias de plantio usando janelas variadas para o trigo, a canola e a aveia, que lhe permitissem colher em datas diferentes e aproveitar vantagens do solo| foto: Carlos Eduardo Vozivoda Mos / Divulgação/ CP

Com a colheita finalizada, a maior parcela dos produtores de canola do Rio Grande do Sul está satisfeita com a performance da safra de 2023 e com os resultados econômicos da cultura. Conforme o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Canola (Abrascanola), Vantuir Scarantti, houve prejuízos neste ciclo em função de granizo, alagamentos, chuva e vento intensos. “Mesmo com essa situação, a cultura da canola se destacou bastante por algumas tecnologias e orientações de campo que fizemos”, diz. A Abrascanola estima que a produtividade deste ciclo fique em torno de 1,5 mil kg/hectare, considerada positiva em relação à produtividade de outros cultivos de inverno.
“Se considerar os 1,8 kg/hectare de produtividade do ano passado, houve queda de 15% este ano, porém a área cresceu significativamente”, afirma Scarantti, que reporta um total de 105 mil hectares plantados. O presidente da Abrascanola acredita que a produção no Estado pode alcançar 160 mil toneladas, considerando a média de produtividade. “O produtor teve resultado positivo, pagou as contas e sobrou uma fatia bem interessante. Teve produtor que sobrou ao redor de R$ 1 mil por hectare, e isso é bastante positivo para a cultura da canola”, descreve.

O produtor que apostou na canola se beneficiou também das cotações mais elevadas, proporcionais ao valor da soja. Scarantti afirma que a precificação variou entre 90% e 100% do valor da soja, o que não deve se manter no próximo ano, podendo se acomodar em patamares entre 85% a 90% do preço. “Mesmo com isso, a área deve crescer e temos expectativa inicial de 150 mil hectares no Estado no próximo ano”, afirma.

A Emater/RS-Ascar confirma em seu boletim conjuntural que, apesar dos impactos do El Niño, a canola teve desempenho produtivo superior em relação aos demais cultivos de inverno. O valor do produto, somado aos custos de produção e à produtividade média alcançada, contribuíram para um resultado econômico favorável.

Na localidade de Rincão Bonito, em Bossoroca, o produtor Alex Boligon executou uma estratégia de administração de risco com plantios em várias épocas e materiais de ciclos diferentes, pensando também na logística de máquinas e armazéns, e conseguiu driblar os efeitos do clima e garantir uma boa safra de canola, que cultiva desde 1997. “A canola é uma ferramenta de rotação na propriedade, e a área que passou canola vai ficar dois invernos futuros sem”, explica. Boligon tem área agricultável de 890 hectares, sendo 100 para culturas de inverno (pastagem, aveia branca e azevém para alimentação bovina), 250 hectares de aveia branca para grãos e silagem e o restante com trigo e canola, que depois vai dar espaço para milho, em áreas de sequeiro e irrigada com 12 pivôs centrais. Após o milho, em janeiro entra soja.

Boligon adaptou a estratégia de plantio observando produtores da região. Este ano, implantou a lavoura de aveia branca na janela de abril. Após pausa de 15 dias, começou a semeadura do trigo, seguida da canola. Pela ordem, colheu aveia, trigo e canola, semeada depois da implantação de cobertura de plantio que propiciou palhada para semeadura e arranque de boa qualidade. A palhada suportou as chuvas torrenciais de julho e evitou erosão. “Não tivemos problemas de perda este ano. Iniciamos a colheita de aveia branca de 10 a 28 de de agosto, nas áreas onde vai milho. A colheita de trigo foi de 4 a 20 de outubro. A canola colhemos após 25 de outubro. Está toda colhida, seca no galpão. Não teve atropelo”, afirma. O produtor colheu a média de 34 sacas de canola por hectare, perfazendo cerca de 3,5 mil sacas. “Foi muito bom o resultado, considerando o investimento e o ano”, diz o produtor, que teve prejuízo nas duas últimas safras de soja. “Na parte de receita, a canola nunca deixou negativo para nós. Sempre cobriu os custos e deixou uma receita bem interessante”, conclui.

Já nos plantios de trigo, Boligon diz que obteve boa produção e qualidade nas áreas plantadas com cultivares precoces, que permitiram a colheita em janela de clima adequada. “Os últimos 30% da área, as doenças giberela e brusone pegaram no florescimento em setembro. Na colheita, a chuva judiou um pouco a qualidade, mas na média foi bem, não dá para reclamar”. Nas áreas agrícolas com rotação de culturas o resultado foi melhor. “A canola dá supressão de giberela e brusone em áreas que faz canola um ano antes, tem diferencial de entregar lavoura mais esterilizada para a entrada do trigo”, pontua. 

Boligon agora se dedica à implantação da soja. Na semana passada, aproveitou uma janela de oito dias ensolarados para semear alguns talhões. Nesta semana, o retorno da chuva paralisou as atividades. “Deu 160 milímetros em uma noite, pegou a soja germinando”, contou. Na cultura de verão, ele trabalha com 40% da área de soja com variedade precoce em plantio espaçado. “Todo ano testamos materiais comerciais para ver o que mais se adapta. A alternativa este ano será trabalhar com materiais de soja resistente a doenças radiculares, de tetos produtivos altos, e de vários ciclos. Não dá para apostar em apenas um material”, afirma Boligon, que ainda espera o desenvolvimento de materiais de canola com resistência a herbicidas.

Redução no volume de trigo poderá atingir 45%

Estimativa da consultoria Safras & Mercado prevê safra de 3,3 milhões de toneladas, ante as 6 milhões de toneladas de 2022, mas prejuízo maior está na qualidade final da colheita, que servirá, em pelo menos 50%, à indústria de ração animal

No ano passado a indústria moageira do Rio Grande do Sul adquiriu entre 80% e 90% da matéria-prima produzida no Estado| foto: Paulo Kurtz / Embrapa / Divulgação CP

Um ano após colher a maior e melhor safra de trigo da história do Rio Grande do Sul e de comercializá-la em um cenário igualmente favorável, o produtor gaúcho enfrenta um cenário oposto em 2023. Com mais de 80% da safra 2023/2024 colhida, ainda trabalha sob uma incógnita quanto ao volume e à qualidade do grão que resultará do 1,5 milhão de hectares plantados no Estado. 

Quanto mais a colheita avança e menos o El Niño dá trégua, mais aumenta a certeza de que a quebra será muito maior do que a estimada antes do plantio. À época, o produtor sabia que os períodos de florescimento e de colheita ocorreriam em meio a chuvas frequentes. O que não esperava era que precipitações fossem tão volumosas, intensas e avassaladoras como foram, nem perdurassem assim ao longo do mês de novembro. 

Mesmo diante dos levantamentos oficiais que apontam perdas na casa dos 30% na safra do trigo neste ano em comparação com a safra anterior, tanto o setor produtivo quanto especialistas de mercado preveem que o comprometimento da produção gaúcha de trigo deva ficar em torno de 50%. No 2º Levantamento da Safra de Grãos, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projetou que o RS colherá 3,98 milhões de toneladas do cereal, volume 30,5% menor que as 5,73 milhões totalizadas pela estatal em 2022. A Emater/RS-Ascar, por sua vez, indica 3,28 milhões de toneladas, um saldo 27,88% inferior aos 5,28 milhões de toneladas de 2022. 

Para a consultoria Safras&Mercado, a estimativa de queda está, por enquanto, em 45% sobre as 6 milhões de toneladas do ciclo anterior. “Tem muita gente que subestima a safra passada. Preliminarmente, trabalhávamos com uma produção de 5,4 milhões de toneladas para 2023, já prevendo redução devido ao clima. Hoje, falamos de 3,3 milhões de toneladas no Rio Grande do Sul”, detalha o analista da consultoria, Élcio Bento. 

Considerada atípica pelo presidente da Comissão de Trigo da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Hamilton Jardim, a safra deste ano preocupa não somente pela quantidade, mas, principalmente, pela qualidade, em especial no que diz respeito ao trigo vendido para panificação. “Se nós colhermos 3,5 milhões de toneladas será bastante, mas teremos um problema sério. Eu imaginava que teríamos 800 mil toneladas do trigo tipo 1, mas não sei se teremos”, admite. 

A redução do peso hectolitro (PH), unidade classificatória que determina a qualidade, a utilização do grão na indústria e a rentabilidade do produtor abrem espaço para a destinação do trigo para a alimentação animal. Mas como os estragos da chuva (e das doenças) não foram totalmente dimensionados, não é possível determinar a fatia que servirá ao cocho. Mesmo assim, o consultor Élcio Bento arrisca: “Eu chutaria em mais da metade”. O presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Rio Grande do Sul (Sinditrigo-RS), Cláudio Luiz Furlan, afirma que o segmento trabalha com a perspectiva de um “grande” percentual de trigo tipo 3 “ou abaixo disso”, com até 500 mil toneladas do trigo tipo 1. A quantidade representa apenas 25% dos 2 milhões de toneladas anuais processadas pela indústria a moageira gaúcha. Com isso, o volume do grão tipo 1 importado da Argentina deve ser maior que no ano passado, quando o país vizinho produziu 11,5 milhões de toneladas, ante os 23,3 milhões de toneladas do ciclo 2021/2022.

“A indústria do Estado mói mais de 2 milhões de toneladas ao ano e é sempre um dos maiores adquirentes da safra gaúcha. Ano passado, entre 80% e 90% do trigo moído foi gaúcho, dada sua excepcional qualidade e quantidade”, revela. A redução do preço do grão para ração em comparação ao do trigo pão está na proporção atualizada de R$ 1,66 mil a tonelada para R$ 800, segundo Bento. 

Comercialização

Enquanto o mercado mundial do trigo se reacomoda após o salto meteórico das cotações, gerado pela guerra entre Rússia e Ucrânia no primeiro semestre de 2022, o produtor baliza os negócios a valores, em média, entre 20% e 25% menores do que no mesmo período do ano passado – mesmo que as cotações tenham subido em igual velocidade no último mês. “Em novembro de 2022, o produtor gaúcho vendeu a tonelada de trigo tipo 1 a R$ 1,66 mil. No mesmo mês de 2023, o mesmo negócio foi fechado com a tonelada a R$ 1,24 mil, valor que, em outubro, era de R$ 1 mil”, explica Bento. 

A tendência, afirma o consultor, é, de fato, que a redução na oferta do trigo de qualidade sustente os preços em patamar mais elevado que o atual por um bom tempo. A dificuldade que vislumbra, porém, é que poucos produtores conseguirão aproveitar o momento do mercado. “Os preços vão subir, mas para quem tiver trigo. Só no Paraná, a elevação (dos preços) ocorreu na média de 32,4% de 10 de outubro a 10 de novembro e, no Rio Grande do Sul, de 24% no mesmo período. Mas ainda assim existe uma queda em torno de 25% na comparação com o ano passado”, analisa.

A comparação também fica clara no levantamento diário do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). Entre 6 e 9 de outubro, o preço com que o grão equiparou-se ao visto, pela última vez, em 13 abril de 2020. Nessa data, a tonelada chegou a R$ 1,02 mil e, pela primeira vez, rompeu a barreira dos R$ 1 mil desde o início da série histórica, em 2 de fevereiro de 2004.

O estudo também evidencia que a atual cotação do grão, para a qual usa a referência de 10 de novembro, é a mais baixa dos últimos quatro anos. A redução é de 32,9% em comparação com a mesma data do ano passado, de 24,9% se relacionada à de 2021 e de 22,8% ante a de 10 de novembro de 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19. A queda fica maior ainda na comercialização da tonelada em 10 de junho, que, neste ano, foi cotada a R$ 1.240,73, ante R$ 2.117,52 em 2022, evidenciando uma desvalorização de 70,66%.

Leilões públicos contrapõem indústria e produtor

Intervenção governamental remunera o produtor pelo preço mínimo do trigo garantido em lei, mas escoa a oferta para fora do Estado e deixa moageiras em alerta quanto à falta da matéria-prima e à elevação dos custos de importação

Frente à desvalorização do trigo no mercado, principalmente entre agosto e outubro, quando a tonelada foi comercializada ao mesmo patamar visto em 2020, as cooperativas pediram apoio ao governo federal. A resposta veio por meio dos leilões públicos do grão, balizados pela Política de Garantia de Preço Mínimo (PGPM), do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). As operações realizados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) contam com R$ 400 milhões para subvenção do preço mínimo de R$ 87,77/saca de 60 quilos do trigo tipo 1. O valor é 32,45% maior que, por exemplo, a cotação média do cereal calculada pela Emater-RS/Ascar para o período de 13 a 17 de novembro, de R$ 59,28/saca.

De 31 de outubro a 14 de novembro, a Conab realizou três rodadas via o Prêmio de Escoamento da Produção (PEP) e outras três via o Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro). Segundo a companhia, foram escoadas 424 mil toneladas de trigo até agora, sendo 202.962 toneladas somente do Rio Grande do Sul. No Pepro, ferramenta com foco no produtor, das 250 mil toneladas do RS, 197,36 mil toneladas foram vendidas. Já por meio do PEP, cuja responsabilidade financeira e operacional sobre o escoamento é das indústrias, os negócios absorveram apenas 2,6% da oferta. Das 210 mil toneladas ofertadas nas três oportunidades, 5,6 mil foram adquiridas. 

A baixa procura pelo prêmio destinado às indústrias de fora dos estados ofertantes (Bahia, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina) denota o descontentamento das moageiras com a intervenção. “O prêmio está tirando o trigo que vai faltar. Vamos ter que trazer de volta, buscar oferta na Argentina. O custo ficará maior tanto para a indústria quanto para o consumidor”, alerta o presidente do Sinditrigo-RS, Cláudio Furlan. “Temos moinhos do interior que terão de levar o trigo até suas unidades, pagar a mais pelo frete tanto da Argentina como ao fazer o processo inverso com nosso próprio trigo”, avalia. 

A previsão, segundo Hamilton Jardim, que também preside a Câmara Setorial das Culturas de Inverno do Mapa, é que os leilões ocorram de forma sistemática até dezembro.

“Haverá leilões até que toda a subvenção (R$ 400 milhões) seja utilizada”, diz. Contudo, Furlan adianta que a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) dialoga com a Secretaria de Política Agrícola do Mapa para diminuir a necessidade de a indústria importar a matéria-prima para produção de itens como, por exemplo, massas e pães. “Este ano, foi produzido muito pouco trigo tipo 1 no RS que, em função de o governo ter colocado um prêmio de R$ 563 para cada tonelada, está indo para outros estados. Ao mesmo tempo, será grande o volume de trigo para ração, utilidade para a qual não temos consumo aqui”, explica. 

O presidente do Sistema Ocergs-Sescoop/RS, Darci Hartmann, diz que os leilões estão servindo para regular o mercado para que, “no futuro, ele possa se normalizar, se estruturar e fluir normalmente em todas as suas atividades”. A comercialização, segundo ele, está dentro do previsto, e regiões importantes como Passo Fundo, Vacaria e Cruz Alta ainda não finalizaram a colheita. “O trigo de boa qualidade que está nos armazéns deve ter boa oportunidade de comercialização no futuro”, projeta. 

A pressa está em liberar espaço nos silos para o milho e a soja, que estão com boa perspectiva de produção. “Os moinhos gostariam que as cooperativas estocassem o produto de melhor qualidade para comprar o ano todo. Mas nenhuma tem condições para isso. O prejuízo está aí, a chuva foi demais, agora a perda está consolidada. É preciso olhar para frente”, conclui.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895