Uma semana sem “X”: qual o tamanho do impacto do bloqueio na rotina dos tuiteiros?
Rede tem cerca de 22 milhões de usuários brasileiros e está bloqueada no país desde o sábado, 30 de agosto

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“Se eu estivesse acordada, eu estava online no Twitter. Periga de eu já ter tuitado dormindo. Não vou dizer que isso nunca tenha acontecido”. A ávida twitteira ‘Deborista’ é uma dos cerca de 22 milhões de brasileiros que tinha o “X” (antigo twitter) como companheiro de grande parte de seus dias. Mas desde a madrugada do sábado, 30 de agosto de 2024, a rede social está bloqueada em todo o país. Passada exatamente uma semana da proibição da rede em solo brasileiro, a ausência da rede social do Elon Musk já impactada no dia-a-dia da população.
Por trás do username ‘Deborista’, uma “contadora de histórias profissional e influência provinciana” — como definida em sua bio — está a roteirista e redatora, de 30 anos, Débora Salve.
A usuária da rede por quase 15 anos, tendo criado sua conta em outubro de 2009, brinca que sente uma certa abstinência e um vazio devido a ausência dos tuítes. Mas define que, no fim das contas, o sentimento é mesmo de tristeza.
“Nessa rede social estão 15 anos de relatos sobre a minha vida. Muitas amizades e pessoas que eu admiro, que eu gosto de acompanhar. Muitas dessas pessoas acompanharam os momentos mais difíceis e os mais felizes da minha vida e eu nem conheço elas pessoalmente”.
Débora conta que costumava acompanhar o que definiu como “relatos pessoais de personagens que se desenvolveram naquele site”. Para não perder o propósito, tentou migrar para redes como o Threads, mas que estranhou a dinâmica de uma rede social que traz características mais próximas do Instagram.
Não se adaptando ao Threads, fez como outros milhares de brasileiros e migrou para a rede BlueSky, dos mesmo criadores do Twitter original, e que passou a ter os brasileiros como sua maior base de usuários depois do bloqueio do X por aqui.
“Ele é bem parecido com o Twitter. Por mais que não seja o Twitter, parece que ainda falta uma coisa. Eu escrevi… ia dizer que eu tinha twittado, mas eu escrevi no Bluesky, ‘Blueskyzei’, não sei como é que fala na nova plataforma, que parece que a gente fez uma mudança de casa nova: a casa está meio suja, tudo empoeirado, as caixas estão espalhadas pela sala, eu não sei onde é que está cada coisa, sabe. Essa confusão que uma mudança traz”.
Na contramão, Gabriel Guedes ficou ansioso com a ideia de ficar sem o X, mas também acabou logo migrando para o Bluesky. “Tudo funciona como deveria, tem interface parecida”, explica o roteirista e estudante de comunicação. Contudo, ele sente que ainda existem diferença suficientes entre as redes:
“O que eu vejo que muda de fato é que antes tínhamos uma informação em tempo real, o tempo inteiro. Enquanto isso, estávamos com uma rede que mesmo cheia, porque todo mundo migrou em massa, ainda não tem aquele imediatismo ‘aqui e agora’ do Twitter.”
O X era presença constante na vida de Guedes, sendo mesmo impossível cronometrar quanto tempo era dedicado na plataforma.
“Ele virou aquele site que sempre tá na aba do lado do navegador, porque se alguma coisa fosse acontecer com certeza ia ser falado no Twitter. O Twitter se manteve como esse meio de comunicação que nunca para. Esse imediatismo é uma coisa que sentimos muita falta, inclusive quando não estamos nele.”
Solidão e compulsão: os sintomas de estar por fora da rede
É justamente essa ansiedade por falta da rede, o principal ponto destacado pela psicóloga Jéssica Mrás. Para ela, pessoas que tinham o hábito de usar o X podem apresentar alguns sintomas como ansiedade ou Fear of Missing Out (FOMO), devido a sensação de estarem perdendo algum tópico, discussão, evento muito importante dentro da rede.
Além da sensação de solidão, segundo Jéssica, é possível que experimentem compulsão no ato de tentar acessar o aplicativo sem sucesso, além de “alterações de humor como tristeza e irritabilidade já que não existe mais aquela fonte de dopamina (neurotransmissor associado ao prazer ou recompensa)”.
“Se discute sobre o Transtorno de Dependência de Internet, mas ele não é reconhecido formalmente no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Porém, dá pra incluir o vício em redes sociais dentro do Transtornos de Comportamento Aditivo”.
Jéssica afirma que diversos de seus pacientes comentaram sobre o bloqueio da rede em meio às sessões de acompanhamento psicológico.
Os sentimentos, segundo ela conta, consistiam em “uma mistura de tristeza e alívio por saberem que, apesar de ser uma rede social divertida, tinha inúmeras problemáticas que afetam a vida deles”.
Dentre essas problemáticas, foi destacado o tempo que perdiam rolando o feed e os estresse com fake news e com pessoas intolerantes usando a rede.
Como usuária do antigo Twitter, ela relata que ficou bastante chateada nos primeiros dias, mas que buscou trabalhar de forma consciente a falta porque “não queria substituir o uso do X aumentando o consumo em outra rede”.
“Aproveitei esta situação como uma oportunidade de criar novos hábitos que fossem saudáveis e produtivos. Cheguei a baixar o aplicativo substituto, porém não me engajei muito, principalmente por causa desta nova rotina que criei pra mim.”
Impacto profissional
Os usuários do X tornaram a rede uma plataforma notavelmente diferente das demais, tanto os assuntos comentados, como o tipo de humor das publicações. “Existe um humor de Twitter que é bem específico, né? Sempre um tuiteiro reconhece outro Twitter”, destacou Débora.
Essa linguagem própria da rede e o fato de ter usuários específicos, dificulta a produção de conteúdo e transição para outras redes. O jornalista e um dos donos da página “Museu de Memes do Grêmio”, que produz humor esportivo, Vitor Figueiró, contou que o bloqueio do X causou uma redução de cerca de 85% do seu público.
Segundo Vitor, a rede era o primeiro e mais relevante espaço em que seus conteúdos eram publicados, tendo acumulado cerca de 27 mil seguidores desde 2019.
Atualmente, Vitor e sua namorada, também jornalista e dona da página, Carolina Chassot, estão em viagem ao exterior. Portanto, ainda têm acesso à rede. “Postamos no X porque existe um público ali, ainda que pequeno, então em respeito a ele”.
Assim como os demais usuários, o “Museu”, como é conhecido, também migrou para o Bluesky, sem perder a oportunidade de brincar com isso:
“Já alcançamos uns 4 mil seguidores nesse primeiro momento, mas não estamos totalmente engajado ainda, não é o nosso foco. Estamos mais marcando posição”, explicou.
Além da redução do alcance da página, Vitor também lembra de um outro prejuízo causado pelo bloqueio: para ter acesso a recursos importantes para uma página, precisavam assinar o serviço premium da plataforma.
“Pagamos o ano inteiro porque, dentro do que vinhamos recebendo com a página, fazia sentido optar por essa escolha. Mas permanecendo isso [bloqueio da rede] quando vencer, não tem a menor razão de renovar”, explica.
A força da página do Museu do Futebol no Instagram tem mantido parte importante da relevância dos conteúdos. Alguns dos conteúdos que estavam acordados para serem publicados no X foram transferidos para outras redes, para manter entregas contratadas com os contratos firmados.
“Tudo é análise dia após dia, mas neste momento estamos seguro quanto aos contratos que firmamos. São dois patrocinadores que temos na página. [...] Já debatemos isso com eles e segue tudo normal”.