Solidariedade que ganha força no pomar

Solidariedade que ganha força no pomar

Projeto do Sesc motiva produtores de Porto Alegre e Região Metropolitana a doarem frutas e verduras que seriam descartadas às comunidades onde existem populações em situação de vulnerabilidade social

Por
Camila Pessôa

Um programa implantado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) desde 2014 vem ganhando força entre os produtores de frutas e verduras de Porto Alegre e da Região Metropolitana. A temporada de arrecadação de frutas e verduras de 2023 do Pomar Solidário, que se iniciou em março, já recolheu para doação 60 toneladas de alimentos que seriam descartados, 26 toneladas a mais do que o volume do ano passado. Provavelmente, o aumento se deve ao crescente engajamento da população em geral quanto à mitigação da fome. “Eu entendo que tem aumentado a procura por uma maior sensibilização das pessoas a respeito da vulnerabilidade”, acredita Andrea Przybysz da Silva Rosa, nutricionista que coordena a campanha.

Integrante do programa Mesa Brasil, que recolhe doações em feiras, o Pomar Solidário tem como meta evitar o desperdício de comida. Por isso, requisita aos produtores aqueles alimentos que não são vendidos ou não são consumidos pela família nas propriedades. De acordo com Andrea, o que seria desprezado vai para instituições sociais que precisam de alimentos, principalmente de frutas e verduras, as quais normalmente não são prioridade de compra e que têm um alto valor nutritivo.

Para doar, qualquer produtor ou pessoa que plante para consumo próprio e tenha excedente de frutas e verduras pode entrar em contato com unidades do Sesc participantes do programa Mesa Brasil. O doador tem as opções de chamar o Sesc até sua casa para a coleta ou de levar os produtos até a unidade escolhida, que, depois, faz o contato e entrega às instituições inscritas, mais de 300 apenas na Região Metropolitana da Capital. Havendo combinação prévia, o Sesc pode ajudar na colheita. “Aumentou muito a procura das pessoas para doar no Pomar Solidário. Muitas vezes, o alimento não é colhido e acaba atrapalhando na casa da pessoa, fica caindo no chão, então evitamos o desperdício onde a gente vai buscar”, comenta a nutricionista. 

Segundo Andrea, esse crescimento no volume de doações começou a ocorrer a partir de 2020, com a pandemia, associado a uma maior sensibilização das pessoas quanto à pobreza. Em Porto Alegre e Região Metropolitana, os alimentos mais doados são bergamota, limão e laranja, aqueles que são encontrados com mais frequência em pomares domésticos. Para a distribuição dos alimentos, o programa considera tanto as solicitações das instituições quanto as necessidades nutricionais da grupo de pessoas atendido. “Nós temos, hoje, mais de 40 rotas de entrega de alimentos para dividir nessas mais de 300 instituições, então, tentamos fracionar o maior número possível para atender essas demandas”, explica. 

As doações facilitam o acesso das instituições a verduras e frutas orgânicas, itens que não conseguiriam de outra forma, pois costumam receber cestas básicas com alimentos não perecíveis. “Acaba fazendo a diferença para uma pessoa ficar menos doente, porque a fruta tem Vitamina C, ou para evitar uma constipação porque está comendo uma verdura folhosa. Então são diferenciais que a instituição recebe e que talvez não pudesse comprar”, complementa a nutricionista, ao acrescentar que o sistema também torna mais fácil para as instituições praticarem entre os atendidos um trabalho de educação alimentar. 

“Por que jogar fora?”

Em 2022, o programa Mesa Brasil concretizou uma parceria com a Emater/RS-Ascar que tem ajudado na divulgação do Pomar Solidário entre os agricultores. Foi por meio da assistência técnica da Emater que o produtor Hildemar Piber, dono de uma propriedade de 10 hectares na zona rural de Porto Alegre, conheceu o projeto no início deste ano. Incentivado pela filha, o produtor já doou caixotes de pepino, carambola e vagem. “O excesso pode ajudar muito as crianças. Para quê que tu vais botar fora? Quando tem excedente, minha filha pega e doa, porque os pés estão carregados, está a coisa mais linda”, relata Piber. “É coisa bem ruim a pessoa ser pequena, criança, querer comer uma coisa e não ter. A gente passou por isso também, então a gente doa, não é muito, mas sempre ajuda”, completa.

Piber, produtor da zona rural da Capital, já doou pepinos, vagens e frutas como a carambola | Foto: Camila Pessôa / Especial / CP.

O produtor Renato Leal, do município de Três Cachoeiras, doa frutas ao Mesa Brasil todas as semanas há 11 anos. Ele faz parte da Rede Ecovida, associação de 700 famílias produtoras de banana na região do Litoral. Leal já acumulou 550 toneladas em doações da fruta. Além das bananas, a rede também oferece, eventualmente, rúcula, maracujá, alface e repolho. “Depois que eu conheci esse trabalho, eu me encantei, deveria ter mais gente participando” ressalta.

Leal costuma fazer visitas às instituições para as quais doa alimentos. Sua ida mais recente foi a uma creche com 80 crianças em Viamão. “A gente conversou lá com uma menina e ela disse: ‘o que chega sempre aqui é banana, sempre tem’. Então daquele dia em diante eu faço forças para sempre doar uma quantia, às vezes mais, às vezes menos, mas eu faço força, com certeza. Para mim é muito importante, é tão importante quanto vender, a gente se sente bem e faz bem e é muito gratificante mesmo. A gente sabe que 30% de toda a produção é jogada fora, então por que não doar?”, questiona.

Correio do Povo
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