Lentidão na retomada de preços do boi gordo

Lentidão na retomada de preços do boi gordo

Mesmo com oferta ajustada, preços da carne bovina gaúcha estagnaram na faixa dos R$ 8,00 há mais de um mês

Thaise Teixeira

Produtor que pode tem segurado gado em pasto na expectativa de preços melhores

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O mercado gaúcho do boi gordo frustra as expectativas de quem esperava pelos meses de verão para rentabilizar a oferta. Com menor disponibilidade da matéria-prima devido à ocupação das áreas de pastagem pelos cultivos agrícolas, a estimativa era de que o quilo vivo batesse a média de R$ 8,70. Entretanto, no levantamento de 21 de fevereiro, chegou a R$ 8,25, depois de estagnar em R$ 8,35 por praticamente um mês nos monitoramentos semanais do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NESPro/UFRGS).

Apesar da média da última semana ser 19,6% maior que a consolidada em 23 agosto de 2023 (R$ 6,90 kg/vv) - há praticamente seis meses, quando o ciclo pecuário estava em baixa - é 14,6% menor que a de 22 de fevereiro de 2023. O NESPro mostra que, há praticamente um ano, o boi gordo chegava ao gancho na média de R$ 9,66 kg/vv, com preço mínimo de R$ 9,15 kg/vv e máximo de R$ 9,90 kg/vv. “Estamos verificando que, para a oferta que existe, o preço deveria subir. Mas o fluxo do produto a partir da indústria está muito lento”, aponta o coordenador do NESPro/UFRGS, Júlio Barcellos.

Um dos motivadores, segundo o professor, é a retração no consumo da proteína no mercado interno, mesmo com o aquecimento da demanda nas festas de final de ano e nos meses de férias. “Posterior ao Carnaval, há uma ressaca que se reflete em termos gastronômicos e no consumo de todos os bens e serviços. Com a economia retraída e menor fluxo de carne, há dificuldade de o varejo repassar o aumento para o consumidor e de a indústria repassar para o pecuarista”, explica Barcellos.

O presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Ladislau Böes, confirma que os frigoríficos estão abastecidos de matéria-prima. “A gente acredita que a maioria das indústrias tenham escala de abate, pelo menos, para os próximos dez dias. Aconteceu uma diminuição na oferta de fêmeas, mas nada que comprometa”, declara Böes. No Estado, as escalas variam de sete a 10 dias. Quando são inferiores a uma semana, normalmente, resultam em melhora na remuneração ao pecuarista, já que denotam maior demanda da indústria e do varejo.

Além do consumo contido, o Sicadergs pontua que existe uma oferta abundante de carne procedente de outros estados no Rio Grande do Sul. Segundo a entidade, os cortes chegam com preços mais competitivos que os locais e ganham a preferência dos gaúchos nos supermercados. “Hoje, em torno de 42% das vendas de carne desossada, no RS, é oriunda de outros estados, conforme informação da Secretaria da Fazenda. São cargas que vêm direto para o varejo”, analisa Böes.

Por fim, o presidente do Sicadergs avalia que o primeiro semestre do ano é sempre mais difícil, pois o consumo tende a ceder. No entanto, não projeta evolução ao mercado. “Não acreditamos em possibilidade de alta, mas em estabilidade”, diz. Enquanto isso, à espera de melhores preços, o produtor que pode tem segurado o gado no campo.

A desvalorização da carne bovina brasileira no mercado internacional, em janeiro, também atua de forma decisiva na precificação do boi gordo nas negociações domésticas. A desvalorização da commodity acumulada no período foi de -14,6%, na comparação com janeiro de 2023, informou a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), com base nos dados consolidados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

A discrepância ocorreu porque os preços médios pagos pelos importadores pela tonelada dos produtos saíram de 4,6 mil dólares, referência alcançada em janeiro de 2023, para 3,9 mil dólares.
Por esse motivo, embora o volume de carne bovina brasileira embarcada tenha aumentado 28%, sob a mesma base de comparação, a comercialização resultou em um faturamento 9,3% maior. Em janeiro de 2023, as 235,3 mil toneladas de carne (in natura e produtos derivados) renderam 930,6 milhões de dólares às indústrias frigoríficas,. Entretanto, em janeiro de 2022, 183,8 mil toneladas totalizaram 851,1 milhões de dólares. “Os grandes importadores estão conseguindo carne a preços mais modestos e isso repercute em todo o mercado brasileiro”, analisa Barcellos.

A China segue como principal cliente da carne bovina do Brasil, mesmo reduzindo as compras. O país adquiriu 41,2% do total exportado pelo segmento no mês passado, com 97 mil toneladas. A quantidade é 3,1% menor que as 100,1 mil toneladas importadas em janeiro de 2023. Com uma desvalorização de 9% no preço pago pela tonelada, a Abrafrigo apontou receita final de 427,4 milhões de dólares com as transações chinesas, que ficaram 11,9% aquém dos 485,3 milhões de dólares obtidos em janeiro do ano anterior.

As mudanças foram sentidas também nas aquisições norte-americanas. Os Estados Unidos consolidaram-se como o segundo maior importador no segmento, mas também apresentaram forte redução na remuneração. Enquanto o volume adquirido foi 225,9% no período (de 15,2 mil toneladas para 49,8 mil toneladas), o preço recuou 43,3%.

Em contrapartida, os Emirados Árabes Unidos, a alta da receita acompanhou a do volume adquirido. Segundo a Abrafrigo, o país elevou as aquisições em 309,9% em janeiro deste ano, com acréscimo de 308,3% no faturamento, ante janeiro de 2023.

Condições variáveis de manejo também Influenciam movimentos no campo

Frente às condições de mercado desfavoráveis, o pecuarista que pode segurar o gado no campo à espera de melhores preços, o faz. Porém, a diminuição no ritmo de comercialização vem acompanhada dos desafios sanitários, nutricionais e financeiros trazidos pelo clima adverso. Depois de volumosas chuvas na última primavera, que resultaram num crescimento excessivo do pasto e dificultaram a alimentação dos animais, a luta agora é contra as pragas, em especial, o carrapato, parasita que causa perdas muito significativas à pecuária. “Temos uma presença de pragas como nunca tínhamos visto, o que demanda muitos controles, tratamentos sanitários, prejudica a produção e aumenta a taxa de mortalidade”, relata o professor Júlio Barcellos. A alta nos custos também se reflete nos processos reprodutivos, cuja eficiência é prejudicada, dentre outros fatores, por inadequadas condições nutricionais e sanitárias.

Quem decidiu esperar para vender o gado mais adiante tem que lidar, ainda, com o estresse térmico dos animais, uma vez que o verão gaúcho é caracterizado por altas temperaturas, muitas vezes acima da média. Com o rebanho, em sua grande maioria, formado por bovinos de origens europeia e britânica, os pecuaristas gaúchos se desdobram para evitar perdas produtivas e reprodutivas com os exemplares que não toleram bem temperaturas extremas – como as da última semana de janeiro e dos primeiros sete dias de fevereiro. “Muitas das raças criadas no Rio Grande do Sul sofrem um pouco, principalmente nas regiões de vastidão e de pouco sombreamento, porque o gado pasta menos e produz menos”, completa Barcellos.

De acordo com a Emater/RS- Ascar, os problemas com pragas vêm sendo observados de perto. Os pecuaristas, em regiões como a de Bagé, têm dado especial atenção às ações de controle ações de controle de verminoses e monitoramento de parasitas externos, como o carrapato e a mosca. Na regional de Caxias do Sul, um outro problema está sendo verificado, além do controle de ectoparasitas: a mortalidade de bovinos em bom estado nutricional em razão da à ingestão de maria-mole. A planta, tóxica aos animais e que desde o ano passado vem infestando mais áreas, causa doença irreversível e evolutiva no animal, o que representa a morte de até 40 mil bovinos por ano no Estado e perdas econômicas de 10 milhões de dólares anuais, de acordo com o Centro de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi).

A Emater também relata que há regiões do Estado, como a de Bagé, onde o pasto nativo enfrenta dificuldades de crescimento, em razão da falta de chuva que perdura há mais de três semanas. O mesmo problema também tem afetado as pastagens perenes, que sofrem com a falta de umidade e alta insolação. Com temperaturas mais amenas, na Serra as taxas de crescimento de pastagens de verão têm sido favoráveis.
Já na regional de Ijuí, nas Missões, houve diminuição na produção de massa verde das pastagens, devido a baixa umidade no solo, o que acarretou redução estimada em cerca 50% no potencial produtivo de forrageiras anuais e perenes de verão. Em Frederico Westphalen, as pastagens anuais de verão, principalmente capim sudão e milheto, apresentam bom desenvolvimento, assim como as pastagens perenes de verão, com rebrote significativo causado pelo equilíbrio entre períodos de sol e chuva.
Em Santa Maria, as chuvas recentes revitalizaram o crescimento das pastagens, garantindo a disponibilidade em termos de quantidade e qualidade. E em Santa Rosa, apesar da má distribuição das chuvas, a maioria das propriedades mantém oferta adequada de pastagem, e não há registros de ataques de pragas.


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