Ao longo de ruas e avenidas importantes dos bairros atingidos pela inundação de maio em Porto Alegre, cortinas baixas e placas anunciando venda ou aluguel de pontos comerciais. As ofertas estão por toda parte e traduzem a realidade atual destas regiões, algumas delas antes badaladas e nobres do ponto de vista comercial.
São diversos imóveis disponíveis nos bairros Cidade Baixa, São Geraldo, Floresta e Centro Histórico. A quantidade de imóveis disponíveis sinaliza que alguns empresários desistiram do negócio por impossibilidade financeira de recomeçar ou seguirão seus empreendimentos em outras regiões da cidade que não alagam.
O André Zenatti é proprietário de um mercado na rua José do Patrocínio, na Cidade Baixa. Na quadra em que mantém o comércio há duas décadas, ele é um dos poucos que optou pelo recomeço e acredita que o pior já passou.
“Nas primeiras semanas, fechado e com muitos moradores saindo de uma região, foi difícil. Agora ainda não está normal, mas melhorou o movimento”, comemora.
Zenatti conta que a circulação de pessoas na região ainda está abaixo do normal, em parte, por conta de agências bancárias e alguns serviços públicos ainda fechados. “Não é o principal do meu movimento, por exemplo, mas afeta sim”, atesta.
No Praia de Belas, a mesma sensação: bancos e outros serviços fechados, menos movimento em comércios do entorno. “Tem funcionários de empresas, bancos e um escritório de advocacia que compram comigo. Parte está em home office”, explica o gerente de vendas de uma loja de fast food localizada na avenida Praia de Belas.
O Edson Cavalcanti Rosa perdeu máquinas e materiais de vidraçaria que tinha na Avenida Farrapos, no bairro Floresta. Para seguir com a atividade, mudou-se para um prédio comercial no bairro São João, longe de pontos sensíveis a alagamentos.
“São coisas que não desejamos a ninguém, não queremos passar por tudo aquilo outra vez”, conta.
Mesmo em ruas que não foram inundadas, os comerciantes sentiram o impacto da inundação. No Floresta, foram dias sem energia elétrica, ruas trancadas e lojas vazias. A Marlene Maria Trasel é proprietária de uma loja de artigos para telefone celular na avenida Cristóvão Colombo. Desde o início da crise, dificuldades como atrasos ou cancelamentos de fornecedores.
“É um conjunto de coisas que te impede de trabalhar direito. A maioria dos meus distribuidores ficam no Centro, alguns ainda não reabriram”, avalia.
Mesmo com a dificuldade estampada nas fachadas dos prédios atingidos, a resiliência também se faz presente. Um destes exemplos vem do empresário Albori Rodrigues da Silva. Nesta segunda-feira ele e sua esposa, Geluzane Lazari, reabriram o restaurante que mantém na Avenida Presidente Franklin Roosevelt. No bairro São Geraldo. Foram 87 dias sem faturamento, contabilizando perdas que foram além de mercadorias e mobiliário. Ele também teve a casa arrombada, furtada e vandalizada.
“Do meu restaurante, sobraram apenas as paredes. Perdi quase tudo em casa, além do carro, que também uso para trabalhar. Em um ambiente de alimentação, o retorno é mais lento, envolve a saúde das pessoas. Confesso que cheguei a pensar em desistir, mas preciso recomeçar, pelos empregos que geramos, pelo nosso bairro também, que vive um momento difícil, com moradores e comércios indo embora. Não está sendo fácil, mas estamos tentando dar a volta por cima”, conta o empreendedor.
Para o Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas), o setor viverá os reflexos da cheia ainda por muito tempo. O presidente da entidade, Arcione Piva, estima que entre 10 e 15% dos comerciantes atingidos pela inundação não terão condições de reabrir.
“Ainda estamos tentando entender a extensão do que ocorreu, mas temos visto muitas portas fechadas, o que é muito preocupante. As áreas afetadas, como o Quarto Distrito, são formadas sobretudo por micro e pequenos empresários, sabemos que muitos deles não dispunham de reservas para recomeçar”, avalia o presidente.
Piva revela que o Sindilojas tem realizado buscas ativas e pesquisas com empreendedores do Centro Histórico e Quarto Distrito. O objetivo é um levantamento de dados e oferecer apoio e orientação jurídica para a liberação de recursos federais e estadual.
“No início da crise, o Sindilojas apoiou os associados com materiais de limpeza e outros itens. Neste momento, estamos trabalhando para contribuir com a recuperação econômica dos empreendimentos, prestando esclarecimento sobre os auxílios, créditos e encaminhamento de documentos”, enumera.
A presidente da seccional Rio Grande do Sul da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Maria Fernanda Tartoni, reforça que o menor fluxo decorre de muitas pessoas ainda estando em home office como regime de trabalho. “Aos poucos o Centro Histórico deve voltar a algo mais próximo da normalidade, mas por enquanto ainda o movimento é fraco. Não podemos esquecer do turismo: com o aeroporto inoperante, o movimento diminui. Temos dias de luta, mais uma vez, até voltarmos ao normal.”
O Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac também acompanha este momento com preocupação. O presidente Luiz Carlos Bohn afirma que, ao mesmo tempo em que os dados mostram reação da atividade econômica, indicam heterogeneidade da retomada no nosso setor.
"Se por um lado, a injeção de recursos para auxílio às famílias tem repercutido no crescimento das vendas dos setores do varejo gaúcho diretamente ligados à reconstrução, temos turismo e transportes que seguem impactados e sem uma perspectiva clara de retomada no curtíssimo prazo. Pelo lado do emprego, os dados de maio do novo CAGED mostraram uma destruição líquida de 22 mil empregos no RS, com uma queda brusca nas admissões. Só em Porto Alegre a destruição passou de 2,5 mil postos de trabalho formais - sendo que maio é um mês em que tipicamente não há destruição de emprego na capital. Os dados de atividade, apesar de mostrar também reação da atividade na Capital, mostram um crescimento abaixo da média do Rio Grande do Sul”, detalha.
O dirigente destaca a incerteza sobre o cenário futuro. “Apesar dessa recuperação em curso, puxada pelos setores envolvidos na reconstrução, para além do efeito da retomada das atividades após a paralisação, a dúvida fica para após esse período de curtíssimo prazo. É nesse momento em que deve aparecer com mais clareza os efeitos sobre o mercado de trabalho - que teve um suporte muito tímido diante do que era possível e necessário em termos de política pública - e as consequências sobre a estrutura produtiva. Isso repercute e tira nossa capacidade de crescimento no médio e longo prazo”, completa Bohn.
Êxodo
O presidente da Associação dos Empresários do 4º Distrito Atingidos pela Enchente, Arlei Romeiro, prefere não estimar o tempo para a recuperação da área. Ele espera que iniciativas como as linhas de crédito do governo federal, geridas por meio do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Badesul, e programas como o lançando pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no RS consigam dar suporte aos pequenos empresários atingidos pelas enchentes.
“A verdade é que a situação está muito grave. Enquanto esse efetivo financeiro não chegar aos bancos, não conseguiremos ter acesso e, sem isso, estamos impossibilitados de fazer qualquer coisa”, alertou o presidente da associação.
Ainda de acordo com o representante do 4º Distrito, os empresários gaúchos também esperam acessar o financiamento do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
Arlei Romeiro, no entanto chama atenção para a tendência de esvaziamento do 4º Distrito a partir de empresas que migram para outras bairros da Capital. Tal movimento, aponta o dirigente, é capitaneado por investidores receosos em permanecer na região, que desde antes do dilúvio já registrava alagamentos em menor nível.
Por fim, o presidente da associação diz que há um grupo minoritário de empresas que ainda se estabelecerá no 4º Distrito nos próximos dias, justamente pelo fato da área estar desvalorizada. Em outras palavras, são comerciantes atraídos pela queda no valor dos aluguéis.