Dólar vai a R$ 5,68 com temor fiscal e fecha no maior nível desde 20 de maio

Dólar vai a R$ 5,68 com temor fiscal e fecha no maior nível desde 20 de maio

Influenciado pela política brasileira, Ibovespa terminou o dia aos 99.605,54 pontos, com queda de 1,40%

AE

Dólar recuou ante divisas fortes e de emergentes como México, Chile, África do Sul e Colômbia

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O real teve novo dia de descolamento das principais moedas de países emergentes, com o crescente risco fiscal do Brasil voltando a incomodar os investidores. No final do dia, passou a lira turca, moeda que sofre um derretimento este mês, e teve o pior desempenho no mercado internacional, considerando uma lista de 34 moedas mais líquidas. O dólar acabou recuando ante divisas fortes e de emergentes como México, Chile, África do Sul e Colômbia. No mercado doméstico, fechou no maior nível desde 20 de maio, quando encostou em R$ 5,69.

Profissionais das mesas de câmbio comentam que a inércia do governo na questão fiscal, sobretudo após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acusar a base do Planalto de obstruir o avanço das reformas, teve peso decisivo nesta terça-feira para a alta do dólar, dia marcado por fuga de ativos no exterior, em meio ao aumento de casos de Covid-19 ao redor do mundo e a percepção de que um pacote de estímulos nos Estados Unidos só vem depois das eleições. A expectativa é que novidades concretas sobre o ajuste fiscal só virão depois das eleições em novembro.

No fechamento, o dólar à vista terminou o dia em alta de 1,20%, cotado em R$ 5,6827. No mercado futuro, o dólar para novembro, que vence na sexta-feira, era cotado em alta de 1,05% às 17 horas, em R$ 5,6855.

"As preocupações fiscais persistem e os preços vão variar a depender das ações do governo nesta área", afirma a economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte.

Neste ambiente, o dólar pode ir de R$ 4,00 para mais de R$ 6,00, a depender de como fica a responsabilidade fiscal do governo. Para 2021, ela projeta a taxa entre R$ 4,80 e R$ 5,00, com o governo cedendo a certas pressões para mais gastos. "Vai ser difícil ver o governo 100% empenhado em compromisso fiscal."

A economista do Ourinvest observa que a taxa de câmbio, além de mostrar a relação de preços entre duas moedas, se tornou importante medida de risco. E o fato de o real ter se desvalorizado o dobro este ano quando comparado a outras moedas emergentes mostra que há fatores internos contribuindo para aumentar a percepção de risco do País. Entre estes fatores, o principal é o fiscal, disse ela em conversa com jornalistas. Por isso, a previsão é que a divisa dos EUA não volta tão cedo no Brasil ao nível pré-pandemia.

O Bradesco também alertou nesta terça-feira para os riscos fiscais e vê um cenário de incerteza persistindo pela frente. "A situação das contas públicas ainda inspira cautela, já que existem riscos voluntários e involuntários de rompimento do teto dos gastos", ressaltam os economistas do banco em relatório de revisão do cenário.

O banco leva em conta que não haverá flexibilização do teto, postergação do estado de calamidade ou eventual extensão do auxílio emergencial fora do teto de gastos, mas observa que o clima de dúvidas vai prosseguir. Com isso, o dólar deve encerrar o ano em R$ 5,40.

As mesas de câmbio monitoram também a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que começou nesta terça, e a dúvida é o que o BC vai falar dos riscos fiscais e da aceleração da inflação. O consenso no mercado é por manutenção dos juros e o interesse maior é ver como virá o comunicado final da reunião.

Bovespa

A política em Brasília voltou ao radar do mercado nesta terça-feira, ainda negativa no exterior com a incerteza em torno do desenlace da eleição nos Estados Unidos, na próxima semana, e sobre as consequências da segunda onda de Covid-19 na Europa. Tanto os juros como o câmbio e as ações acentuaram o ajuste após declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no período da tarde, que contribuíram para colocar o Ibovespa a 99.413,93 pontos na mínima do dia, com fechamento a 99.605,54 pontos, em queda de 1,40%, a terceira perda consecutiva. Foi também o pior nível de fechamento desde o dia 19, tendo sustentado o patamar de seis dígitos no encerramento desde 20 de outubro, nas cinco sessões.

Mais forte do que no dia anterior, o giro financeiro totalizou nesta terça R$ 24,2 bilhões - na semana, o índice cede 1,63%, limitando o avanço no mês a 5,29%; no ano, o recuo é de 13,87%. Na máxima desta terça-feira, o Ibovespa foi aos 101.660,37 pontos, com abertura a 101.017,38 pontos.

"As declarações do Maia mostram que as coisas, na política, não estão tão joinhas como se chegou a fazer crer - assim, o político é algo que volta ao preço, bem como nos EUA, com a falta de avanço no pacote fiscal", diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset. "Na política americana, há tantos fatores de incerteza imediata, não só sobre quem vencerá a eleição, como também sobre a composição da Câmara e do Senado, e uma Suprema Corte com mais uma integrante conservadora, em vitória de última hora de Trump."

A partir de quarta-feira, a atenção do mercado doméstico tende a se dividir entre as incertezas externas e os sinais do BC ao final da reunião do Copom. "Há complicações de cenário que precisarão ser endereçadas na comunicação. A inflação está bem pressionada no curto prazo; não é desprezível e parte dela ficará por período indeterminado. Há choques de oferta que permanecem em aberto. E, em termos fiscais, há uma incerteza completa, inclusive sobre as reformas e sobre como vai ficar o auxílio (emergencial)", observa Vieira.

"O Maia não falou algo muito diferente do que já se sabia. Basta olhar o VIX (índice de volatilidade de Nova Iorque) para ver que há uma aversão a risco que vem de fora, com muitas incertezas pendentes, como a eleição nos EUA e a evolução da Covid. Aqui, nos balanços de bancos, o do Santander não trouxe muita melhora (no terceiro trimestre), o que ajuda a entender o comportamento observado hoje nas ações do setor", aponta Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura.

Após terem contribuído nas últimas sessões para ao menos limitar as perdas do Ibovespa, o dia foi de realização de lucros nas ações de bancos, setor de maior peso na composição do índice e que vinha sendo favorecido pelo ingresso de recursos estrangeiros na B3 em outubro, bem como pela busca por ações com desconto, ainda muito atrasadas no ano.

Assim, a Unit do Santander fechou nesta terça em queda de 4,73%, com Itaú PN em baixa de 2,85% e Bradesco PN, de 2,79%. Petrobras (PN -1,83% e ON -1,68%) seguiu em terreno negativo na sessão, enquanto Vale ON fechou praticamente estável (+0,05%).

Juros

Os juros fecharam a sessão desta terça-feira em alta, tendência vista como a "natural" em meio à falta de medidas para suavizar o risco fiscal e aos sinais de aumento das pressões inflacionárias. Nesse contexto, na véspera de decisão do Copom, a expectativa é de um comunicado com tom conservador, embora o consenso em torno de manutenção da Selic em 2% na quarta-feira siga intacto.

A taxa do contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 fechou em 3,44%, de 3,435% no ajuste anterior e a do DI para janeiro de 2023 subiu de 4,886% para 4,93%. O DI para janeiro de 2025 encerrou com taxa de 6,670%, de 6,605%, e a do DI para janeiro de 2027 passou de 7,434% para 7,49%.

O estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, diz não ter havido nada específico para justificar a abertura da curva nesta terça, atribuída ao contexto geral negativo para a área fiscal. "Ao mesmo tempo, não temos nenhum fator positivo. O tempo está passando, o calendário vai ficando apertado e está evidente que o Congresso está voltado para as eleições. O debate sobre as reformas deve ficar para depois", disse.

Não por acaso, as taxas tocaram máximas à tarde, com declarações do presidente da Câmara que reforçam a percepção de que a agenda de reformas deve ficar parada nas próximas semanas.

O ritmo lento dos trabalhos no Congresso induz à percepção de que, mesmo sem mudança na Selic, o comunicado do Copom na quarta já deve ter ajustes em relação ao anterior, por exemplo fechando de vez a porta para um eventual corte futuro na taxa. "Há enorme expectativa quanto ao comunicado do colegiado, num momento em que as pressões inflacionárias de curto prazo e as incertezas no campo fiscal aumentam as apostas de que algum aperto do juro básico poderá já ocorrer no encontro de dezembro", disseram os economistas da Renascença DTVM.

Na curva, a precificação de Selic para o Copom de quarta-feira mostrava praticamente 100% de chance de estabilidade. Para a reunião de dezembro, indicava 68% de probabilidade de alta de 0,25 ponto porcentual. Os cálculos são do Banco Mizuho.


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