No dia em que uma profissional da saúde foi agredida pelo familiar de um paciente num hospital da cidade, Pelotas sediou, no plenário da Câmara de Vereadores, audiência pública regional que buscou debater a implementação do piso salarial da enfermagem e as condições de trabalho dos profissionais da saúde em geral. Aprovada em 2022 pelo Congresso Nacional, a lei que instituiu o piso básico da categoria , não vem sendo colocada em prática de modo efetivo no Estado.
Conforme entidades sindicais, a situação ocorre tanto em hospitais privados e filantrópicos como em públicos estaduais e municipais, incluindo aqueles cuja gestão é privada. Apesar de alguns cumprirem a legislação com o repasse mensal do Ministério da Saúde que é feito a estados e municípios de valores de complemento para o pagamento do piso, estes ficariam na exceção e não na regra. "Terminado o período da pandemia, parece que os enfermeiros, que eram aplaudidos, voltaram à estaca zero", lamenta o deputado estadual Valdeci Oliveira, presidente e proponente da Comissão Especial criada na Assembleia Legislativa para discutir o tema.
Para a presidente do SindiSaúde de Pelotas, Bianca D'Carla da Costa, além do piso, do reajuste e de outras questões relacionadas, temos aquelas ligadas às condições dignas de trabalho. Ela exemplificou com o caso em que uma técnica de enfermagem que teria sido agredida, durante o expediente, por uma pessoa que exigia banho de chuveiro num paciente que não tinha condições físicas para isso. "Muitas vezes não tem nem funcionários suficientes para atender e exigem uma demanda além do que a equipe pode fazer", afirmou, Ela adiantou que entre as medidas tomadas irá buscar explicações junto à direção da instituição empregadora e encaminhar denúncia ao MInistério Público. "O cenário está levando a um adoecimento desses profissionais, com diversos relatos de casos de depressão e uso de medicação controlada. Tem pessoas que não tem leite para dar para um filho, que todo mês ligam para saber que dia irão receber o piso", lamenta.
O fundo de enfermagem, previsto na lei, não foi criado, assim como o reajuste anual do valor do piso foi vetado, quando a lei foi sancionada, em 2022. No ano seguinte, foram liberados R$ 7,3 bilhões e acabaram com as restrições orçamentárias para esse fim. Desde sua implementação, o Ministério da Saúde já repassou mais de R$ 20 bilhões via Assistência Financeira Complementar (AFC) da União aos entes federados para que estes realizem o pagamento do piso, que responde por 60% de toda força de trabalho da área da saúde.
A enfermeira e ex-prefeita de Cristal, Fábia Richter, esteve entre os participantes da audiência. Ela lembrou que hoje consórcios municipais contratam enfermeiros como pessoa jurídica. "Muitos
não recebem a diferença do piso e precisam implorar pelo salário, pois também não sabem o dia que vão ser pagos e nem as suas horas trabalhadas", observa.
Pela lei, o piso básico da enfermagem, incluindo técnicos, auxiliares e parteiras, consiste no mínimo de R$ 4.750 a enfermeiros, 70% desse valor (R$ 3.325) a técnicos e 50% a auxiliares e parteiras R$ 2.375. Mas os gestores têm interpretado a legislação de forma que acabam criando dificuldades para a efetivação da lei.
Para a secretária geral do Sindicato dos Enfermeiros do RS, presidente do Conselho Estadual de Saúde e diretora da Federação Nacional dos Enfermeiros, Inara Ruas a grande complicação do piso foi desvinculá-lo das 30 horas (jornada semanal) e, pior, ser criado (um valor) que era para ser de R$ 7,5 mil. "A proposta do Cofen, em acordo com a patronal, foi para baixar porque eles, os hospitais, não teriam condições de pagar, discussão que temos até hoje", avalia
Outras manifestações foram feitas pelo plenário da audiência também no sentido da valorização da enfermagem por parte da sociedade e do poder público, queixas por jornadas duplas ou triplas de trabalho, falta de insumos, casos de assédio moral e necessidade de maior participação da própria categoria nos debates e mobilizações em defesa das pautas dos trabalhadores da saúde. "Todas as informações que estamos colhendo farão parte do relatório final, com recomendações a estados, municípios, União e aos empregadores para que o cumprimento da legislação, assim como por garantia de condições dignas de trabalho, seja colocado em prática. A lei precisa ser cumprida", garante Oliveira.
Esta foi a segunda de uma série de treze audiências que inicialmente irão acontecer em todas as macrorregiões de saúde do RS. Além de Pelotas, também deverão receber audiências públicas as cidades de Bagé, Caxias do Sul, Cachoeira do Sul, Erechim, Passo Fundo, Porto Alegre, São Borja, São Gabriel, Santa Rosa, Santa Maria e Tramandaí (Cruz Alta realizou a sua em 16 de abril). Juntamente com as audiências, também estão sendo realizadas visitas técnicas em estabelecimentos de saúde públicos, privados e filantrópicos, como foi o caso, no mesmo dia, antes da audiência, da ida da Comissão Especial à Santa Casa de Rio Grande.
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